Por Sérgio Santana*

Conceitualmente, um dispositivo IRST (do inglês Infra Red Search and Track, busca e rastreio por infravermelho) é integrado por um rastreador conectado a um computador por controles eletrônicos. O rastreador é coberto por uma transparência sensível à radiação infravermelha – mais conhecida como IR – sendo composto por um espelho móvel, que capta a radiação infravermelha e a transfere para um módulo que contenha alguma substância capaz de detectar a energia infravermelha emitida pelo alvo, sendo protegida por filtros que bloqueiam radiação indesejável, além de ser também geralmente refrigerada, evitando que aquecimento demasiado faça o equipamento detectar outras fontes de calor.

O sinal obtido é então convertido eletronicamente pelo computador, que calculará a distância e a direção do objeto emissor utilizando um algoritmo (este representando as fases necessárias à execução de uma função específica, nesse caso utilizando princípios da Física) ou um medidor de distância laser, embora a energia desse possa ser detectada, comprometendo a passividade. O trunfo do IRST frente ao radar é justamente o fato de não precisar emitir energia para detectar o alvo ao se aproveitar do calor gerado pela presença deste.

Princípios Funcionais

Todos os dispositivos militares baseados na emissão de calor possuem como princípio a descoberta no ano 1800 da radiação infravermelha, quando o físico William Herschel fez atravessar a luz solar por um prisma de vidro, resultando no arco-íris, de cujas cores ele efetuou medição de temperatura, verificando aquecimento crescente conforme se aproximava a cor vermelha, a última do espectro. Contudo, Herschel notou que havia temperatura ainda mais elevada em uma zona após o vermelho, invisível ao olho humano, designando tal região de “infravermelha” pela frequência das suas ondas ser inferior às do próprio vermelho.

Em 1879, Josef Stefan comprovou através de experimentos que todos os corpos cuja temperatura esteja acima de 273 graus centígrados negativos emitem tal radiação, que está, conforme o comprimento das suas ondas (medido em “mícron”, a milésima parte de um milímetro) dividida em três porções: próxima, entre 0.7 e 5 mícron; média, entre 5 e 30 mícron; e distantes, entre 30 e 1000 mícron. Dessas zonas, contudo, somente aquelas cobrindo 3-5 mícron – com temperatura ao redor de 450°C – e 8-12 mícron, aquecida a cerca de 17°C são utilizadas em detectores de calor, por serem totalmente imunes à ação da atmosfera.

Todavia, apenas determinados elementos químicos podem detectar radiação infravermelha, com W. Smith tendo descoberto em 1873 que materiais à base de selênio eram capazes de conduzir luz. Já no século seguinte, em 1917, Theodore W. Case encontrou propriedades semelhantes nos sulfetos de bismuto e tálio e na liga de chumbo-antimônio, e embora as suas pesquisas tenham sido apoiadas pelo Exército norte-americano, para construir um dispositivo sinalizador infravermelho, foram encerradas um ano depois.

Origens do Sensor Infravermelho Aerotransportado

A ideia de detectar aeronaves através do calor emanado delas foi inicialmente proposta pelo lorde britânico Cherwell em 1916, ainda durante a Primeira Guerra Mundial. Dez anos depois o Almirantado inglês persistiu em tal assunto, novamente resultando em fracasso.

A década seguinte presenciou um novo impulso na investigação acerca de detectores de radiação infravermelha, quando em 1932 o acadêmico alemão Edgar N. Kutzscher iniciou a pesquisa do sulfeto de chumbo como elemento químico capaz de detectar radiação infravermelha, enquanto que em janeiro de 1935 o Ministério do Ar britânico instituiu o Comitê para Pesquisa Científica de Defesa Aérea, com o físico R. V. Jones se dedicando a desenvolver um dispositivo aerotransportado composto por pilhas térmicas e destinado a detectar aeronaves monomotoras a no máximo uma milha náutica (1.852m), a fim de preencher o espaço entre o máximo alcance da visão humana e o mínimo alcance do radar, que também estava sendo desenvolvido pelo mesmo Comitê. Entretanto, quando instalado em aviões e na presença de nuvens seu alcance de detecção era pouco superior a 900 metros, além de que, ao contrário do radar, o dispositivo não media distâncias, o que determinou o cancelamento da iniciativa em março de 1938.

Na Alemanha, contudo, durante aquele mesmo período, o grupo de cientistas liderado por Werner Weihe continuou a avançar nas pesquisas de Kutzscher, com a empresa de material óptico Zeiss desenvolvendo uma transparência penetrável pela radiação infravermelha, à base de brometo de tálio e iodeto de tálio, codificada como KRS5.

AEG “Spanner”

Considerando o elevado e diversificado nível de progresso cientifico-militar germânico durante a Segunda Grande Guerra, não surpreende que justamente por lá tenham surgido os primeiros detectores infravermelhos aerotransportados, na figura do AEG “Spanner” modelos I a IV, com o Spanner I integrado por um farol de busca infravermelho (do mesmo modo que o dispositivo ZG 1229 “Vampir”, empregado em vários modelos de blindados além de no fuzil de assalto StG 44) e utilizado experimentalmente nos caças noturnos Dornier Do-17/217 e Messerschmitt Me-110E/F a partir de 1941 e a seguir aperfeiçoado como Spanner II, capaz de detectar passivamente a radiação infravermelha emitida pela aeronave inimiga, sendo instalado na maioria dos Junkers Ju-88G-6 da unidade de caça noturna NJG-4.

ZG 1229 “Vampir”

Adicionalmente, o contínuo avanço nas pesquisas alemãs conduziu ao surgimento do FuG-280 “Kiel-Z”, integrado por fotocélulas de sulfeto de chumbo refrigeradas por dióxido de carbono e que captavam emissões infravermelhas através de um espelho oscilante de 25cm, o sinal sendo amplificado e exibido em uma tela de raios catódicos com 4.8 centímetros de diâmetro.

De acordo com o livro “Nacht Jagd War Diaries” (Diários de Guerra da Caça Noturna, publicado pela editora Red Kite em 2008) este dispositivo foi testado durante março de 1945 por um trio de Ju-88G-6 de registros 3C+AB, 3C+BB e 3C+CB, baseados em Vechta e orgânicos da mencionada NJG-4, que atuaram tanto como alvos quanto interceptadores.

Sensor infravermelho FuG-280

Os resultados da avaliação demonstraram que o tripulante operando o Kiel-Z devia estar atento a movimentos do alvo, que devia ser mantido na porção superior do monitor, enquanto ambas as aeronaves se aproximavam, com a distância e a posição ideal sendo inicialmente de 1.000 metros e abaixo do contato, respectivamente, o céu contrastando com a radiação infravermelha emitida pelos motores, que poderiam denunciar a presença de um bombardeiro distante cerca de cinco quilômetros. O encerramento do conflito no teatro de operações europeu, dois meses depois, impediu que o Kiel-Z fosse empregado em combate.

Evolução e Parâmetros operacionais do IRST.

A derrota alemã na Segunda Guerra Mundial acelerou o progresso técnico-militar das potências Aliadas também no campo do infravermelho, já que estas findaram por se apropriar das descobertas germânicas obtidas na área. Apesar de analisarem a aplicação da radiação IR desde 1940 (mas apenas com vistas a utilizá-la em um sinalizador para quando blecautes inviabilizassem a comunicação por rádios), foi somente a partir de 1944 que os Estados Unidos iniciaram pesquisas para o uso militar da radiação infravermelha, resultando, por exemplo, apenas em projetos de aparelhos de pontaria para armas leves e em bombas guiadas por aquele tipo de radiação.

No ano seguinte, contudo, o governo estadunidense encampou a já mencionada AEG – situada na zona de ocupação norte-americana – e a filial ocidental da Carl Zeiss AG, além ter oferecido emprego para Edgar Kutzscher na companhia Lockheed.

F-101 Voodoo com o sensor IRST AN/AAS-15 sobre o nariz

Os resultados práticos de tais esforços surgiram a partir da década seguinte, com o IRST AN/AAS-15 equipando caças terrestres F-101 “Voodoo” e F-102 “Delta Dagger” (que utilizou aquele dispositivo para o disparo de mísseis infravermelhos AIM-4C/D “Falcon” contra fogueiras ao redor das quais estavam guerrilheiros vietnamitas, quando integrando o 64º Esquadrão de Caças Interceptadores enviado para o Sudeste Asiático em 1966) e além do F-8 “Crusader”, embarcado em porta-aviões.

O AN/AAS-4 equipou a aeronave naval F-4 “Phantom” e foi exportado para a Suécia, estando a bordo do Saab J-35 “Adam”, operacional em 1960. O auge da tecnologia norte-americana em tais dispositivos foi alcançado em 1992, quando o AN/AAS-42 entrou em serviço com os F-14D “Tomcat”, sendo capaz de detectar emissões IR a mais de 180 km. Os F-14D foram retirados do serviço ativo em 2006.

AN/AAS-42 sob o nariz do F-14D

Por outro lado, ainda que em 1934 seus cientistas tenham concluído que um detector infravermelho aerotransportado demandaria tecnologia então inexistente, apesar de a construção do determinador aéreo de direção infravermelha “Omega” ter começado oito anos depois – dos quais 1.969 foram construídos até 1945 – e de igualmente haver se apossado das invenções alemãs, ao capturar centenas de equipamentos, analisados pelo Instituto de Pesquisa 801, criado para investigar o uso militar da radiação IR, a então União Soviética obteve um IRST capaz de boa performance somente após a tradução para o russo, em 1972, da obra “Infrared Systems Engineering” (Engenharia de Sistemas Infravermelhos, escrita três anos antes pelo físico norte-americano  Richard D. Hudson que, enfatizando os avanços alemães descrevia o emprego de tais dispositivos entre 1914 e 1969).

MiG-23P com IRST sob o nariz

Dois anos após aquela tradução, surgia o TP-23 “Spektr”, equipando o interceptador MiG-23M “Flogger-B”, que podia detectar um bombardeiro médio Tu-16 “Badger” a 30km. Pouco depois, o “Spektr” evoluiu para o modelo TP-26 – a bordo do MiG-23MLA/MLD “Flogger G/K”, capaz de descobrir o calor emanado por um bombardeiro a até 85km, alcance esse sucessivamente diminuído na geração seguinte de IRST’s russos, representada pelo TP-26Sh-1(com alcance até 45km, a bordo do MiG-25PD/PDS “Foxbat E”) e 8TP – que tem equipado o MiG-31 “Foxhound” desde 1981 e possui alcance de 40km, sendo o sensor primário utilizado nas missões contra o seu principal alvo, a aeronave de reconhecimento SR-71 “Blackbird”, embora o grande volume de calor gerado pelo SR-71 triplicasse tal número, facilitando a interceptação desta plataforma norte-americana e sendo uma das razões para a sua retirada de serviço, em 1990.

Detectores aerotransportados de calor oriundos daquela nação eslava também estão presentes na América do Sul: o KOLS equipa os MiG-29 “Fulcrum” da Força Aérea do Peru, possuindo o alcance de 15km e sendo capaz de guiar disparos de canhão e mísseis mais precisamente que o próprio radar da aeronave. Por sua vez, os Su-30MK2V “Flanker-G” pela Aviação Militar Bolivariana, possuem o dispositivo OLS-30, com alcance máximo de 90 km, permitindo o rastreio de alvos além do alcance visual.

Su-30MK2V da Venezuela com sensor OLS-30 logo à frente do canopy

No tocante ao seu desempenho e contrariamente ao entendimento comum, a saída de um propulsor a jato não representa a única fonte do calor a ser detectado por um IRST. O volume de radiação IR deixado pela trajetória de uma aeronave de asa fixa – denominado sua “assinatura” infravermelha – é a soma das emissões de calor assim geradas: pelas partes de temperatura mais elevada (seções quentes do motor e o seu bocal de exaustão, cujo calor aumenta consideravelmente com a utilização de pós-combustores, comuns em aviões de caça e ataque); pelo nível de fumaça; a quantidade de aquecimento resultante do atrito da aeronave com o ar (seguida do consequente vapor, especialmente oriunda da seção frontal da mesma e de suas asas) e pelas radiações do céu, do sol e mesmo da superfície terrestre refletidas na aeronave.

Um Su-34 visto por um sensor IR. As partes mais quentes são as mais claras

Já nos helicópteros, além dos dutos exaustores do motor, as principais fontes de calor são as demais partes quentes do mesmo – como as palhetas das turbinas – a cauda, aquecida pelos gases oriundos do propulsor e, por fim, a própria fumaça. Dentre os tipos de propulsor, os turbojatos geram mais calor, seguidos dos turboventiladores (ou “turbofans”, cuja economia de combustível quase generalizou o seu uso na Aviação Militar) e dos turboélices.

Simulação feita por cientistas chineses da assinatura infravermelha  de um caça stealth F-22. A imagem acima mostra a distribuição da temperatura pela fuselagem. As imagens abaixo mostram o avião em voo, com as partes mais quentes em cinza mais claro

Outros fatores determinam a detecção de uma aeronave através do IRST, a exemplo da posição deste em relação ao seu “alvo” (quando “visto” frontalmente e pelas laterais, os níveis de fumaça e de temperatura emanados pela estrutura contribuem sobremaneira para “denunciar” a sua presença, ao passo que, quando detectados por trás, a maior fonte de radiação IR tornam-se as partes quentes do motor) e da altitude e condições meteorológicas em que este se encontra: à baixa altura e na presença de nuvens, quando existem altas concentrações de vapor d’água e gás carbônico, a transmissão de radiação IR é muito afetada, o contrário do que ocorre a grandes altitudes, acima dos 10.000 metros.

Contudo, existem determinadas condições de altitude e velocidade que resultam em zonas nas quais há pouca probabilidade de o montante de calor gerado por uma aeronave denunciar sua presença.

Ficha técnica do sensor OLS-35 do caça Sukhoi Su-35

Um estudo do Departamento de Engenharia Aeroespacial do Instituto Indiano de Tecnologia, publicado em 2007, afirmava que para um propulsor turbofan em potência militar seca – situação em que um crescente número de aeronaves de caça alcança velocidade supersônica sem utilizar pós-combustores, capacidade denominada super cruzeiro – tais zonas situam-se entre 1.800 metros e 2.400 metros de altitude (com a aeronave voando a até Mach 1.4, equivalente a 1.713 km/h) e entre 4.500 e 4.700 metros, aqui com o vetor atingindo velocidade pouco superior a 1.836 km/h, equivalente a cerca de Mach 1.5.

A tais variáveis juntam-se as contramedidas infravermelhas, classificadas em passivas (a exemplo do “mascaramento” das seções quentes dos motores, mistura dos gases de exaustão com o ar frio, alteração da temperatura da fuselagem através de resfriamento e diminuição da capacidade refletiva da aeronave) e ativas (labaredas pirotécnicas, interferidores e iscas infravermelhas liberados pelo alvo para “confundir” o detector).

Testes com o IRST da Saab

Saab JA37 Viggen com o IR-OTIS na parte dianteira do canopy

A Saab realizou testes de voo com um demonstrador IRST para verificar o modelo de alcance. A Saab realizou mais de 50 ensaios de voo durante 1998-1999, onde foram testadas diferentes funcionalidades do IRST.

A Saab Bofors Dynamics desenvolveu um demonstrador IRST chamado IR-OTIS (Optical Tracking and Identification System). Ele operava em modo de busca, modo FLIR ou modo de rastreamento com uma taxa de quadros de 25 Hz. O sistema tinha um sensor LWIR de varredura com um detector de elemento 288 × 4 e três campos de visão diferentes: Estreito (NFOV), médio (MFOV) e largo (WFOV). A banda de comprimento de onda era de 7,7 10,3 µm.

Durante 1998 e 1999, quando os testes de voo foram realizados, o sensor foi continuamente aprimorado. Melhorias foram feitas tanto em sensibilidade quanto em processamento de sinal.

Durante cada execução experimental, várias funções do sistema IRST foram testadas. Entre outras coisas, medições de alcance, focagem e rastreamento de alvo sob diferentes condições foram realizados. Os alvos eram aviões de caça Saab JA37 Viggen. O alcance foi medido em relação aos alvos que se aproximavam e se afastavam, um ou dois de cada vez. A posição e a velocidade dos alvos e do portador do sensor foram registradas por meio de GPS, como mostra a imagem abaixo. A linha azul representa o curso do alvo e a linha vermelha representa o curso do IRST.

A tabela abaixo mostra as altitudes do portador do IRST e os alvos. Os gráficos em seguida mostram as distâncias nas quais os alvos foram detectados.

 

No Brasil

Saab F-39E Gripen

Com o Saab JAS-39E/F Gripen tendo entrado em serviço no Primeiro Grupo de Defesa Aérea (1° GDA) em dezembro de 2022, a Força Aérea Brasileira passará a dispor de um IRST, o Skyward-G, fabricado pela empresa italiana Leonardo.

Trata-se de um dispositivo que atua nas faixas de ondas médias e longas do espectro infravermelho, com ângulo de varredura de +/-85º em azimute e +/-60º em elevação, possuindo os modos de busca e rastreio (contra alvos aéreos); busca-enquanto-escaneia e rastreia-enquanto-escaneia (contra alvos terrestres e marítimos únicos e múltiplos); aquisição de setor (rastreio de alvos únicos e múltiplos, reconhecimento automático de alvos); imageamento (imageamento associado a outro sensor ou aeronave, assistência de mapeamento no solo, radiofarol e gravação); navegação (auxílio de voo e de pouso); e, finalmente, posicionamento móvel da imagem infravermelha no capacete do piloto.

Outras funções incluem medição passiva de distância e capacidade opcional de gravação de dados. Ainda que os seus alcances não tenham sido divulgados, dados oficialmente publicados afirmam que o Skyward-G é capaz de detectar simultaneamente até 200 alvos.

Uma vez declarado plenamente operacional, o Skyward-G representará um grande salto operacional para a Força Aérea Brasileira.

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Skyward-G


*Bacharel em Ciências Aeronáuticas (Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL), pós-graduado em Engenharia de Manutenção Aeronáutica (Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC/MG). Colaborador de Conteúdo da Shephard Media. Colaborador das publicações Air Forces Monthly, Combat Aircraft e Aviation News. Autor e co-autor de livros sobre aeronaves de Vigilância/Reconhecimento/Inteligência, navios militares, helicópteros de combate e operações aéreas

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