Financiamento do Gripen: após quase 9 anos de carência, hoje só faltam 9 meses para começar a pagar

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O Poder Aéreo localizou documento assinado em 25 de agosto de 2015 – veja agora, juntamente com outros documentos acessados para este artigo, tudo que você queria saber sobre o contrato financeiro do Gripen, mas tinha medo de descobrir em mais um ano de crise fiscal

Por Fernando “Nunão” De Martini

Dia 15 de abril de 2025: esta é a data marcada para o chamado primeiro repagamento de uma dívida que, no próximo mês de agosto, completará 9 anos desde que foi contraída. Isso significa que hoje, 15 de julho de 2024, faltam apenas 9 meses para a chamada “First Repayment Date”, ou “Data do Primeiro Repagamento” do contrato financeiro para aquisição dos 36 caças Gripen da Força Aérea Brasileira (FAB), celebrado entre a República Federativa do Brasil (como tomadora do empréstimo) e o AB Svensk Exportkredit (como credor).

É o que se pode ler na página 6 da versão de execução do contrato, escrita em inglês, em sua seção 1 de definições e interpretação, que funciona como um glossário para o documento: “First Repayment Date” means 15 April 2025. Em português, “Data do Primeiro Repagamento” significa 15 de abril de 2025:

Após um bom tempo de procura, o arquivo pdf do contrato original, com mais de 70 páginas, foi localizado no site Tesouro Transparente, do Governo Federal. Mais especificamente, o documento está na seção de Dados Abertos e, entre todas as subseções disponíveis, na de Contratos Dívida (clique nos links para acessar). Entre os contratos que compartilham a seção com o do F-X2 (leia-se Gripen), estão outros importantes programas de Defesa como o de aeronaves P-3 da FAB e do Prosub (Programa de Submarinos) da Marinha do Brasil (MB), mas aqui o nosso foco é o contrato financeiro dos novos caças F-39 Gripen da Força Aérea Brasileira

Vale acrescentar que, diferentemente dos financiamentos do P-3 e do Prosub, o contrato financeiro para o programa F-X2 / Gripen não recebeu aditivos. Pelo menos não localizamos qualquer aditivo publicado no Tesouro Transparente ou mencionado nos relatórios anuais de gestão da FAB (os quais trazem os resumos de diversos aditivos assinados para os contratos de despesa, que regem as execuções financeiras e físicas do programa). Assim, entendemos que o contrato financeiro está valendo tal qual foi assinado, em 25 de agosto de 2015.

O contrato é chamado de “Dual Currency Term Loan Facility Agreement”, ou seja, um acordo de empréstimo de duas moedas, pois envolve um valor em coroas suecas e em dólares. Para cobrir todas as despesas relacionadas ao contrato dos caças Gripen, foi contraída junto ao AB Svensk Exportkredit, banco público sueco que financia exportações, uma dívida de quase 40 bilhões de coroas suecas (precisamente SEK 39.882.335.471,65). Esse montante custeia as principais obrigações do programa, como as aeronaves em si, desenvolvimento conjunto, apoio logístico, transferência de tecnologia etc.

Na outra moeda, o dólar, foram emprestados USD 245.325.000 (duzentos e quarenta e cinco milhões, trezentos e vinte e cinco mil dólares), neste caso para custear encomendas específicas de armamentos. Para os que pretenderem esmiuçar o contrato, já vale dizer que o montante em dólares é chamado de “Tranche A”, enquanto o empréstimo em coroas suecas é denominado “Tranche B”. Não se preocupe: daqui a pouco vamos converter tudo isso em reais para facilitar as contas.

Os valores totais e estas definições estão nas páginas 3, 5, 12 e 26 do contrato (imagens abaixo), que também tratam das taxas de juros para cada “Tranche”. As páginas 3, 5 e 12 ainda são da seção de definições e interpretação.

Os juros mais baixos são de 2,19% ao ano para o valor em coroas suecas (Tranche B) e os mais altos são de 3,56% para o chamado Tranche A, em dólares. A estes juros se somam a comissão da agência governamental sueca EKN, a “Exportkreditnämden”, instituição garantidora de 100% do contrato. Essa comissão, ou “fee”, é de 0,85% ao ano e funciona como um “seguro” para o montante emprestado.

Traduzindo para reais e acrescentando mais algumas definições, como “repagamento”

Ao câmbio de hoje, 15 de julho de 2024, o  valor em coroas suecas equivale a quase 20 bilhões e 570 milhões de reais (ou cerca de 3 bilhões e 770 milhões de dólares) e o valor em dólar equivale a pouco mais de 1 bilhão e 338 milhões de reais. Ou seja, daqui a 9 meses, o Brasil terá que iniciar o “repagamento” de uma dívida total de quase 22 bilhões de reais (21,908 bilhões, mais precisamente).

Mas o que é “repagamento”? Trata-se da devolução para o banco do valor que foi emprestado, já que num contrato de empréstimos deste tipo a palavra “pagamento” define as retiradas, ou seja, o uso / desembolso dos valores emprestados. No caso do contrato de financiamento do Gripen, o repagamento começará em 15 de abril de 2025 e deverá se estender por praticamente 15 anos. Serão 30 parcelas semestrais, com vencimentos nos dias 15 de abril e 15 de outubro de cada ano, entre 2025 e 2039.

Cada parcela terá seu valor em reais calculado na época de seu “repagamento”, mas raciocinando com o câmbio de hoje podemos fazer uma projeção: 22 bilhões de reais (nosso arredondamento para mais) divididos por 30 parcelas semestrais resultam em 733 milhões de reais por parcela. Resumo da ópera: a partir do orçamento 2025, o Brasil terá que prever o valor de 1,466 bilhão de reais anuais para “repagar” o empréstimo ao banco sueco, ao longo de 15 anos.

E o que foi efetivamente utilizado / desembolsado do empréstimo, ou “pago” até hoje para a execução do programa com os recursos do financiamento? Temos os dados até o final de 2023, conforme a seção chamada “Relatório dos Principais Projetos da FAB” do Relatório de Gestão 2023 da Força Aérea Brasileira.

O Relatório dos Principais Projetos da FAB com os dados consolidados de 2023 foi publicado em 19 de abril de 2024. Já no mês seguinte, os dados informados foram objeto de extensa matéria do Poder Aéreo (clique aqui para acessar). Vale a pena rever, mais abaixo, um trecho reproduzido desse relatório, onde é informada a utilização ano a ano dos recursos, desde 2015. Vemos que até 2023 foram desembolsados cerca de 23,4 bilhões de coroas suecas e 99,9 milhões de dólares, que equivalem, respectivamente, a aproximadamente 60% e 40% de cada “Tranche”. O mesmo relatório informa que o avanço físico (no caso, sem distinção entre os “Tranches”) esperado para até o fim deste ano (2024) é de 56,6%, quando se planeja que o cronograma financeiro chegue a 66,7% de execução.

Na captura de tela abaixo, da página 48 do relatório, podem ser vistos os valores desembolsados e a informação de que, até o momento, só foi feito o repagamento (coluna “Repagamento da Dívida Externa”) dos já mencionados juros anuais de 2,19% ao ano para o montante em coroas suecas e de 3,56% para o valor em dólares, além das comissões anuais (“fee” de 0,85%) da instituição garantidora. A coluna “Amortização” está vazia, pois como vimos mais acima nos trechos selecionados do contrato financeiro, o primeiro repagamento da parte principal da dívida será daqui a 9 meses, em 15 de abril de 2025.

O dinheiro está disponível no banco sueco, mas por que o programa parece estar “emperrado”?

Nos últimos 9 anos, o desembolso anual do empréstimo variou bastante, mas podemos fazer uma média anual. Convertendo em reais, os valores desembolsados em coroas suecas (SEK 23,4 bilhões) equivalem a R$ 12,06 bi. Já a parte em dólares, de USD 99,9 milhões, alcança cerca de R$ 545 milhões. Somados, os desembolsos nas duas moedas equivalem a aproximadamente 12,6 bilhões de reais. Dividindo por 9 anos, chegamos a uma média anual de 1,4 bilhão de reais em desembolsos. Juros e comissões em coroas e dólares responderam por 2,6 bilhões de reais ao longo desses 9 anos, numa média anual de 288 milhões.

Nas tabelas acima (em coroas e dólares), percebe-se que houve anos de desembolsos maiores, como 2016 e 2017, mas que a partir de 2020 os valores de utilização anual do empréstimo vêm se mantendo baixos.

No próprio Relatório de Gestão é informado o montante previsto em 2023: pouco menos de 1,4 bilhão de reais, dentro da média que calculamos. Porém, manter a média de execução do programa não basta para o momento atual. Após cumprir as fases de desenvolvimento conjunto, implantação de infraestrutura, transferência de tecnologia e início da produção não só na Suécia mas também no Brasil, as aeronaves passaram a chegar ao país e as entregas deveriam crescer para atender às necessidades de reequipamento da FAB. É hora de colher os frutos e, nesse ritmo, a colheita anual tende a ser menor que a demanda dos esquadrões de caça, hoje equipados com jatos F-5M e A-1M que precisam dar baixa.

O primeiro exemplar de testes do Gripen, da encomenda brasileira, foi recebido na Suécia em 2019. A aeronave iniciou naquele país a  sua participação na campanha de testes, a qual continuou no Brasil a partir de 2020. Outros sete aviões foram enviados ao Brasil, a partir de 2022, e entraram em operação na primeira unidade de caça a ser equipada com o F-39 Gripen, o Esquadrão Jaguar (1º GDA, baseado em Anápolis / GO). Ainda faltam nada menos que 28 aviões para entregar (sendo que o primeiro avião de testes ainda não é propriedade da FAB, e só deverá ser transferido a um esquadrão ao final das entregas) e a última chegada de um Gripen ao Brasil já completou mais de 6 meses.

Em outras palavras, num momento em que os desembolsos precisam ser ampliados para “pagar” uma quantidade crescente de aviões que sairão das linhas de montagem na Suécia e no Brasil, a realidade dos últimos anos tem sido de déficits nos cronogramas financeiros do programa. Isso  resulta em atrasos. Por exemplo, a quarta aeronave prevista para 2023 não foi entregue até hoje. O cronograma mais recente, divulgado em 2023, menciona esse déficit, estimado em 500 milhões de reais somente para o ano passado:

O problema é que o país precisa obedecer a limites orçamentários, que também incluem o uso de recursos com origem em empréstimo externo, em cada Lei Orçamentária Anual (LOA). E nestes quase 9 anos de carência para o pagamento do principal da dívida, desde a assinatura do contrato financeiro em 2015, o Brasil passou por períodos de grave recessão e crescimento baixo. Só em 2015-16, acumulou 8% de queda do PIB. Em seguida, tanto o país quanto o mundo vivenciaram outras crises que impactam orçamentos, preços, cadeias de fornecedores e a economia como um todo, como a Pandemia de Covid 19 e as guerras na Ucrânia e na Faixa de Gaza.

Todas essas crises resultaram em restrições orçamentárias por um lado e pressões por gastos emergenciais por outro (além de atrasos de ordem técnica / produtiva devido à escassez global de componentes aeronáuticos e eletrônicos), em meio a controles como tetos de gastos, arcabouço fiscal e outros nomes. Sem falar na desvalorização acumulada do real frente a outras moedas.

A questão é complexa, mas continuaremos tentando explicar do modo mais simples possível. Para isso, contamos com contribuições de leitores que, desde a publicação de matérias sobre a assinatura do contrato financeiro em 2015 e até antes disso, quando em 2014 houve a  primeira autorização de gasto no Projeto de Lei Orçamentária 2015, compartilharam seus conhecimentos sobre execução financeira no Orçamento Público.

A cada valor efetivamente liquidado para execução do programa (após ter sido autorizado para gasto na LOA, e depois empenhado pela FAB) a União efetivamente assume o mesmo valor como dívida ao banco credor. Esse montante passa a ampliar o total da dívida externa brasileira. Tudo isso impacta nas contas do governo e no resultado primário da União, pois os pagamentos de despesas, mesmo quando provém de financiamento externo, necessitam de previsão orçamentária, pois o objeto contratual (execução física) será recebido e a despesa será realizada num determinado exercício.

Em suma: embora a fonte do recurso seja um empréstimo externo, a utilização dos recursos sofre restrições de empenho tal qual outros gastos da União. Assim, nas discussões de todos os anos sobre o orçamento do exercício seguinte, frequentemente há pressões para reduzir esse montante e também, ao longo do ano fiscal, há mais pressões para executar um valor inferior ao estabelecido na Lei Orçamentária Anual (com bloqueios e contingenciamentos) para assim reduzir o déficit primário.

Voltemos a 2015, quando os termos para assinatura do contrato foram divulgados como positivos para a União, como se lê em matéria publicada na época:

“As taxas de juros negociadas pelo Ministério da Defesa e que integram o contrato financeiro são de 2,19%, permitindo ao governo brasileiro uma economia de até R$ 600 milhões. Com os percentuais definidos, e a aprovação do acordo pelo Senado Federal brasileiro, o Ministério da Fazenda autorizou a operação de crédito externo no valor de até 245,3 milhões de dólares e 39,882 bilhões de coroas suecas. O crédito cobrirá 100% do contrato comercial, sem a necessidade do pagamento de sinal”.

Também foi enfatizado pelo então ministro da Defesa, Jaques Wagner, que “o pagamento efetivo do financiamento só ocorrerá após o recebimento da última aeronave previsto para 2024.” Este era o planejamento inicial, já que o primeiro pagamento estava previsto, de fato, para 2025, como vimos mais acima nos trechos do contrato de financiamento disponível no site Tesouro Transparente. Assim, era previsto um gerenciamento bastante satisfatório para essa dívida, com todos os desembolsos (exceto o repagamento de juros e comissões) ocorrendo ao longo de quase 10 anos de carência, e o início dos repagamentos do principal da dívida seria em “suaves” parcelas semestrais por 15 anos, iniciando meses depois da última aeronave ser entregue.

O problema é que, em meio a todas as crises aqui mencionadas, o cronograma original de entregas precisou ser modificado. Isso foi divulgado já em 2019, conforme revisões de entregas e gráficos de execução orçamentária apresentados pela FAB na época e reproduzidos no Poder Aéreo. Confira abaixo:

Nesta primeira grande revisão do cronograma de execução física e financeira, percebe-se que a entrega de aeronaves se concentrava em 4 anos, entre 2021 e 2024, sendo que no primeiro ano já estariam no Brasil cerca de 1/3 dos 36 caças. Dois anos foram acrescentados ao cronograma nessa mudança negociada em 2019, espalhando as entregas,  aproximando-se de uma média de 6 exemplares por ano.

No gráfico logo acima, também divulgado na mesma época, vemos o motivo dessa mudança: a partir de 2017 houve uma brusca separação das linhas que representam os desembolsos previstos no contrato de despesas original e o que era autorizado em cada Lei Orçamentária Anual (LOA). Foi preciso renegociar cronogramas físicos e financeiros para que a utilização do empréstimo fosse mantida na faixa inferior a 1,5 bilhão de reais por ano até 2020, sendo que originariamente os desembolsos já deveriam se aproximar ou ultrapassar 2 bilhões desde 2018. Somente a partir de 2021 o uso do empréstimo atingiria a faixa necessária de 2,5 bilhões anuais, decrescendo após 2023.

O problema: já no Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2020, nem mesmo a faixa de 1,5 bi por ano seria atingida, pois só haveria disponibilidade para menos de 650 milhões de reais. Tudo isso precisou ser negociado com o Legislativo e o Executivo, praticamente ano a ano, para a manutenção dos desembolsos anuais, ao menos, na faixa entre 1 bilhão e 1,5 bilhão de reais. Em alguns anos, o câmbio ajudou a compensar a diferença, fazendo esses reais renderem um pouco mais do que o previsto em dólares e coroas suecas. Mas na maioria dos outros anos isso não ocorreu.

No Relatório de Gestão de 2023, publicado no último mês de abril, vemos que diversos aditivos precisaram ser assinados para adaptar os cronogramas físicos e financeiros às restrições orçamentárias que limitavam os desembolsos do empréstimo feito em 2015. Esse tema já foi objeto de matéria publicada em maio, como mencionado, mas vale a pena rever os resumos dos conteúdos dos aditivos, os quais apresentam as justificativas, conforme as tabelas abaixo.

De acordo com os aditivos, ao final de 2016 já se mencionava a necessidade de “adequar as entregas do contrato aos recursos orçamentários disponíveis no exercício de 2016 e aos totais para os exercícios subsequentes“. Após alguns anos de aditivos relacionados a itens técnicos, ao final de 2019 era mencionada uma modificação devido a câmbio favorável, situação que durou pouco: no fim de 2020, já se mencionava câmbio desfavorável e “insuficiência de recursos previstos na LOA” (o que se repetiria nos anos seguintes), além de “problemas causados pela pandemia do Covid-19”.

E assim chegamos à situação atual, mostrada no cronograma mais recente (2023) que já apresentamos, e repetimos acima para facilitar o entendimento – aproveitamos para mostrar uma versão com alguns destaques coloridos acrescentados pelo Poder Aéreo, mostrando em azul os exemplares com produção a cargo da linha de montagem brasileira e a possível entrega em definitivo, para a FAB, do avião de testes que voa desde 2019 (em verde).

Na comparação com o cronograma divulgado em 2019, podemos perceber que as últimas entregas de aeronaves se estenderam para 2027, concentrando maior parte delas nos últimos dois anos, o que deixa dúvidas sobre a capacidade financeira para atingir esse desempenho (já perguntamos a representantes da Saab e da Embraer se esse cronograma seria factível tecnicamente, e a resposta está em matéria especial que você pode acessar aqui).

Financeiramente, isso só será possível com a previsão de execução orçamentária superior à atual, que está em torno de 1,5 bilhão de reais. Serão necessários 2,5 bilhões anuais ou mais. Como sabemos disso? É apenas um palpite? Não, isso faz parte do planejamento da Força Aérea.

A Diretriz de Planejamento Institucional 2024

Na área de Transparência e Prestação de Contas da FAB, onde também podem ser acessados os relatórios de gestão entre outros documentos, localizamos a Diretriz de Planejamento Institucional 2024, aprovada em 23 de novembro do ano passado. Nela estão as projeções de recursos (a princípio sob o guarda-chuva do Programa de Aceleração do Crescimento – PAC) para três programas entre os mais importantes da FAB: F-X2 (Gripen), KC-390 e Conversão de Aeronaves A330-200 em aviões reabastecedores. Foquemos no F-X2 / Gripen e nos valores que constam da página 38 do documento:.

Já neste ano de 2024, o valor necessário seria de quase 2,7 bilhões de reais, praticamente o dobro do 1,4 bilhão projetado / reservado no orçamento. Para 2025 e 2026, as necessidades ficariam na mesma faixa de 2,7 bilhões de reais, crescendo para nada menos que 3,2 bi em 2027. Fica claro que esta projeção de recursos dialoga com o cronograma de entregas de caças que acabamos de rever, esticado para 2027, onde os dois anos finais respondem por mais da metade das aeronaves – leia-se, mais recursos necessários.

O documento, já em seu prefácio, destaca “as contingências impostas pelo Governo Federal por necessidades de ajustes no orçamento”, impondo a necessidade de “planejar cenários onde restrições, cortes e contingenciamentos façam parte da vida cotidiana da Organização“. As páginas 10 e 11 (reproduções dos trechos originais do documento a seguir), descrevem um cenário externo de conflitos com impactos para o Brasil nas áreas econômica e militar, e um cenário interno onde a prioridade de gastos está na área social, com possível redução no orçamento de Defesa – e nem a aprovação do “Regime Fiscal Sustentável” em substituição ao “teto de gastos” deverá resultar em aumento de gastos militares.

Ao mesmo tempo, a Diretriz reforça a importância da introdução do caça F-39 Gripen na FAB como um todo.

A ótima solução financeira de 2015 transformou-se num problema para 2025?

E falando em cenários, este é o que está desenhado para o ano que vem, sem falar da diferença, já em 2024, entre o que seria necessário desembolsar e o que será disponibilizado, do empréstimo externo, para o programa do Gripen: além da necessidade de utilizar 2,68 bilhões de reais do empréstimo em 2025 para atender aos cronogramas físico e financeiro, será necessário “repagar” ao banco sueco as duas primeiras de 30 parcelas semestrais do financiamento, somando 1,46 bilhão no ano.

Em nosso entendimento, o impacto do programa em cada orçamento, que tem ficado abaixo de 1,5 bilhão de reais apenas na autorização de acréscimo de dívida externa, passará a representar um problema potencialmente maior a resolver contabilmente, na casa de 4 bilhões anuais de despesas (a maior parte de execução de um empréstimo, outra de pagamento das primeiras parcelas do mesmo) a inserir nas contas públicas. Deixo claro que não estamos aqui simplesmente somando o valor de quase 2,7 bilhões (de uso do empréstimo) com o do primeiro repagamento de de 1,46 bilhão 2025, pois trata-se de uma questão contábil mais complexa que isso. Apenas procuramos mostrar o tamanho do problema: cerca de 4 bilhões a incluir, de uma forma ou de outra, no orçamento do ano que vem para o programa F-X2 / Gripen.

Eventualmente, poderão surgir soluções contábeis e de alocação de recursos que contemplem tanto o uso do empréstimo, que por si já representa em 2025 um aumento de dívida superior ao atualmente autorizado nos últimos anos, e o repagamento de parte dessa dívida, o qual pode representar uma amortização desse total devido. De qualquer forma, recursos para cobrir o repagamento previsto que se iniciará no próximo ano terão que sair de algum lugar, ou do tesouro ou de uma nova dívida, soluções que, provavelmente, só saberemos em 2025.

Vale ainda acrescentar que a dinâmica dos repagamentos semestrais está prevista na seção 4 do contrato de financiamento, na página 21 do documento, sendo as mesmas regras para o montante em coroas suecas (Tranche B) e em dólares (Tranche A): o total da dívida deve ser, no momento de repagar cada parcela, dividido pelo número de parcelas restantes.

Conclusão (do artigo, mas ainda não do programa)

O contrato com o AB Svensk Exportkredit foi negociado, entre a escolha do Saab Gripen ao final de 2013 e a assinatura do contrato financeiro em agosto de 2015, para facilitar ao máximo a aquisição dos caças pelo Brasil: foram estabelecidos quase 10 anos de carência para o início do repagamento da dívida, período no qual o cronograma físico e financeiro seria executado até a entrega de todas as 36 aeronaves.

Algumas questões técnicas (tanto as que se pode esperar num programa de desenvolvimento conjunto, quanto as inesperadas como os impactos da Pandemia de Covid-19 e guerras nas cadeias de fornecimento) e, principalmente, limitações financeiras para utilizar anualmente os próprios recursos bilionários do empréstimo nos montantes necessários, atrasaram a execução do cronograma físico e financeiro.

Assim, o período de carência não foi plenamente aproveitado, com restrições das contas públicas esticando a execução do programa. E o que seria facilidade poderá se transformar em dificuldades extras, num cenário que acrescenta obrigações orçamentárias para os próximos anos em meio a uma crise fiscal (que se arrasta há anos e contribuiu para esticar esses cronogramas): além da FAB precisar utilizar cerca de 1/3 do valor emprestado pelo banco sueco em apenas três anos para receber todos os seus caças até 2027 (após levar 9 anos para conseguir executar 2/3 do montante, devido aos limites orçamentários), o Brasil terá que iniciar o repagamento da dívida.

Tudo indica que não serão anos fáceis para o programa e que, provavelmente, o cronograma de entregas das aeronaves precisará ser novamente esticado para adequar as execuções físicas e financeiras ao orçamento disponível, levando os últimos recebimentos de caças para o final da década.

E se o país encontrar dificuldades para conciliar, nas contas públicas, a ampliação do impacto da aquisição dos caças pela confluência desses fatores, é provável que não sobrará espaço orçamentário para novas aquisições, seja por um aditivo ao contrato atual, seja por novos contratos. Ou até mesmo uma compra aviões de caças usados, possibilidade que já criticamos aqui e para a qual sugerimos alternativas.

Os próximos 9 meses, tempo de uma gestação, serão fundamentais para a FAB, Governo e Congresso chegarem a uma solução orçamentária. O que esperar enquanto estivermos esperando pelo futuro da nossa Aviação de Caça?

 

Agradeço ao amigo André Luiz Godoy Ponce, também doutor em história econômica, pela leitura do artigo antes de sua publicação e por indicar algumas sugestões, as quais procurei incorporar ao texto. Eventuais erros interpretativos restantes sobre esse tema complexo da execução orçamentária cabem apenas a mim. 

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