ENTREVISTA: Chefe do Estado-Maior da Aeronautica Militare aborda o treinamento de pilotos de caça na Itália e a experiência operacional com o F-35

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Por Alexandre Galante

No mês passado, um prestigiado grupo de jornalistas brasileiros especializados em Defesa participou de uma Press Tour na Itália a convite da Leonardo, a fim de conhecer as capacidades da indústria de Defesa italiana. Na ocasião, tivemos a oportunidade de fazer algumas perguntas ao General Luca Goretti, Chefe do Estado-Maior da Aeronautica Militare, sobre o processo de formação de pilotos militares na Itália e sua experiência com o caça F-35 de quinta geração.

O Generale di Squadra Aerea Luca Goretti, nasceu em Roma em 15/05/1962. Frequentou os cursos regulares da Academia Aeronáutica, como membro do curso “ZODIACO 3°”, de 1980 a 1984. No final da carreira acadêmica licenciou-se em Ciências Aeronáuticas na Universidade de Nápoles (1984) e em Ciências Políticas na ‘Universidade de Trieste (2005).

Em 1985 obteve a licença de piloto militar no Euro Nato Joint Jet Pilot Training (ENJJPT) na Sheppard AFB no Texas (EUA) em uma aeronave T-38. Ao final do curso pré-operacional realizado na aeronave G-91T na base de Amendola, ele foi direcionado para a linha Tornado.

Em 1986, após a conversão para a nova aeronave na base de Cottesmore (Reino Unido), foi designado para o Grupo 156 da 36ª Ala de Gioia del Colle (BA), como piloto do 383º Esquadrão.

Como comandante do 383º Esquadrão do 156º Grupo, participou na fase inicial das Operações no Golfo Pérsico, primeiro como Chefe da Secção de Operações e Comandante do 156º Grupo depois, entre os anos de 1995 e 1998, participou activamente nas as operações aéreas relacionadas com a crise dos Balcãs, na Albânia e na Bósnia, no âmbito das Operações da OTAN na “Antiga Iugoslávia”.

Carreira

Instrutor de voo em aeronaves Tornado, participou dos principais exercícios de referência nacionais e internacionais como NATO Tactical Evaluations, Red Flag, Maple Flag, Goose Bay, TLP.

Frequentou respectivamente os 54º e 66º Cursos Normal e Superior da Escola de Guerra Aérea de Florença e o 4º Curso ISSMI do Centro de Estudos Avançados de Defesa de Roma. Em 1998 foi designado para a Inspecção de Segurança de Voo para exercer os cargos de Chefe da 1ª Seção do 1º Gabinete de “Prevenção” e Chefe da 1ª Seção do 2º Gabinete de “Investigação”.

Durante a operação aérea “ALLIED FORCE” da OTAN no Kosovo foi enviado, como representante militar italiano, para o Media Operation Center da Sede da OTAN em Bruxelas, no âmbito das relações entre operações aéreas e informação pública e relações com órgãos de imprensa.

Promovido a Coronel, assumiu o cargo de Subchefe do 1º Gabinete da Inspecção de Segurança de Voo, enquanto de 1 de Agosto a 3 de Outubro de 2000 assumiu o Comando do 2º Departamento Operacional Autônomo instalado no aeroporto de Pristina Slatina no Kosovo e ao mesmo tempo assumiu o papel de Chefe do Movimento Aéreo OTAN/KFOR com base nos acordos OTAN-Rússia de Helsínquia de 1999. De regresso a Itália ocupou os cargos de Chefe do 1º Gabinete da Inspeção do Movimento Aéreo até junho de 2003, Segurança de Voo e Diretor da Revista SV.

Atribuições desde 2003

O General Luca Goretti liderando a formatura nas comemorações dos 40 anos do Tornado, em 8/9/22

Atribuído em junho de 2003 ao 32º Stormo como Oficial Superior à disposição do Comandante do Stormo, assumiu o comando da 32ª Ala em 17 de julho de 2003, cargo que ocupou até 8 de setembro de 2005. Em 2005 foi transferido para o General da Força Aérea Quadro 3º Departamento para assumir o cargo de Chefe do 1º Gabinete “Transformação e Planeamento Geral” onde participa activamente no processo de revisão estrutural das Forças Armadas e do novo modelo de defesa.

Em 4 de Fevereiro de 2008 foi transferido para o Estado-Maior da Defesa para assumir o cargo de Subchefe do Gabinete Geral de Planeamento, Programação e Orçamento da Defesa.

Em 10 de fevereiro de 2010 assumiu o cargo de Subchefe de Gabinete do Ministro da Defesa, cargo que exerceu até 23 de agosto de 2015. De agosto de 2015 a setembro de 2018, o Gen. S.A. Goretti ocupou o cargo de Adido de Defesa e Cooperação em Defesa na Embaixada da Itália em Washington, D.C. (EUA.).

Generale di Squadra Aerea Luca Goretti

No mesmo período representou a Itália como Observador Permanente no “Conselho Interamericano” com sede em Washington D.C. (EUA). Desde setembro de 2018 ocupa o cargo de Presidente da Comissão Ordinária de Avanço de Oficiais.

De 20 de fevereiro de 2019 a 30 de outubro de 2021, ocupou o cargo de Subchefe do Estado-Maior da Força Aérea e, entre outros: Chefe de Delegação do Steering Committee da NATO MRCA Management Organisation (NAMMO), Chefe de Delegação do Steering Committee da NATO EUROFIGHTER Management Organization (NEFMO), Chefe de Delegação no NATO Air and Missile Defense Committee (AMDC), Representante Italiano no EUROFIGHTER Core Program Steering Committee dentro do MoU “Kuwait EF TYPHOON Programme”.

Por Decreto do Presidente da República por deliberação do Conselho de Ministros, a 31 de outubro de 2021 assumiu o cargo de Chefe do Estado-Maior da Aeronáutica. Ele tem cerca de 3.000 horas de voo em seu currículo, das quais mais de 2.000 na aeronave Tornado e é certificado nas seguintes aeronaves: SF-260, T37, T38, G91T, PA200, AMX-T, AMX, NH500, HH139.

Entrevista

PODER AÉREO – Quais são as fases de treinamento dos pilotos da linha de caça da Força Aérea Italiana?

Desde 2013, a Força Aérea utiliza a “Diretiva ItAF Pilot Training System 2020”, que permite o uso de uma nova abordagem de treinamento baseada na modularidade.

De acordo com a diretriz, o treinamento do piloto, desde a triagem inicial até o treinamento avançado em jato, é baseado nas seguintes fases:

1. Fase 1 – Treinamento Inicial de Piloto: O objetivo é selecionar alunos pilotos (SP) expondo-os ao manuseio básico e acrobacias em uma aeronave movida a hélice. Ao final desta fase, os SPs italianos passarão a integrar as turmas ordinárias da Academia Aeronáutica.

2. Fase 2 – Treinamento de Piloto Primário: O objetivo é ensinar aos SPs as habilidades básicas de voo que lhes permitam adquirir proficiência de pilotagem suficiente. A Fase 2, dentro do programa de Licença de Piloto Militar (MPL), define a fase didática comum, para todos os alunos aprovados na fase inicial de seleção (Fase 1).

Ao final desta fase será aplicada a chamada TRACK SELECTION.

Com efeito, com base no desempenho, aptidão e motivação demonstrados ao longo do percurso formativo, os SPs irão continuar a sua formação de forma a adquirirem as competências específicas exigidas para as diferentes carreiras que tenham sido selecionadas para Jato, Helicóptero ou Apoio (Transportes ou UAVs). A análise de todos os dados coletados desde 2013 permite ao Comando de Treinamento comparar o desempenho dos alunos e decidir de forma objetiva o melhor caminho para todos os alunos avaliados.

3. Fase 3 – Treinamento de Piloto Especializado: O objetivo é ensinar habilidades de voo específicas aos SPs com base na categoria de aeronave que eles irão voar (Jato, Helicóptero ou Apoio). Existem 4 percursos de formação diferentes com um programa específico. Ao final de cada faixa, os SPs receberão o MPL.

4. Fase 4 – Lead In to Fighter Training: O objetivo é preparar adequadamente o jovem piloto de caça para lidar com os mais recentes caças de 4ª e 5ª geração, em ambiente operacional. Isso foi possível por meio do uso extensivo de treinamento sintético e tecnologia incomparável “Ao vivo, virtual e construtivo (LVC)”. A partir de 2021, a  International Flight Training School (IFTS) está oferecendo cursos de Fase 4.

FASE I

T-260
  • BPA – Aeronave T-260 – aproximadamente 16h de voo; TOTAL: 2,5 meses.

FASE II:

T-339A
  • Duração cerca de 7 meses LECCE e SHEPPARD (EUA), 10 a 11 meses em KALAMATA (Grécia);
  • Velocidade LECCE MPL – Aeronave T-339A, 75 voos, 37 voos em simuladores. Horas de voo aproximadas; 90h (75 surtidas 88h25′) Simulador (46h, cerca de 37 surtidas).

FASE III:

T-339CD da AMI – Foto: Andrew P Clarke
  • Duração cerca de 8 meses em LECCE, para Caça;
  • Aproximadamente 80 voos e 30 em simuladores (depende da origem FASE II, se Italiano ou Estrangeiro);
  • LECCE (FT) – Aeronave T-339C, cerca de 90h de voo (78 saídas 90h 30′ ITA; 83 saídas 96h 25′ processo escolar estrangeiro) cerca de 40h em simulação (30 surtidas 40h ITA, 32 surtidas; 42h40 em escolas estrangeiras).

FASE IV:

Dois T-346 (M-346) da Aeronautica Militare em treinamento
  • Em DECIMOMANNU – Aeronave T-346 – Curso Completo Duração cerca de 9 Meses (LIFT – Lead-in fighter Training): Diferentes Opções/Módulos para um máximo de 90 horas de voo.

PODER AÉREO – Qual a importância do M-346 nesta preparação?

A aeronave M-346 é a aeronave de treinamento mais avançada disponível no mercado atualmente, a única projetada especificamente para treinar pilotos para aeronaves militares de alta performance de nova geração.

Está em serviço desde 2013 com a Força Aérea e com a Força Aérea da República de Singapura, que o adotou junto com a Itália e Israel, e a Polônia

O M-346 possui características técnicas inovadoras em todos os aspectos do projeto, agregando a experiência inigualável da Leonardo no campo de sistemas de treinamento para criar uma aeronave altamente avançada, exuberante em desempenho, com equipamentos de última geração.

O grande envelope de voo, a alta relação empuxo/peso e a extrema manobrabilidade tornam o M-346 capaz de oferecer condições de voo semelhantes às dos aviões de combate de última geração. Isso maximiza a eficácia do treinamento e reduz a necessidade de realizar missões nas variantes de dois lugares das aeronaves operacionais muito mais caras e complexas.

Simulador do M-346

A Embedded Tactical Training Simulation (ETTS) permite ao M-346 emular sensores, contramedidas e armamentos, mas também interagir em tempo real com um cenário tático virtual, com a vantagem de maior flexibilidade e menores custos.

Graças ao sistema de apresentação de dados no Helmet Mounted Display, comandos de voz, sonda de reabastecimento em voo e capacidade de transportar até 3.000 quilos de cargas externas, o M-346 também é capaz de realizar um treinamento tático completo. A possibilidade de montar sistemas de guerra eletrônica e troca de dados, montar kits de redução de assinatura de radar ou instalar um radar multimodo, torna-o utilizável com excelentes níveis de sobrevivência e eficácia mesmo em operações reais.

Com o M-346, a Leonardo oferece um sistema de treinamento integrado, já escolhido pela Força Aérea Italiana, que inclui um completo Ground Based Training System (GBTS), com parte teórica, simuladores, sistema de apoio à missão e sistema computadorizado de gerenciamento de treinamento. Um Suporte Logístico Integrado (ILS) dedicado também foi desenvolvido para garantir alta disponibilidade de aeronaves e a capacidade de gerar missões.

PODER AÉREO – Qual foi a experiência da AMI na utilização do F-35?

F-35A da AMI no TLP (Tactical Leadership Programme), em Amendola, 2018. Ao fundo, um Tornado da Luftwaffe – Foto: AMI

A aeronave F-35 é até o momento o único ativo que garante à Defesa Italiana as capacidades necessárias para lidar com vários cenários complexos de cenários Anti-Acesso/Negação de Área (A2/AD), instáveis ​​e imprevisíveis, bem como em um ambiente operacional Denied, Degraded, Intermittent, Low bandwidth (D-DIL). A Força Aérea pode orgulhar-se de uma experiência reconhecida e consolidada no uso da 5ª geração em operações conjuntas multidomínio modernas, certificando de fato a Aeronautica Militare como líder europeu e ponto de referência sólido entre os usuários do F-35 do mundo.

Em dezembro de 2016, a Aeronautica Militare foi a primeira força aérea a ativar uma base operacional de F-35 fora das fronteiras dos EUA, na 32ª Ala de Amendola, iniciando o processo de integração da aeronave nas Forças Armadas, tornando-nos efetivamente pioneiros na Europa em operações de voo com aeronaves de 5ª geração.

Em menos de um ano e meio, desde que o primeiro F-35 pousou em Amendola, em março de 2018 os F-35 garantiram a Vigilância do Espaço Aéreo Nacional em Alerta de Reação Rápida. Em outubro de 2018, primeiro evento europeu em que o F-35 se integrou a ativos de 4ª geração de outras nações, enquanto em novembro de 2018, com a Capacidade Operacional Inicial (IOC), a Itália foi o primeiro país europeu a atingir esse objetivo.

Caças F-35A e F-35B italianos voam juntos em “Beast Mode”

Em 2019, ao implantar 6 aeronaves F-35A na Islândia, a Aeronautica Militare se torna a primeira Força Armada da história a empregar um ativo de 5ª geração nas operações de Policiamento Aéreo da OTAN. Depois, em 2020, ainda na Islândia e em plena pandemia de COVID, “demonstramos a eficácia do F-35 integrado na Aliança Atlântica ao concluir a primeira interceptação de uma aeronave russa com um F-35”.

A Aeronautica Militare tem garantido constantemente o apoio à OTAN no âmbito do Policiamento Aéreo com F-35, regressando à Islândia em 2021 e redistribuindo-se, novamente em 2021, na delicada zona dos países bálticos, na Estônia, onde se concretizaram várias intercepções de aeronaves russas, confirmando a eficácia operacional do sistema de armas e as capacidades das Forças Armadas no uso de aeronaves de 5ª geração.

Estes marcos foram alcançados através do essencial processo de integração do F-35 nas Forças Armadas, nada simples face à evolução tecnológica e de mentalidade que a 5ª geração trouxe para a Aeronáutica. Em 2016, o F-35 LotA insere-se num contexto aeronáutico que teve de se adaptar para tirar o máximo partido das capacidades de 5ª geração, aliás instrumental para um aumento das capacidades operacionais da 4ª geração existente e ativos anteriores (por isso – denominado legado). “Somente combinando recursos e explorando sabiamente as capacidades únicas dos ativos de 4ª e 5ª geração é possível reduzir os riscos e aumentar a eficácia operacional.”

Dois F-35A da Aeronautica Militare na missão de policiamento aéreo da OTAN, em 2021
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