O principal concorrente do KC-390 (PARTE 3)
Conheça a história do desenvolvimento do C-130J Super Hercules e as dificuldades enfrentadas pelo projeto
por Guilherme Poggio
(clique aqui para ler a PARTE 1)
(clique aqui para ler a PARTE 2)
PROBLEMAS AERODINÂMICOS
Estruturalmente o C-130J é basicamente a mesma aeronave que entrou em operação na década de 1950 (Ver imagem acima mostrando aviões de versões anteriores – hélices de quatro pás). De certa forma isso acabou gerando contratempos para a empresa porque algumas das partes da aeronave não tinham documentação aprovada no sistema da empresa de tão antigas que eram.
Mas se a estrutura se manteve o mesmo não pode ser dito do grupo propulsor e controles associados a este. A Lockheed escolheu o turboeixo Allison AE2100D3 de 4.591 shp associado a uma hélice Dowty R391 de seis pás de material composto em forma de cimitarra.
Ao nível do mar a potência desenvolvida por esse novo grupo propulsor produz 25% mais empuxo do que o do C-130H. Há ganhos também em relação ao alcance, à velocidade máxima e à distância de decolagem.
A Lockheed não esperava grandes problemas aerodinâmicos provenientes da troca dos motores e das hélices. E em função disso criou um calendário de ensaios em voo muito otimista. Entre o primeiro voo do primeiro exemplar de produção (não foram produzidos protótipos) e a obtenção do certificado civil de aeronavegabilidade a empresa estimou um período de doze meses (ver detalhes sobre o programa de ensaios na próxima parte deste texto).
Porém, durante a parte dos ensaios em voo relacionados ao comportamento da aeronave em situações de estol, observou-se que o comportamento do C-130J era totalmente diferente dos seus irmãos mais antigos. O fluxo de ar sobre as asas gerado pelas novas hélices de seis pás era o responsável por estas mudanças no fluxo.
Os resultados dos ensaios mostraram que soluções aerodinâmicas satisfatórias foram encontradas para determinadas situações específicas, mas para outras não. Por exemplo, situações que envolviam ausência de potência ou potência máxima necessitavam de soluções diferentes que não atendiam a ambos os casos. Estas soluções envolviam o uso de geradores de votex, fendas nas asas e stall strips entre outras.
Em função da dificuldade de se encontrar soluções aerodinâmicas satisfatórias e dos atrasos no programa de ensaios em voo a Lockheed optou por instalar um dispositivo chamado stick pusher, muito comum em aeronaves comerciais.
O stick pusher é um sistema que monitora constantemente os parâmetros críticos de voo (como ângulo de ataque, velocidade e posição do flap), acionando automaticamente os controles da aeronave para que ela não entre em situação de estol.
No caso do C-130J os pilotos recebem avisos visuais no HUD e nas telas dos painéis, acompanhado de avisos sonoros quando a aeronave estiver quarenta nós acima da velocidade de estol. E se não houver interferência por parte do piloto o stick pusher automaticamente entra em ação.
A ideia era adotar o stick pusher como solução provisória para obter a certificação da aeronave e em seguida retomar o programa de ensaios em voo para encontrar uma solução definitiva. No entanto os clientes resolveram aceitar a solução com o stick pusher e assim a Lockheed deixou de buscar soluções aerodinâmicas para a questão.
Mas o comportamento do fluxo de ar sobre as asas não havia provocado modificações apenas nas condições de estol. Descobriu-se, nas etapas finais do processo de certificação, que o fluxo de ar proveniente da rotação das hélices modificava o processo de formação de gelo nas superfícies da aeronave. O caso mais agudo era na base da deriva. Para contornar este problema introduziu-se um dispositivo anti-gelo distinguível pela cor preta (ver imagem abaixo).
O novo grupo propulsor também afetou o nível de vibração. As novas hélices de seis pás geram uma ressonância na frequência de 102 Hz. Esse problema foi detectado quando a aeronave já havia sido entregue para alguns clientes. Em função disso a RAAF (Real Força Aérea Australiana) impôs restrições no transporte de munições e explosivos, assim como equipamentos médicos de emergência em missões de evacuação. A solução veio com a mudança na parte do software que controla a sincronização das hélices.
Adicionando ao excelente texto publicado pelo Guilherme Poggio, segue um link sobre um incidente ocorrido nos ensaios do AC130J.
Lembra um pouco o primeiro incidente do KC390 (aquele do estol com gelo artificial).
https://www.airforcetimes.com/news/your-air-force/2016/06/04/missing-flight-data-contributed-to-accident-that-made-ac-130j-unusable/
É só mais uma lembrança de que ensaios em vôo são arriscados e que há pouca margem para erros. Incidentes acontecem nas “melhores famílias” e devem servir de ensinamentos, não apenas para a campanha de ensaios em si, mas (mais importante) para toda a vida operacional da aeronave.
Parabéns Poggio, pela excelente matéria, disponibilizada, muito grato.
Poggio, a parte 2 não está disponível? O link no começo da matéria para a parte 2 parece estar quebrado, além disso não há chamada para a parte 2 na página principal.
Luiz Konfidera
Link já corrigido
Poggio, Obrigado.
E aproveitando a oportunidade quero deixar aqui registrado a minha satisfação de poder acompanhar esse espaço desde 2011, a cada dia que passa sempre aprendo mais sobre o tema defesa (trilogia), e matérias como essa que você escreveu reforçam ainda mais a minha impressão de que a trilogia é de longe a melhor site sobre o tema no Brasil.
Sou um entusiasta sobre temas militares, embora eu seja leigo sobre o assunto. Gostaria de fazer uma pergunta:
Lí, na trilogia, qur o F-5 partiu da iniciativa privada, sem dinheiro do governo americano envolvido. Essa nova versão do Hércules, aparentemente, foi a mesma coisa, dinheiro privado.
Houve mais algum material bélico que tenha sido 100% ( ou próximo disso ) financiado pela própria empresa, sem incentivo do governo e das FA’s? E quais deram certo e se pagaram com vendas?
Todos têm ao menos uma ideia do quão complexo é o projeto e desenvolvimento de uma aeronave mas quando lemos algo como o que foi escrito acima é difícil não “sentir” a grandeza dessa complexidade.
Ótimos textos, parabéns Poggio!
Concordo!
Não imaginava que uma troca de hélice e propulsor mais potente pudessem criar tantos problemas assim.
Pergunta para os mestres:
O arranjo de carga nessa versão j
deve ser muito crítica visto que existe esse push stick para controle dos parâmetros de voo. Isso posto,a demanda do emb 390 começará a crescer daqui a 5 anos ou menos,pois essa versão do hércules maculou as anteriores.
Isso é que dá, querer tornar uma kombi numa Nova Sprinter.
Só arremedo de problemas.
O Hércules tem seu limite de envelope já estrapolando nesta versão J. Tornando-a em uma aeronave insegura.
O C-130J não é uma aeronave insegura, está longe disto.
Se fosse inseguro não estaria certificado e operando em vários países.
Com tudo isto dá ainda mais orgulho de ver o KC-390 cada vez mais próximo da operacionalidade a qual virá na totalidade ao começar a servir a FAB em suas missões fins. É muito complexo.
KC 390 vai sera o novo Hércules. Quem viver verá.
Preparada para servir no século XXI
A FAB estará na ponta em matéria de traaporte, resgate, combate a incêndio.
Alguém tem notícias do KC-390 se acidentou?
A grande dúvida que paira sobre o KC-390 é a sua real capacidade de pousar e decolar de pistas de terras, como faz muito um turbo hélice como o Hércules.
Pessoal, só para lembrar que o KC-390 foi concebido desde o início para ter seu comprimento, ou seja, sua cabine de carga alongada, se houver demanda, creio que isso poderá ser feito, uma espécie de “Super KC”, não podemos esquecer que a Boeing está metida nisso e pode junto com a Embraer levar adiante tal projeto, um Super KC voando com o distintivo da USAF seria dois palitos. Desconhecia esses problemas do C-1390J, isso prova a complexidade que é o projeto de um avião, e mais difícil ainda, tentar manter um projeto tão antigo em voga, creio que o limite… Read more »
Excelente matéria. Meus parabéns!
19 toneladas contra 26 não tem muito o que fazer, perdeu.
As soluções nem sempre são mágicas e abrangentes e dificilmente atende todos os requisitos exigidos em condições “CNTP.” O cobertor é curto;ou se cobre a cabeça e deixa-se os pes de fora ou vice-versa O ideal seria deixar o cobertor ba diagonal. PARABÉNS!Excelente artigo.
Daí porque sou temerário em relação a mudanças profundas em alguns projetos.
Discordo com tudo dito na matéria…
Segundo um “renomado” comentarista aqui do fórum, é muito fácil fazer um avião !!
Algo parecido a fabricar um modelo novo de um carro. Vc já fabrica um carro ? Então é mole fabricar outros tipos !!! Não existem novos desafios ao se mudar um projeto…
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Acredito mais nele… rs
É o cara da “Arfagem”???
Como projeto de eng, posso te dizer que existe uma grande diferença entre o que você pensa que está fazendo e o que você realmente4 está fazendo.
Sempre sobram “rebarbas” no projeto que são corrigidas com o tempo, e ao refazer algo sempre aparecerão novos problemas, sempre.
Aos editores: Se não me engano ocorreram alguns acidentes fatais ainda não esclarecidos com o C-130J. Seria possível mencioná-los na continuação da materia?
Pergunta ao Nunão, Galante, Bosco e quem mais puder responder, diante desse parágrafo abaixo:
“…situações que envolviam ausência de potência ou potência máxima necessitavam de soluções diferentes que não atendiam a ambos os casos. Estas soluções envolviam o uso de geradores de votex, fendas nas asas e stall strips entre outras.”
Pergunto: Quem acompanha o noticiário, dever ter visto uma queda de C-130 (J?) nos EUA, ao qual testemunhas informaram que caiu de bico. Será que foi por causa das situações descrita acima?!?