Por Sérgio Santana*

É de amplo conhecimento que desde 2011, quando o Coronel Mu’ammar al-Qaddafi foi derrubado na Líbia (país que governara desde 1969, após chefiar um golpe contra o rei Idris I) a nação mergulhou num caos, tendo o seu espaço geográfico dividido e dominado por grupos que disputam o poder entre si.

Na ausência de uma figura central que tenha força para unificar (ou mesmo reprimir) as diferentes correntes políticas e tribais que sempre se manifestaram na Líbia, esta mesma divisão também atinge as forças armadas e o correlato equipamento militar, que vez por outra protagoniza episódios como bombardeios e abates de aeronaves.

O mais recente destes episódios, repercutido por várias agências de notícias ao redor do planeta, envolveu o abate, por parte da artilharia antiaérea das forças do “Exército Nacional Líbio” (ou LNA, Libyan National Army, como é mais conhecido) de uma aeronave de caça e ataque Dassault Mirage F.1ED a serviço do grupo GNA (Government of National Accord, Governo do Acordo Nacional) e pilotado por um mercenário que, após ejetar-se do avião francês, se disse de origem portuguesa, enquanto recebia cuidados médicos aos seus ferimentos.

Caso se confirme a nacionalidade do piloto abatido, este não terá sido o primeiro português envolvido naqueles combates (aliás, lembremos que Portugal tem um longo histórico de intervenção em países africanos, mesmo oficialmente, quando estava combatendo contra forças que lutavam para obter a sua independência política da nação lusitana, como foi o caso de Angola, que a conquistou em 1975), pois em junho de 2016 um outro piloto português, conhecido como “Joe Horta” (cuja experiência de voo ironicamente até então se resumia a aeronaves de pulverização agrícola) faleceu em uma colisão quando a bordo de outro Mirage F.1ED durante o seu quinto voo na aeronave na localidade de Misrata. “Joe Horta” estava aprendendo a pilotar Mirages sob a supervisão do capitão Boris Reyes, veterano piloto da Força Aérea Equatoriana, que operou 18 exemplares (16 monopostos e 2 bipostos) do mesmo tipo de aeronave entre 1979 e 2011.

O ex-oficial equatoriano é um mercenário a serviço da Força Aérea do Amanhecer da Líbia (LDAF, Libyan Dawn Air Force) e muito provavelmente atuou em uma das duas guerras em que o Mirage F.1 foi utilizado contra forças peruanas, em 1981 e 1995. Por sua vez, a Líbia recebeu 36 Mirages F.1 de várias versões entre 1979 e 1980.

Apesar de ter negado qualquer vínculo com o piloto recentemente abatido, Portugal mantém forças militares (junto com a de 25 outros países) na área, como parte da “Operação Sophia”, que dentre outros objetivos pretende coibir o tráfico de pessoas e produtos como óleo, através de voos e missões navais de vigilância. A “Operação Sophia” começou oficialmente em junho de 2015 e está agendada para terminar em setembro de 2019.


*Bacharel em Ciências Aeronáuticas (Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL), pesquisador do Núcleo de Estudos Sociedade, Segurança e Cidadania (NESC-UNISUL) e pós-graduando em Engenharia de Manutenção Aeronáutica (Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC/MG). Único colaborador brasileiro regular das publicações Air Forces Monthly, Combat Aircraft e Aviation News.

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Delfim

Um tio-avô meu morreu na África. Nem cheguei a conhecê-lo.
Portugal tem um estranho fetiche pela África. Só pode.

Augusto César Gomes Galvão

Deve ser fetiche mesmo! Descobriram quase toda a costa ocidental e oriental da África desde antes de 1.500! Sem contar aquela partezinha do mediterrâneo onde o Rei D.Sebastião morreu em combate! Daí por diante nunca mais sairam de lá!

Moriah

Desde a época em que se acreditava no reino cristão de Preste João, enviando um missionário-diplomata estar relações com que o se soube depois era um imperador etíope da dinastia Salomônica.

Delfim

Putz o Preste João ! Esqueci.

Dodo

Eu usaria o termo “fagocitado” pelas forças inimigas kkkk

RENAN

Agora tá melhor explicado muito obrigado pela matéria

Antunes 1980

Deve estar tendo pouca coisa pra se fazer lá em Portugal.
Sair da “terrinha” para ir lutar e morrer nestes buracos, não parece ser uma escolha muito sensata.

Augusto César Gomes Galvão

Quem gosta da aviação mesmo não se importa aonde vai voar! Em alguns casos, estende-se até a aviação militar que é a elite da aviação mundial pela tecnologia envolvida. E sim paga-se muito bem para pilotos mercenários! Principalmente aos pilotos brasileiros, conhecidos por serem destemidos visto o envelope de missões que praticam no Brasil mesmo na aviação de transporte da FAB, devido a precariedade de muito aeroportos e pistas em áreas remotas do país! No mercado internacional de mercenários, costuma-se dizer que se você preciso de um piloto corajoso que não hesite em realizar a missão dada, procure um ex-militar… Read more »

Bavarian Lion

Isso é verdade Augusto.

Mesmo com toda a precariedade suposta da operação Líbia, eu não hesitaria em ir se fosse contratado (pelo menos voei em T-27, rsrsrs).

Pediria desculpas a todos os meus, a minha mãe, e iria. Se voltasse, seria como se tivesse acertado na quina.

Fernando Jesus

Não fico admirado. Moro em Portugal e aqui os jovens e os adultos em idade de trabalho procuram sempre emigrar para ter melhores condições de trabalho. Aqui paga-se muito mal. Salário mínimo 600 euros e é comum encontrar profissionais com curso superior recebendo 700 euros.

Rui Chapéu

Enquanto isso os brasileiros estão indo pra Portugal pq ganham mais do que no Brasil!

CLEBER CORDEIRO PROLA

Olá, apenas complementando seu comentário. Há cinco meses dois conhecidos meus, que são médicos, foram embora para Portugal ganhando menos que no Brasil, a razão, foram ambos vítimas de roubo aqui. Venderam a clínica lá no RS e emigraram

JuggerBR

O caro em Portugal é os imóveis, o aluguel na região de Lisboa é maior que o salário mínimo. Por outro lado os custos com educação, saúde e transportes são uma fração do Brasil. Comida é barata se souber onde comprar. Fiquei lá 20 dias mês passado e sinceramente, voltarei logo, e de vez…
Ganho muito mais no BR (uns 4 salários mínimos portugueses), mas prefiro ganhar pouco e viver tranquilo e sem a sensação que o país só regride…

Celso

Respeito a decisao, porem fico aqui e por pior que seja, procuro fazer a diferenca a mais de 60 anos. Ta diificil, porem ainda desejo o melhor para meus filhos e netos. Nao abandono uma boa luta e contra os parasitas que infestam nossa patria. Aqui sempre farei a diferenca, mas la em Portugal nada e ninguem que nao seja da terrinha, fara alguma diferenca e nao se esqueca que ja existe uma xenofobia contra os brasileiros por inumeras razoes. 20 dias em outro lugar nunca te dirao o quao esse lugar e bom ou ruim. Sds

Peter nine nine

Amigo, o português só é xenófobo ao brasileiro porque o brasileiro, não todos, são xenófobos ao português. Sou português, e posso garantir que o povo português não é necessariamente xenófobo, muito menos a brasileiros, repare que, à escala da população, Portugal COME novelas brasileiras. A nós o brasileiro não nos incomoda nada, já ao contrário não se pode dizer o mesmo, e daí poder haver conflitos, o brasileiro é geralmente bem gozão/brincalhão/humorista e isso leva a má interpretação por parte dos portugueses, o português tende a partir do princípio que brasileiro não gosta de português e que portanto, so poderá… Read more »

Leandro

E o governo português é de esquerda!

Peter nine nine

Sim, sem nada em comum com comunismo e chavismo, etc.. .
Aliás, diria mesmo que sem nada em comum com a esquerda brasileira.

Ricardo Monteiro

Olha que eu também vivo e sempre vivi em Portugal e não me lembro de ver, ler e ouvir que um piloto da força aérea portuguesa ganhe 600€ ou que saía para ir lutar num país estrangeiro por ganhar esse valor, eu sei que eles vão para companhias aéreas comerciais e para as melhores (sim o piloto português está considerado dos melhores do mundo) ganhar 600€!! Conhece algum piloto que tenha saído da força aérea portuguesa que ande a procurar trabalho? Só ganha esse valor que falas quem é malandro e não quer trabalhar!! Eu vivo na zona do Vale… Read more »

Augusto César Gomes Galvão

Hmmm… Deixa ver se eu entendi! Por ser equatoriano, mesmo sendo um veterano experiente até em combate (Guerra do Cenepa entre Equador/Peru – 1995), o cara é burro! Incapaz de pilotar até avião de papel! E o português então sabia nadica de aviação! Pilotava aviões turbo-hélices combatendo incêndios florestais ( Não usam turbo-hélices como treinador avançado para aviões a jato puro!) fazendo manobras acrobáticas como um piloto de combate? Ou só por ser português era burro também? Não entendi! Ah! Claro mesmo com toda a experiência de voo o equatoriano não falava nada de inglês?!?!?!? O Piloto português então de… Read more »

Delfim

Lembrei dos Dijon Boys, que aprenderam francês, e introduziram muitos galicismos na FAB.

Roberto Dias

Este “galicismo” durou muito tempo na FAB e inclusive trouxe profissionais de várias áreas para atuarem no Brasil, cito como exemplo que na EPCAR, durante muito tempo, existiu um punhado de franceses que lecionavam francês para os alunos.

paddy mayne

As matérias do Roberto são de primeira linha, nível internacional. Não é à toa que colabora com tantos veículos de qualidade. Parabéns.

Sérgio Santana

Roberto ou Sérgio ?

smichtt

Permita-me intrometer: ambos.

smichtt

Roberto Lopes e Sergio Santana.

Paddy Mayne

Sérgio!! mil desculpas, são ambos tão bons que me confundem!!

Bavarian Lion

A ação denota um certo desespero, e, o desejo de saber quem tá pagando.

Dificilmente um piloto agrícola teria o preparo físico necessário pra pilotar devidamente uma aeronave supersônica de caça (em manobras que podem chegar a 9G).

O oficial equatoriano tem experiência de combate e tudo mais, mas o pesadelo logístico deve ser parecido com o que o Roberto Santana explicou abaixo.

Billy

São russos e ucranianos que passaram ou mesmo nasceram em Portugal. Os mesmos do grupo Wagner que pilotam Su – 30 e operam outros equipamentos na venezuela.

Vinicius Momesso

Não de se esquecer também dos “mercenários” russos que pilotavam alguns Su-27 na Guerra Da Eritreia.

IBIZ

Sempre achei o Mirage F1 uma das aeronaves militares mais bonitas. Pq o Brasil nunca se interessou em adquirir esse aparelho durante os anos 70/50? Com certeza são muito superiores aos anêmicos F5 que a FAB opera hoje.

Gil U

falando deste “Joe Horta”, ora pois, o gajo tinha experiencia em aeronaves de pulverização agrícola e passou para um caça supersônico, só podia mesmo acabar por bater as botas.

Nilton L Junior

A tá ele tinha RG com ele né, ou quem sabe um passaporte.

Pampapoker

Respondi a sua pergunta sobre chile e argentina lá.

elton

o cara tem que gostar muito de voar para se enfiar num lugar esquecido por deus ,pilotar um avião de mais de 30 anos ,com a manutenção que deve dar ate medo de ver um hangar de manutenção libio e a equipe de tecnicos “especialistas” locais e ainda cumprir missoes de combate na altitude que os caças voavam na SGM.e se prescisar ejetar torcer para pousar em territorio aliado porque sempre tem o risco de encontrar aqueles caras que curtem fazer decaptação de inimigos e postar no You Tube.

Paulo Maffi

Um piloto mercenário português, pilotando um caça de origem francesa, abatido na Libia (supostamente por baterias dos tempos da URSS), que estava a serviço da União Europeia, talvez tenha sido treinado por um Equatoriano experimentado em combates aéreos contra os peruanos… E eu aqui no Brasil lendo tudo isso! Gira mundo, ehim!??! Belo exemplo de globalização…

Jonas Silberstein

Esqueceram-se de que tempos atrás a dinastia ditatorial norte coreana utilizou passaportes brasileiros pra passear pelo mundo? Não vejo porque mercenários franceses ou ucranianos não podem utilizar-se de passaportes portugueses. Isso no caso do piloto não ser mesmo um português de verdade. Tenho um primo que é ex-piloto de caça da FAP e digo-lhes que o nível de profissionalismo deles é muito bom. Sendo assim não vejo muita dificuldade para um bom ex-piloto de F16 passar para a vida civil e reciclar-se para voar os mirage F1. Se a notícia toda for verdadeira (o que eu sinceramente duvido) , merece… Read more »

peter nine nine

Caro editor, permita-me corrigi-lo, a FAP não está envolvida, de momento, na Operação Sophia (apenas 3 militares, possivelmente observadores, meios de ligação). Isto já foi relatado por mim, na matéria anterior referente ao mesmo tópico, como também pela própria Força Aérea Portuguesa/Ministério da Defesa. Portugal opera de forma regular no Mediterrâneo (não só nos seus mares, como também no dos aliados) e tem sim tropas em África e no mediterrâneo, mas as mesmas não se encontram subordinadas à operação Sophia. A única aeronave que lá andava nestes dias e penso que ainda anda, é um C295M subordinado à operação Themis.… Read more »