Programa Gripen em gráficos: a diferença entre as necessidades e os desembolsos

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Gráficos publicados no mais recente Relatório de Gestão da FAB mostram que, ao longo dos últimos 9 anos, o Brasil utilizou menos do que o necessário do empréstimo contratado para custear o programa dos caças Gripen – e no ano que vem acaba a carência para o chamado ‘repagamento’ do empréstimo

Por Fernando “Nunão” De Martini

Há duas semanas, em 15 de julho, o Poder Aéreo publicou o artigo “Financiamento do Gripen: após quase 9 anos de carência, hoje só faltam 9 meses para começar a pagar” (acesse clicando no link para conteúdo detalhado). Faltando um dia para os ministérios da Fazenda e do Planejamento informarem o quanto cada pasta será atingida pelo congelamento de cerca de 15 bilhões de reais no orçamento deste ano, vale a pena rever alguns trechos da matéria e entender, agora com o auxílio de gráficos, o quanto o programa dos caças F-39 Gripen da FAB tem sido sub-financiado ao longo dos últimos anos, o que levanta algumas questões.

Será que a parcela da Defesa nos bloqueios e contingenciamentos terá impacto na utilização do empréstimo neste ano? Ou será que afetará outros programas? É provável que o programa do Gripen seja poupado? E, mesmo poupado, continuará com recursos aquém do necessário, já que seria preciso aumentar os desembolsos nos próximos anos fiscais? Vamos rever os pontos principais da matéria do dia 15, acrescidos de gráficos que apresentamos em recente “live” no Canal Forças de Defesa, e assim tentaremos chegar a algumas respostas.

Após quase 10 anos de carência, Brasil começará em 2025 o “repagamento” das parcelas do empréstimo

No ano que vem, em 15 de abril de 2025, ocorrerá o chamado “First Repayment Date”, ou “Data do Primeiro Repagamento” do contrato financeiro para aquisição dos 36 caças Gripen da Força Aérea Brasileira (FAB), celebrado entre a República Federativa do Brasil (como tomadora do empréstimo) e o AB Svensk Exportkredit (como credor).  A informação consta do contrato de financiamento original que localizamos no site Tesouro Transparente, do Governo Federal, na seção de Dados Abertos e, dentro dela, na de Contratos Dívida.

Como não encontramos qualquer aditivo publicado no Tesouro Transparente ou mencionado nos relatórios anuais de gestão da FAB (os quais trazem os resumos de diversos aditivos assinados para os contratos de despesa, que regem as execuções financeiras e físicas do programa), o contrato financeiro continua valendo como no dia em que foi assinado, em 25 de agosto de 2015. Ou seja, quando chegar a data do primeiro repagamento, o empréstimo terá completado quase 10 anos de carência.

O empréstimo cobre todas as despesas relacionadas ao contrato de aquisição dos caças Gripen, e foi contraído junto ao AB Svensk Exportkredit, banco público sueco que financia exportações, no valor de 39,8 bilhões de coroas suecas (SEK 39.882.335.471,65), com juros anuais de 2,19%. Esse montante custeia as principais obrigações do programa, como as aeronaves em si, desenvolvimento conjunto, apoio logístico, transferência de tecnologia etc. Para a aquisição de armamentos, o mesmo banco emprestou 245,3 milhões de dólares (USD 245.325.000), com juros anuais de 3,56%. Aos juros em coroas e dólares é somada a comissão (ou “fee”) de 0,85% ao ano da agência governamental sueca EKN, a “Exportkreditnämden”, instituição garantidora de 100% do contrato, que funciona como uma “seguradora” para o empréstimo.

Uma dívida de 22 bilhões de reais para honrar nos próximos 15 anos

Somando os valores em coroas suecas e dólares, e convertendo para reais ao câmbio de hoje, a dívida total alcança 22 bilhões de reais, arredondando. É esse valor que precisará ser “repago” a partir de abril do ano que vem. O chamado “repagamento” é a devolução para o banco do valor que foi emprestado. É diferente de “pagamento”, que define as retiradas, ou seja, o uso / desembolso dos valores emprestados. No caso do contrato de financiamento do Gripen, o repagamento começará em 15 de abril de 2025, como já mencionado, e deverá se estender por praticamente 15 anos. Serão 30 parcelas semestrais, com vencimentos nos dias 15 de abril e 15 de outubro de cada ano, entre 2025 e 2039.

Dividindo o valor arredondado de 22 bilhões de reais por 30 parcelas semestrais, chegamos a 733 milhões de reais por parcela. Se pensarmos anualmente (duas parcelas semestrais somadas), o Brasil terá que prever em seus orçamentos anuais, em cada um dos próximos 15 anos, o valor de 1,466 bilhão para “repagar” o empréstimo ao banco sueco, sem falar nos juros e na comissão / garantia (estes vêm sendo pagos desde o início do contrato).

No cronograma original, o Brasil deveria ter utilizado quase todo o empréstimo, mas só desembolsou 2/3

O “Relatório dos Principais Projetos da FAB”, publicado em 19 de abril de 2024 em complementação ao Relatório de Gestão 2023 da Força Aérea Brasileira, traz os dados consolidados desde o início do contrato. Já fizemos uma análise detalhada das informações desse relatório (clique aqui para acessar). Até 2023, foram desembolsados cerca de 23,4 bilhões de coroas suecas, aproximadamente 60% do total do contrato de financiamento naquela moeda. O mesmo relatório informa que o avanço físico esperado até o fim deste ano (2024) é de 56,6%, quando se planeja que o cronograma financeiro chegue a 66,7% de execução – isso é cerca de 2/3 do total.

Podemos fazer uma média anual do valor desembolsado nos últimos 9 anos. Convertendo em reais os SEK 23,4 utilizados até o momento, chegamos a cerca de R$ 12 bilhões, e se somarmos o que foi desembolsado em dólares para o armamento (sendo que parte desses desembolsos foram reescalonados para que a entrega das armas correspondesse à chegada da maior parte das aeronaves, pois armamentos têm validade), o total sobe para aproximadamente 12,6 bilhões de reais. Dividindo por 9 anos, a média anual foi de 1,4 bilhão de reais em desembolsos.

Isso corresponde, coincidência ou não, ao valor incluído na Lei Orçamentária deste ano. Porém, o cronograma original previa que, por volta da metade dos 9 anos que se passaram, os desembolsos crescessem bastante para aumentar o ritmo de entregas. Mas não foi isso que ocorreu, como se pode ver pelo gráfico abaixo, publicado no último Relatório de Gestão:

Para facilitar, estamos usando só o gráfico dos desembolsos em coroas suecas, que é o maior montante (você pode acessar o relatório original para ver os demais gráficos). Para ter uma ideia dos valores em reais, podemos raciocinar com uma razão próxima de 2 para 1 (2 bilhões de coroas suecas equivalem a cerca de 1,04 bilhão de reais ao câmbio de hoje). Percebe-se que, para o cumprimento do cronograma original que previa a entrega de todas as aeronaves por volta de 2024, ou seja, antes de terminar a carência para o início do “repagamento” do empréstimo, a utilização do empréstimo se iniciaria próxima a 2,8 bilhões de coroas suecas, o que está marcado no gráfico com a cor azul. Isso equivale a pouco mais de 1,4 bilhão de reais (justamente a média do que foi efetivamente desembolsado a cada ano até hoje).

Logo essa utilização passaria para a faixa entre 3 e 4 bilhões de coroas suecas, ou seja, perto de 2 bilhões de reais ao ano por uns 5 anos. Só então os desembolsos passariam para uma faixa superior, próxima a 5 bilhões de coroas suecas (perto de 2,5 bilhões de reais) até cair em 2024 para 2 bilhões de coroas / 1 bi de reais, com algum pequeno saldo para os dois anos seguintes.

Porém, acompanhando a linha laranja, que mostra o que foi efetivamente desembolsado ano a ano, percebe-se muita variação até 2019, quando enfim a execução anual ficou pouco abaixo de 2 bilhões de coroas (cerca de R$ 1 bi). Levando em conta essa utilização do empréstimo abaixo do necessário, assim como questões técnicas e de fornecimento de componentes devido à Pandemia de Covid 19 que afetou as cadeias globais de fabricação (conforme relatado pela própria FAB), não é de se estranhar as sucessivas renegociações do contrato de despesas com a Saab para esticar as entregas, que tiveram como objetivo ajustar o cronograma físico-financeiro às restrições orçamentárias de cada ano. Essas foram as principais justificativas para os aditivos modificando o contrato com a Saab (não confundir com o contrato do empréstimo, feito com banco sueco, que não teve aditivos).

É por isso que hoje ainda faltam 28 aviões para entregar, havendo apenas 7 caças Gripen no Esquadrão Jaguar e um avião de testes voando no Brasil (este ainda não é propriedade da FAB, e só deverá ser transferido a um esquadrão ao final das entregas). Justamente num momento em que os desembolsos precisam ser ampliados para “pagar” uma quantidade crescente de aviões que sairão das linhas de montagem na Suécia e no Brasil, eles continuam na média de 1,4 bilhão de reais ao ano.

Podemos acompanhar essa dinâmica, já após a revisão do cronograma original, no gráfico abaixo:

A linha azul é semelhante à do gráfico anterior, mostrando o cronograma original de desembolsos anuais para executar o programa em cerca de 10 anos, e a laranja é a linha resultante de sucessivas renegociações em aditivos contratuais, o que começou por volta de 3 anos após o início do contrato,”esticando” essa utilização do empréstimo (valores em coroas suecas). É fácil perceber que, numa metáfora geográfica comum às interpretações de gráficos, após um “vale” nos anos de 2020-21 buscou-se ampliar gradativamente a utilização anual para que neste ano fosse superior a 3,1 bilhões de coroas suecas (1,6 bilhão de reais), subindo ainda mais a “montanha” nos próximos 3 anos.

Vale relembrar, mais uma vez, que estamos mostrando gráficos específicos dos dispêndios em coroas suecas – se somarmos os desembolsos necessários em dólares para armamentos, a conta vai para a casa dos 2 bilhões de reais necessários anualmente, ou mais, conforme o ano. E, já em 2027, seria preciso desembolsar quase 4,5 bilhões de coroas (perto de 2,4 bilhões de reais), bem acima da média de utilização anual do empréstimo, de R$ 1,4 bi.

Por que o Brasil não foi capaz de utilizar o empréstimo conforme o cronograma original, antes dos 10 anos de carência?

O país precisa obedecer a limites orçamentários, que também incluem o uso de recursos com origem em empréstimo externo, em cada Lei Orçamentária Anual (LOA). O problema é que os 9 anos que se passaram desde a contratação do empréstimo, em 2015, foram de sucessivas crises. Já em 2015-16, o país acumulou 8% de queda do PIB, e nos anos seguintes tanto o país quanto o mundo vivenciaram outras crises que impactam orçamentos, preços, cadeias de fornecedores e a economia como um todo, como a Pandemia de Covid 19 e as guerras na Ucrânia e na Faixa de Gaza. Por um lado, houve restrições orçamentárias e, por outro, pressões por gastos emergenciais, além de vários momentos de forte desvalorização do real.

Os limites para utilização decorrem do fato de que cada valor efetivamente liquidado (após ter sido autorizado para gasto na LOA, e depois empenhado pela FAB) resulta em dívida assumida pela União junto ao banco credor, ampliando o total da dívida externa brasileira. Isso impacta nas contas do governo e no resultado primário da União, pois os pagamentos de despesas, mesmo quando provém de financiamento externo, necessitam de previsão orçamentária, pois o objeto contratual (execução física) é recebido e a despesa é realizada num determinado exercício.

Assim, mesmo tendo como fonte um empréstimo externo, a utilização dos recursos sofre restrições de empenho tal qual outros gastos da União. Desta forma chegamos à situação atual, mostrada no cronograma acima (divulgado no ano passado pela FAB), com entregas de aeronaves se estendendo para 2027, e com grande concentração nos últimos dois anos.

Dadas as restrições anuais a ampliar os desembolsos para a faixa superior à média de 1,4 bilhão de reais por ano efetivamente mantida desde 2015, temos dúvidas sobre a capacidade financeira para atingir esse desempenho. Tecnicamente, o cronograma até seria factível nas linhas de produção, com aumento do ritmo e uso de mais um turno de trabalho (discutimos isso em matéria especial que você pode acessar aqui) mas, financeiramente falando, as restrições orçamentárias deverão continuar nos próximos anos. Por isso é bem possível que o cronograma atual avance ao início da próxima década, com cerca de 4 aviões entregues anualmente.

Valores de desembolsos que seriam necessários para os próximos anos

A Diretriz de Planejamento Institucional 2024 da FAB, aprovada em 23 de novembro do ano passado, traz as projeções de recursos para três programas entre os mais importantes da Força Aérea: F-X2 (Gripen), KC-390 e Conversão de Aeronaves A330-200 em aviões reabastecedores, todos sob o guarda-chuva do Programa de Aceleração do Crescimento – PAC, que a princípio serviria para garantir a execução orçamentária. Veja na tabela abaixo:

Há um evidente déficit neste ano de 2024: o valor necessário seria de quase 2,7 bilhões de reais, praticamente o dobro do 1,4 bilhão projetado / reservado no orçamento. Para 2025 e 2026, as necessidades ficariam na mesma faixa de 2,7 bilhões de reais, subindo para 3,2 bi em 2027. Podemos comparar com o gráfico mais acima, em coroas suecas (câmbio de mais ou menos 2 para 1 em relação ao real) e perceber que tanto a tabela quanto o gráfico indicam o mesmo problema: além de evitar cortes / bloqueios / contingenciamentos que reduzissem os desembolsos deste e do próximo ano em relação à média anual de 1,4 bilhão de reais, seria necessário garantir um limite maior para utilização do empréstimo. Em anos de cortes, é um tanto ilusório esperar por ampliação de despesas.

O Brasil aproveitou mal um empréstimo com quase 10 anos de carência. E agora?

O contrato com o AB Svensk Exportkredit, assinado em agosto de 2015, buscou facilitar a aquisição dos caças pelo Brasil, com praticamente 10 anos de carência para o início do repagamento da dívida, período no qual o cronograma físico e financeiro seria executado até a entrega de todas as 36 aeronaves. Como o programa dos caças Gripen (F-X2) foi pensado para ir além da compra de aviões, incorporando transferência de tecnologia ao explorar oportunidades de desenvolvimento conjunto, algum atraso poderia ocorrer. Isso é comum em diversos programas pelo mundo, porém houve impactos imprevisíveis nas cadeias de fornecimento, devido à Pandemia de Covid-19 e à Guerra na Ucrânia.

Mas os gráficos mostram que o principal problema não foi técnico ou de desenvolvimento (ainda que estes existam). A questão principal foi financeira: os limites de utilização anual do empréstimo dados pelas restrições das contas públicas.  O Brasil levou 9 anos para executar algo próximo a 2/3 do montante previsto, e dificilmente conseguirá utilizar o restante (1/3) nos próximos 3 anos, o que provavelmente vai esticar outra vez o cronograma de entregas. E pode haver o complicador extra, a ser levado em consideração nas contas públicas, de iniciar no ano que vem o repagamento desse empréstimo. Espera-se desafios contábeis à frente, para o bem ou para o mal.

Mas fiquemos com as dificuldades deste ano, que já estão de bom tamanho, para finalizar esta análise: veremos nos próximos dias quanto será preciso bloquear no orçamento da Defesa para atender aos 15 bilhões que o Governo precisa congelar do orçamento de 2024. É esperado que programas em andamento sejam minimamente preservados. Assim, cortes poderiam afetar, por exemplo, o projeto de conversão completa de aeronaves A330-200 em MRTT (cargueiros e reabastecedores), já que os trabalhos não foram iniciados.

Podem também ser afetadas possíveis iniciativas de aquisição de caças usados ou jatos de menor custo para preencher lacunas operacionais.  Ou será que soluções paliativas teriam prioridade frente ao programa do Gripen, em andamento? Veja os gráficos, pondere as possibilidades e deixe a sua opinião nos comentários.

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