por Guilherme Poggio

O ano de 2003 foi um ano para a FAB – Força Aérea Brasileira – esquecer. Além da suspensão do Programa F-X (que previa a aquisição de um novo caça para o Brasil), houve a explosão do terceiro protótipo do VLS-1 e o programa de modernização dos F-5 apresentava problemas sérios de integração.

Naquela época o 1º GDA (Grupo de Defesa Aérea), unidade responsável pela defesa aérea do Planalto Central, era equipado com os obsoletos Mirage IIIEBR. A programação da FAB previa a aposentadoria dos mesmos no ano de 2005. E assim se sucedeu. Ao final daquele ano os últimos F-103 (como o Mirage III era oficialmente designado na FAB) se despediram do serviço ativo.

Antes mesmo que os Mirage III fossem aposentados, o governo na ocasião já tinha um “plano B” para evitar o “apagão” na defesa aérea do Planalto Central. O plano também tinha como propósito dar fôlego até que um novo programa de aquisição de caças fosse redigido.

Concretizado durante a viagem da comitiva do presidente Lula para acompanhar as comemorações da Queda da Bastilha em Paris, o então ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, assinou um acordo em 15 de julho de 2005 para a aquisição de 12 caças Mirage 2000 usados. As aeronaves foram adquiridas por 60 milhões de euros, e outros 20 milhões foram gastos para a compra de peças de reposição, ferramental, documentação, capacitação de pilotos e mecânicos e deslocamento dos aviões da França para o Brasil. No pacote constavam 10 caças monopostos do modelo C e 2 bipostos do modelo B. Posteriormente, foi adquirido um pacote de armas exclusivo para os Mirages que incluía uma quantidade ínfima de mísseis obsoletos (dez Matra Super 530D e 22 Matra Magic 2). Apenas o custo do armamento ficou em 6,8 milhões de euros.

Os “novos” Mirage 2000 foram retirados aos poucos do esquadrão de conversão operacional EC 2/5 “Ile de France” da Força Aérea Francesa e dos estoques da França, para serem submetidos a uma revisão geral e padronização, antes de seguirem para o Brasil.
Os dois primeiros Mirage 2000 da FAB (um biposto e um monoposto) pousaram na Base Aérea de Anápolis no dia 4 de setembro de 2006. Três dias depois eles sobrevoaram a Esplanada dos Ministérios, em comemoração ao Dia da Independência. No desfile militar, o primeiro voo aconteceu em conjunto com quatro caças da Força Aérea Francesa.

Ainda naquele ano a FAB recebeu mais dois caças Mirage 2000, seguidos por lotes anuais de quatro aeronaves, sendo quatro durante 2007 e mais quatro em 2008. No dia 27 de agosto de 2008, quase dois anos após a chegada dos primeiros exemplares, a FAB recebeu os seus dois últimos F-2000, como ficou designado pela FAB o Mirage 2000.

dia da aviacao de caca 2013 - Mirage 2000 decolando- foto 3 poggio

Pelo histórico mostrado acima, observa-se que entre o momento da assinatura do acordo até a entrega de todas as aeronaves passaram-se pouco mais de três anos. Tomando-se como base este mesmo cronograma para uma eventual aquisição de F-16 usados e partindo-se do princípio de que o eventual acordo seja assinado no final deste ano, os caças só seriam totalmente entregues no começo do ano de 2028. Um cálculo bastante conservador, levando-se em consideração que a FAB ventilou a possibilidade de adquirir 24 F-16 (o dobro do número de Mirages).

Ora, o cronograma mais recente de incorporações do Gripen E pela FAB (imagem abaixo – leia o texto original aqui) mostra que todas as 36 aeronaves inicialmente contratadas serão entregues até 2027. Sendo assim, o atual é de decisão para o que virá depois disso, pois a partir do momento em que se faz uma encomenda a produção do caça novo leva cerca de três anos para ficar pronto. Se a FAB firmar um acordo ainda no final deste ano para novos Gripens, oa caças deste segundo lote (ou extensão do primeiro) só serão recebidos por volta de 2028. Conclui-se portanto que o recebimento de mais caças, sejam usados (no caso o F-16) ou novos, não ocorrerá antes de 2028.

CUSTOS

Voltando ao Mirage 2000, convertendo o montante desembolsado inicialmente (sem o pacote de armas) para a aquisição dos mesmos em dólares, teríamos o equivalente a 96,33 milhões. Considerando a inflação norte-americana (CPI) no período, hoje esse valor seria equivalente a 154,83 milhões de dólares. Curiosamente, o montante é muito parecido com o valor unitário recentemente acordado entre a Dinamarca e a Argentina pela aquisição de 24 caças F-16 usados. No pacote aprovado pelo governo argentino, cada F-16 sairá por 12,54 milhões de dólares e o Brasil pagou 12,86 milhões para cada F-2000, segundo valores atualizados.

O que ainda não sabemos (e os argentinos tão pouco) são os valores dos contratos para manter a frota em atividade, pois não foram firmados novos acordos ainda neste segmento. Mais uma vez recorreremos ao histórico do Mirage 2000 adquirido como caça tampão pela FAB.

Para manter a frota de 12 F-2000 em atividade foram contratados junto aos diferentes fornecedores e prestadores de serviço a assistência técnico-logística e os serviços de manutenção e reparo nível parque. As empresas francesas Dassault (célula e sistemas gerais da aeronave), SNECMA (motores) e Thales (radar e outros sistemas) foram agraciadas com contratos da ordem de 46,7 milhões de euros ao longo do ano de 2008 (contratos mais antigos em março de 2008 e os mais recentes em novembro do mesmo ano). E para esticar a vida operacional dos F-2000 por mais um ano a FAB adquiriu um pacote de peças de manutenção no valor de quatro milhões de euros junto ao Ministério da Defesa francês (contrato governo a governo) em setembro de 2012.

Em resumo, o Brasil gastou pelo menos (não foram computados gastos não recorrentes) 50,7 milhões de euros para manter os F-2000 entre meados de 2008 até dezembro de 2013. Utilizando o mesmo processo de conversão de moedas empregado anteriormente, 50,7 milhões de euros em 2008 seriam equivalentes a 114,95 milhões de dólares em valores atuais. A conta pode ser colocada dessa maneira: foram desembolsados 9,58 milhões de dólares por aeronave ao longo de quatro anos e meio.

O QUE OS NÚMEROS MOSTRAM?

Várias informações podem ser extraídas dos valores apresentados acima, mas aquela que mais chama a atenção é o alto custo de manutenção frente ao valor de aquisição. Gastou-se 154,3 milhões de dólares para adquirir os F-2000 e depois foram gastos mais 114,95 milhões (considerando sempre valores corrigidos e convertidos) apenas para fornecer a manutenção necessária aos caças durante o período em que estiveram em atividade. Ou seja, gastou-se algo próximo de 75% do valor de aquisição para manter os aviões por míseros 4,5 anos.

E caça velho precisa de mais manutenção (leia-se mais gastos e menor disponibilidade). A FAB deixou de voar o F2000 não porque ele era uma aeronave ruim (veja ao redor do mundo quantas forças aéreas ainda empregam o Mirage 2000), mas porque ele absorvia uma quantia significativa em manutenção e necessitava de uma bela modernização (o motor tinha menos potência, os caças não eram capazes de lançar mísseis MICA e possuíam uma versão bem antiquada do radar, entre outros fatores). Se a FAB quisesse manter o F2000 o céu era o limite para os gastos. Apenas a revisão geral de um único motor dele na França não sairia por menos de um milhão de dólares e os motores dos nossos Mirages já estavam precisando de uma.

Os números só mostram aquilo que qualquer projetista de caça atual já sabe e foi muito bem demonstrado ainda na década de 1950 pelo engenheiro norte-americano Tom Jones. Jones trabalhou na Northrop e definiu o “custo de ciclo de vida” de uma aeronave, destacando três pontos principais: pesquisa e desenvolvimento, aquisição inicial e manutenção/operação. Destes, o mais significativo é o último. Não é de surpreender que Jones foi uma das pessoas responsáveis pelo desenvolvimento do F-5, um dos caças mais baratos de se manter.

A aquisição de um caça usado no curto prazo pode até dar a impressão de que o montante a ser gasto é pequeno e o recebimento será para breve. Porém, no médio/longo prazo os valores serão bastante altos ou forçará o lançamento de um novo programa de aquisição de caças. A história do Mirage 2000 no Brasil é um ótimo exemplo.

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