Guerra das Falklands/Malvinas: O desembarque na Baía de San Carlos e o Vale das Bombas
A CABEÇA DE PONTE E ALÉM
O Alto Comando Argentino foi pego de surpresa pelo desembarque britânico e ficou ainda mais confuso, como era a intenção, pelos ataques diversionistas não apenas em San Carlos, mas também em Fox Bay, Darwin e Stanley. As avaliações de inteligência haviam sido imprecisas e, agora, a tomada de decisões estava paralisada.
O desembarque foi detectado por uma unidade em Fanning Head. Às 08h30 do dia 21 de maio de 1982, foi enviada uma mensagem alertando sobre o desembarque em Goose Green, de onde foi enviada ao General Menendez (chefe do Comando Conjunto das Ilhas Malvinas). Como ele havia recebido poucos detalhes, Menendez pediu um voo de reconhecimento.
Um Aeromacchi (MB339) decolou em busca de navios britânicos. O piloto ficou surpreso ao encontrar doze navios na Baía de San Carlos. Ele atacou corajosamente uma fragata e, em seguida, voltou para Stanley. Menendez contatou Galtieri imediatamente. O presidente perguntou se havia ‘muitos deles’. Menendez disse para não se preocupar: ‘Isso estava dentro das nossas expectativas. Eles desembarcaram em um local indefeso. E bem… estamos fazendo o que podemos.’
A Junta em Buenos Aires se reuniu às 21h00 do dia 21 de maio. A reunião havia sido adiada até o retorno à capital de Lami Dozo, o Comandante-em-Chefe da Força Aérea, que havia testemunhado o desembarque a partir do Quartel-General da Força Aérea no sul. Ele convenceu a Junta de que qualquer força efetiva disponível deveria ser usada contra a cabeça de ponte em San Carlos para evitar sua consolidação.
No entanto, quando consultado, Menendez argumentou que este desembarque não era o ataque principal, mas sim uma ação secundária destinada a desviar a atenção das defesas argentinas.
Menendez concluiu que menos de uma brigada havia desembarcado em San Carlos, de modo que a segunda brigada (que, na verdade, ainda estava a alguns dias das Malvinas) ainda estava disponível para um desembarque em outro lugar. Ele se recusou a enviar forças da área de Stanley, que, em sua opinião, ainda era o principal objetivo inimigo. Apenas uma companhia poderia ter sido enviada, o que teria pouco impacto sobre os britânicos. A única resposta foi reforçar a guarnição de Goose Green com canhões de 105 mm, que seriam transportados de Stanley no navio Rio Iguazu.
Menendez não conseguia pensar em muito mais para fazer a fim de interromper o avanço britânico. Mais tarde, disse ao General García:
“Estudamos a possibilidade de enviar um contingente do 12º regimento para a área montanhosa, e também movemos morteiros pesados para aumentar o poder de fogo. Mais tarde, vamos tentar uma ação limitada. Temos um plano para subir as colinas, mas há o risco de que os britânicos, com seus helicópteros, nos prendam lá, como se estivéssemos em uma espécie de sanduíche.”
Suas opções não foram facilitadas por um ataque que pegou um Chinook e dois Pumas no chão em Mount Kent. Seu outro Chinook em Stanley já estava inutilizável. Os britânicos haviam feito da identificação de helicópteros argentinos uma importante tarefa de inteligência, e sua remoção era uma prioridade inicial. O transporte terrestre era extremamente difícil nas Malvinas, e os caminhões e veículos blindados que as forças argentinas trouxeram com eles eram inúteis fora da capital. Quanto mais helicópteros fossem negados às forças argentinas, mais elas ficariam presas em Stanley.
O VALE DAS BOMBAS
A confusão no comando argentino sobre a escala da operação britânica em San Carlos levou a atrasos na organização de ataques aéreos substanciais contra a cabeça de ponte. Eles só estavam prontos para começar depois do meio-dia de 21 de maio, embora houvesse uma série de incursões menores pela manhã.
Após o voo solitário do Aeromacchi (MB339), vieram dois grupos, cada um com três Daggers, voando às 9:35 e depois às 9:43 em um reconhecimento armado, um dos quais foi abatido. Uma hora depois, dois Pucaras baseados em Goose Green também fizeram um ataque. Um deles também foi abatido. Os ataques de Skyhawk começaram pontualmente às 12:00 por um grupo de dois e outro de quatro. Seis outros Skyhawks chegaram às 13:15, seguidos meia hora depois por dois grupos de quatro Daggers e quatro Skyhawks, respectivamente. O próximo ataque às 14:00 envolveu dois grupos, cada um com três Daggers e um grupo de três Skyhawks. Os ataques do dia terminaram às 14:15 com cinco Skyhawks.
A natureza esporádica desses ataques significava que as defesas britânicas nunca foram sobrecarregadas. Dos treze Daggers e dezenove Skyhawks atacando naquele dia, cinco de cada foram perdidos, principalmente para os Sea Harriers. No ar, havia pouca dúvida da supremacia dos jatos britãnicos, especialmente agora que estavam equipados com os mais modernos mísseis ar-ar Sidewinder. O Harrier perdido pela Grã-Bretanha naquele dia, junto com dois helicópteros, foi atingido por fogo terrestre.
O terreno local privou os navios de aviso enquanto as aeronaves se aproximavam, o que significava que as defesas aéreas tinham apenas alguns segundos para adquirir alvos. Da mesma forma, os pilotos que chegavam tinham apenas uma quantidade limitada de tempo para atacar os navios. Eles conseguiram penetrar as defesas, mas apenas até os sete navios de guerra na linha de frente em Falkland Sound e na entrada da ancoragem de San Carlos. Como resultado, os alvos mais lucrativos em termos do esforço de guerra geral, os navios que transportavam os suprimentos necessários para a campanha terrestre, não foram tocados.
Para proteger os transportes de ataques aéreos, as fragatas e destróieres se colocaram em uma linha para enfrentar as aeronaves que se aproximavam. O custo foi uma fragata, Ardent, afundada, e outra fragata, Argonaut, e a fragata Brilliant, gravemente danificada.
Não houve ataques na manhã seguinte (devido ao tempo encoberto), então uma oportunidade foi perdida para atacar os britânicos em seu momento mais vulnerável. O atraso foi resultado de uma discussão naquela manhã entre a Força Aérea e os aviadores navais sobre como o poder aéreo deveria ser empregado corretamente nessas circunstâncias. O argumento era uma questão familiar na história do Poder Aéreo.
A Força Aérea queria fazer um ataque decisivo por conta própria, atacando grandes alvos, como porta-aviões e navios de guerra principais, com a esperança de que o sucesso tivesse um impacto político correspondente em Londres. Os aviadores também estavam ansiosos para demonstrar que seus aviões mais antigos poderiam realizar as mesmas tarefas que os novíssimos Super Étendards da Marinha. Eles não estavam interessados em interdição com a intenção de influenciar a campanha terrestre posterior. Como resultado, e para imenso alívio britânico, os navios de suprimentos foram deixados em paz.
Quando o ataque ocorreu à tarde, os britânicos estavam melhor preparados, com armas antiaéreas já instaladas. Nos dias seguintes, San Carlos se tornou o ‘vale das bombas’ para os britânicos e o ‘vale da morte’ para os pilotos argentinos.
No domingo, 23 de maio, mais quatro helicópteros argentinos foram perdidos após encontrarem uma patrulha de Harriers. Durante a tarde, os pilotos argentinos atacaram novamente tanto a cabeça de praia quanto a força-tarefa, muitas vezes agora aproveitando a melhor inteligência, incluindo informações de unidades argentinas nas Ilhas (movimentação de navios indo e voltando de San Carlos podia ser vista de um posto de observação na ponta nordeste de West Falkland). Embora as unidades britânicas de mísseis antiaéreos Rapier já estivessem totalmente operacionais, tiveram dificuldades para travar nos aviões argentinos, que estavam momentaneamente à vista, contra o fundo das colinas.
Os navios britânicos foram salvos menos pela eficiência de suas defesas aéreas do que pela ineficácia das espoletas das bombas argentinas; cerca de metade das bombas que atingiram os navios não detonaram. Uma delas — presa na fragata Antelope — acabou explodindo quando um especialista em desativação de bombas tentou desarmá-la. Como resultado, a fragata afundou depois.
VÍDEO: A Aviação Argentina atacando os navios britânicos na Baía de San Carlos
Em 24 de maio, a posição britânica na cabeça de ponte em San Carlos estava consolidada, embora o desembarque de suprimentos e equipamentos — incluindo helicópteros vitais para o avanço — ainda não tivesse sido concluído. Um ataque de Harriers no aeroporto de Stanley não conseguiu destruir a pista de pouso. Quatro Skyhawks foram abatidos.
O dia seguinte foi o pior para as forças britânicas até então. Como era o Dia Nacional da Argentina (25 de Maio), esperava-se um grande ataque. O almirante Woodward pretendia usar o destróier Type 42 Coventry e a fragata Type 22 Broadsword para fornecer alerta de radar antecipado, enquanto os porta-aviões se moviam mais para perto para permitir que os Harriers tivessem mais surtidas.
“O destróier tinha o Sea Dart de longo alcance, enquanto a fragata tinha o radar mais poderoso e o míssil de defesa de ponto Sea Wolf.
No início da manhã, uma aeronave de reconhecimento Learjet argentina tirou uma fotografia aérea de San Carlos a alta altitude e conseguiu retornar com uma imagem detalhada das posições britânicas.
Um ataque argentino no final da manhã resultou apenas na perda de três Skyhawks. No entanto, um segundo ataque, no início da tarde, causou sérios danos. A Broadsword havia acabado de reparar uma falha em seu sistema Sea Wolf, quando seu radar detectou a aproximação de uma segunda ameaça. No momento em que estava se preparando para disparar, a proa do Coventry se moveu para a frente e, assim, os mísseis Seawolf não puderam ser lançados. O Coventry afundou após ser atingido por três bombas.
A inteligência naval argentina estava fazendo uma análise meticulosa dos contatos de radar dos Harriers para identificar a localização de suas plataformas de lançamento. Como resultado, um alvo foi localizado 100 milhas náuticas a nordeste de Stanley. Após uma jornada de quatro horas, dois Super Étendards fizeram um amplo desvio para evitar os Harriers e procurar os porta-aviões britânicos. Eles chegaram dentro do alcance sem serem detectados e cada um lançou um Exocet. Nesse ponto, os operadores da fragata Ambuscade perceberam o que estava acontecendo e dispararam um alerta; foguetes de chaff foram liberados e helicópteros Lynx decolaram na tentativa de desviar os Exocets.
Nesse esforço, eles foram bem-sucedidos, exceto que um Exocet travou novamente no navio porta-contêineres Atlantic Conveyor, que não tinha alerta nem defesas. Logo estava em chamas e teve que ser abandonado com a perda de uma carga excepcionalmente valiosa. Afundou com seis helicópteros Wessex, um Lynx e três Chinooks (o quarto estava em uma missão quando o navio foi atingido e, assim, foi poupado), tendas para 5.000 homens e o material para construir uma pista de pouso móvel para os Harriers, bem como uma estação de destilação de água. Essas perdas exigiram grandes modificações nos planos. Isso proporcionou um exemplo dramático do que poderia ter acontecido se tivesse havido uma campanha argentina deliberada contra o esforço logístico britânico.
FONTE: Freedman, Lawrence e Gamba-Stonehouse, Virginia – SIGNALS OF WAR, The Falklands Conflict of 1982 – 1991
SAIBA MAIS:
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Poder Aéreo x Poder Naval: lições do Conflito das Falklands/Malvinas
Lembro de assistir nos noticiários noturnos da época esses vídeos, como o mostrado na matéria. Eu tinha 12 anos naquela época, mas lembro muito bem. Foi um inverno bem rigoroso naquele ano, com muito frio e dias nublados e eu lembro de pensar o que os soldados estavam passando lá. Para mim, as Malvinas/Falklands eram relativamente perto aqui de SM. Lembro de movimentações mais intensas na BASM, com a presença de Mirage III e F-5. Foi o mais perto de uma guerra que eu estive.
Temos a mesma idade.
Também recordo do noticiário da guerra e dos outonos e invernos rigorosos até 1990, mais ou Menos. Depois começou a virar este verão de 12 meses.
Era difícil até dormir. A cama não esquentava.
Coitados daqueles recrutas.
Sim! Bem isso! Tínhamos várias e várias geadas em cada inverno. Hoje, temos meia dúzia por inverno e olhe lá.
O frio enfrentado pelos soldados naqueles dias deve ter sido algo absurdo.
Lembro de ler as reportagens sobre a guerra na revista “Visão” e depois no Livro do Ano da Barsa… as páginas desbotaram de tanto manusear.
Tenho dois anos a menos que você, mas meu pai me incentivava a ler assuntos sobre guerra naval.
Eu morava em Porto Alegre e, do meu ponto de vista, dava para “ver” os navios passando em direção às Falklands, da nossa casa de praia em Tramandaí.
Lembro de encher o saco dele para me levar nos finais de semana para a praia, na esperança de ver algum navio.
Também tô nessa. Lembro dos gráficos toscos da imprensa brasileira mostrando como seria o ataque.
E morrendo de medo da guerra chegar até nós,aqui no Paraná.
Os argentinos não tinham nenhum sistema de artilharia capaz de atingir os porra aviões e navios de desembarque britânicos?
Pelo visto também nenhum MANPad ou sistema anti aéreo capaz de proteger Port Stanley..
Os porta aviões estavam a mais de 100 milhas das ilhas. Que sistema?
Entendi. Se existisse o sistema Astros eles teriam alguma chance.
Não….não teria….
Os foguetes Astros são até hoje burros não guiados…e a 100 milhas, impossivel atingir mesmo com os foguetes maiores de 130 km….
Entendam que o Astros quando anunciado como bateria de defesa costeira, refere-se a ser usado como artilharia contra cabeças de praia que o inimigo tenta tomar ou seja…disparar contra a praia e navios que estão lá aportados tentando descarregar os equipamentos…ok?
A coisa so vai mudar de figura quando efetivamente estiver operando e disparando o Missil Matador….até lá…é isto ai.,,,
Uma coisa que não se pode negar, foi a coragem dos submarinistas e aviadores argentinos. Dos poucos livros que li sobre o assunto, o melhor é o Gesta e Incompetencia.
Vale a pena dar uma lida.
Estou aguardando o “A Carrier at Risk” baixar um pouco de preço. Quase R$ 300 no livro tá osso.
É um bom livro sobre sobre a atuação da Marinha Argentina e dos submarinos britânicos. Os livros argentinos dão uma visão melhor sobre esse caso específico da Baía de São Carlos. Tenho alguns livros argentinos (inclusive da FAA) sobre o tema.
Eu tenho um chamado “Así Peleamos” que ganhei, mas achei ele meio chato e nunca consegui passar da metade. Haha. E está na minha fila “O Código das Profundezas” sobre submarinistas argentinos.
Dessa coleção do “A Carrier at Risk” tem o “Handbreak” e o dos “Skyhawks” tb.
São mais baratos, mas me interessa mais o do Carrier.
Definitivamente estou com minha leitura mega atrasada.
Acrescenta aí um livro do Max Hastings sobre o assunto.
The Battle for the Falklands,
Muito bom.
https://encrypted-tbn1.gstatic.com/images?q=tbn:ANd9GcT7yiuk-Vw6CbKnvqnNB8tu_wPxXeT7tm7zxI6uAza5vdSz03zM
Concordo. Comprei o meu num sebo a uns 20 anos atrás. Continha anotações e recortes de jornal. Provavelmente pertenceu à algum oficial da MB.
Paguei em torno de 10 reais.
Acho que foi uns 2 anos atrás,foi lançada uma nova edição. Max Hastings é um historiador de mão cheia.
Muita coragem ,perícia e audácia dos aviadores argentinos,se tivessem aviões,armas e comandantes melhores, a Inglaterra voltaria para casa de mãos vazias.
Ou atacariam Buenos Aires com armas nucleares e venceriam a guerra na marra, pelo poder nuclear. Eu, tivesse autoridade, não hesitaria em sumir do mapa com Buenos Aires e outras cidades costeiras com armas nucleares estratégicas para não sair derrotado.
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Thatcher, salvo engano, tinha planos para fazê-lo caso a guerra desandasse para o lado britânico. E com total razão.
historia…fosse assm, teriam utilizado armas nucleares em todas as ex colonias e guerras de independencia pós colonial…..
Simplesmente a guerra nuclear não cabia naquele conflito….tal como os EUA nas Coreias e Vietnã….
Se m dia ou no dia que alguem voltar a usar….todo mundo irá fabricar a sua….este é o paradigma….
Westmoreland pensou na possibilidade de usar armas nucleares táticas na defesa de Khe Shan em 1968. Segundo sua maneira de conduzir a defesa do importante outpost dos Marines,a base deveria ser mantida à qualquer custo.
Que bobagem…
“Isso proporcionou um exemplo dramático do que poderia ter acontecido se tivesse havido uma campanha argentina deliberada contra o esforço logístico britânico”
Essa lição foi aplicada no recente conflito Rússia-Ucrânia.
Quando os russos formaram aquele grande comboio para tomada de Kiev, na primeira semana da guerra, o exército ucraniano priorizou utilizar a sua menor capacidade ofensiva, que na época era formada por drones Bayraktar e mísseis antitanques de infantaria, na destruição dos caminhões de suprimentos russos.
O resultado foi que muitos blindados russos ficaram parados sem combustível.
Isso mostra que não basta ter aeronaves prontas para o combate se não existir meios de reconhecimento,inteligência e comando&controle adequados e em quantidade muitas oportunidades de alvos e aviões podem ser perdidos desnecessariamente em combate.
Em um dia de combate os ingleses abateram mais do que o dobro dos Skyhawks hoje operacionais na MB.
Skyhawks? Marinha Brasileira??
Isso existe???
Bela matéria. Parece que foi ontem.
Magnífico! Por pouco, muito pouco, a Royal Navy não se entregou. Até carta de rendição estava escrita já, e enviada ã Inglaterra para aprovação… Mas a Argentina conseguiu fazer besteira…
Nunca ouvi falar sobre essa carta britânica. Tem a fonte?
Et à votre avis qui a aidé les britanniques ( très discretement) à brouiller les exocets…….