Três F-4G Wild Weasel da USAF

Sérgio Santana*

O presente artigo é o primeiro de uma série de textos sobre a atuação dos McDonnell Douglas F-4G “Wild Weasel” da Força Aérea dos Estados Unidos na Operação Tempestade do Deserto em 1991, na função de Supressão de Defesa Aérea Inimiga (mais conhecida pela sigla em inglês SEAD, Suppression of Enemy Air Defenses).

A organização da rede de defesa aérea iraquiana

Para compreender a magnitude da tarefa colocada às tripulações de SEAD da USAF, faz-se necessário conhecer a estrutura da defesa aérea do Iraque antes da Guerra do Golfo de 1991.

Do mesmo modo que a Força Aérea soviética possuiu, até 1998, um órgão operacional e administrativamente independente, destinado às missões de defesa aérea e antiaérea, a “PVO-Strany”, a Força Aérea do Iraque também tinha uma organização similar, o “Air Defence Command”, equipada com interceptadores, mísseis superfície-ar, artilharia antiaérea e radares de alerta antecipado, os centros terrestres de relatórios e de controle de interceptação.

O sistema nacional integrado de defesa aérea (Integrated Air Defence System, IADS) do Iraque era composto por um centro nacional de operações de defesa aérea (Air Defence Operations Center, ADOC) em Bagdá e pelos seguintes quatro setores de defesa aérea:

O 1º Setor de Defesa Aérea, também designado como Setor Central de Defesa Aérea, tinha um Centro de Operações Setoriais (Sector Operations Center, SOC) em Taji e Centros de Operações de Interceptação (Intercept Operations Center, IOCs) em Taji, Al Taqqadum, Salman Pak, Al Kut, An Najaf e An Nukhayb. Este setor controlava as seguintes Bases Aéreas: Tammuz, com 5 aeronaves MiG-25 “Foxbat” do 97º Esquadrão e 5 aeronaves MiG-29 “Fulcrum” do 39º Esquadrão; Aeroporto Al-Suwayra, com 5 aeronaves MiG-23 “Flogger” do 63º Esquadrão; Qadisiyah, com 5 aeronaves MiG-23 “Flogger” do 63º Esquadrão e 3 MiG-25 “Foxbat” do 96º Esquadrão; Abi Ubaida, com 3 aeronaves Mirage-F1 do 89º Esquadrão; e, por fim, Aeroporto Talha Al-Mutaqaddem: com 3 aeronaves MiG-23 “Flogger”.

Defesa Aérea do Iraque em 1991

O 2º Setor de Defesa Aérea, também conhecido como Setor Ocidental de Defesa Aérea, tinha um SOC no Aeródromo H-3, com IOCs no Aeródromo H-1, Aeródromo H-3 e Ar Rutbah e controlava a Base Aérea de Sa’ad, com 5 aeronaves MiG-23 “Flogger” do 73º Esquadrão e 3 aeronaves MiG-21 “Fishbed” do 41º Esquadrão.

O 3º Setor de Defesa Aérea, também nomeado como Setor Sul de Defesa Aérea, tinha um SOC no Aeródromo de Talil, e seus IOCs estão em Talil, Al Amraah, As Salman e Az Zubayr e administrava a Base Aérea de Ali com seus MiG-21 “Fishbed” do 9º Esquadrão.

O 4º Setor de Defesa Aérea, também conhecido como Setor Norte de Defesa Aérea, tinha um SOC em Kirkuk, com IOCs em Kirkuk e Mosul e controlava a Base Aérea de Saddam, com 3 aeronaves Mirage F-1 do 79º Esquadrão e um destacamento de 3 aeronaves MiG-23 “Flogger” ou MiG-29 “Fulcrum”, além do Aeroporto de Tal ‘afar, que tinha 5 aeronaves MiG-21 “Fishbed”  do 14º Esquadrão.

O ADOC de Bagdá mantinha o quadro aéreo geral e estabelecia prioridades para as funções de defesa aérea. Os SOCs estavam subordinados ao ADOC e controlavam as operações de defesa aérea em uma área geográfica específica. Os SOCs dirigiam as operações das aeronaves interceptadoras do Iraque, dos sistemas de armas de defesa aérea terrestres, dos sistemas de vigilância e dos ativos de comando, controle e comunicações. Os IOC forneciam controle de defesa aérea local.

Além desses órgãos, o Comando de Defesa Aérea da Força Aérea do Iraque estava constituído por um Corpo de Defesa Aérea e por Divisões de Defesa Aérea. A defesa aérea do Corpo era responsabilidade do seu comando de defesa aérea, que poderia ter um batalhão de artilharia de defesa aérea de 57 mm guiado por radar, para proteção de quartéis-generais e locais logísticos, além de assumir o controle e realocar meios de defesa aérea de divisões subordinadas.

Por sua vez, as Divisões de Defesa Aérea frequentemente tinham organizações de defesa aérea não padronizadas, devido à grande variedade de sistemas antiaéreos no arsenal iraquiano, com cada divisão tendo uma unidade orgânica de defesa aérea, um estado-maior de defesa aérea semelhante a um estado-maior de artilharia de divisão, armado com canhões antiaéreos autopropulsados, mísseis 9K31 Strela-1 (SA-9 Gaskin) e um batalhão de artilharia antiaérea de 2 mm com até 54 canhões, além de um número indeterminado de mísseis 9K32 Strela-2 (SA-7 Grail).

Os sistemas de artilharia antiaérea e de radares do Comando de Defesa Aérea da Força Aérea do Iraque

SA-6 Gainful do Iraque

Além das aeronaves já mencionadas (cuja quantidade foi sendo progressivamente aumentada com o início das operações da Coalizão) antes do início da “Operação Tempestade no Deserto”, o Comando de Defesa Aérea da Força Aérea do Iraque operava os seguintes sistemas de mísseis superfície-ar: 13 lançadores com 100 mísseis Roland; 20 lançadores do míssil S-75 Dvina (SA-2 Guideline); 30 lançadores do míssil S-125 Pechora (SA-3 Goa); 25 sistemas 2K12E Kvadrat (SA-6 Gainful); 160 sistemas 9K31 Strela-1 (SA-9 Gaskin); 80 lançadores do sistema 9K33 Osa (SA-8 Gecko); 30 lançadores do sistema 9K35 Strela-10 (SA-13 Gopher) e centenas de mísseis Strela-2. Com relação à artilharia antiaérea existiam cem unidades do sistema ZSU-57-2 de 57mm e 200 outros ZSU-23-4 Shilka, de 23mm, além de uma quantidade indeterminada de canhões S-60 de 57mm, KS-12 de 85mm, KS-19 de 100mm e KS-30 130mm, além de metralhadoras de 14.5mm.

Já dentre os radares operacionais, para vigilância aérea, havia cinco Type-408C chineses; seis TRS-2215/2230, cinco Volex TRS-2105 e dez Tiger-G, todos franceses; seis P-12 (Spoon Rest), cinco P-14 (Tall King) e dez P-40 (Long Track), russos. Como radares de controle de fogo havia pouco mais de 180 SON-9 (Fire Can), para os canhões antiaéreos S-60, KS-12, KS-19 e KS-30.

Esses equipamentos eram distribuídos a 60 pelotões de alerta antecipado, 22 centros de guiagem, 14 companhias de controle, 16 companhias de alerta e 25 companhias de observação, compostas por 610 observatórios visuais, localizados em vários pontos da fronteira com o Kuwait.

KARI, o cérebro de comando e controle do sistema de defesa aérea do Iraque

As defesas aéreas iraquianas foram redesenhadas após o ataque israelense ao reator nuclear Osirak em 1981. Uma rede de radares, mísseis superfície-ar e artilharia antiaérea foi instalada, concentrada principalmente em torno de instalações estratégicas e industriais na área de Bagdá.

Os já mencionados SOC e o ADOC eram conectados pelo sistema de comando e controle “KARI”, construído na França e conectava o diversificado inventário de radares e armamentos de defesa aérea soviéticos e ocidentais. Também possuindo uma capacidade redundante de comando e controle. Sua designação curiosa nada mais é que a palavra “Irak” (francês para Iraque) escrita ao inverso, tendo sido projetado e construído por empresas francesas e concluído em 1986-1987.

O KARI pode ser definido como uma mistura de tecnologias de diferentes nações com integração incerta e foi rapidamente dominado pelas operações aéreas da Coalizão por ser de arquitetura muito hierárquica, de modo que quando os SOCs ou ADOC eram destruídos, os IOCs eram incapazes de operar eficazmente, além de que a própria França era parte das forças adversárias. Também muitos dos seus padrões de comunicações, processamento de dados e software para as defesas aéreas integradas não estavam à altura da tarefa de derrotar com sucesso uma campanha aérea ocidental moderna.

Para piorar um pouco mais o estado de coisas e como nenhum dos sistemas do tipo não opera automaticamente, não importando a sua sofisticação, o KARI não era manejado por pessoal qualificado, sendo pouco mais que um complexo de que cabos e armas. Na guerra Irã-Iraque (1980-1988), a disciplina de fogo dos defensores aéreos iraquianos foi notada como relaxada na melhor das hipóteses e até mesmo inexistente, com os operadores abrindo fogo de mísseis e canhões contra qualquer coisa que estivesse no céu, mesmo aliada, tendo sido responsável por 75% dos abates de aeronaves iraquianas sobrevoando o espaço aéreo do país.


*Bacharel em Ciências Aeronáuticas (Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL), pós-graduado em Engenharia de Manutenção Aeronáutica (Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC/MG). Colaborador de Conteúdo da Shephard Media. Colaborador das publicações Air Forces Monthly, Combat Aircraft e Aviation News. Autor e co-autor de livros sobre aeronaves de Vigilância/Reconhecimento/Inteligência, navios militares, helicópteros de combate e operações aéreas

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