Por Marco Aurelio Rocha “Rocky” — Maj Av Res Piloto de Caça, Turma de 1976

Os dois dias no USS NIMITZ foram intensamente consumidos no estudo do manual NATOPS F-14A, horas de nacele e treinador-simulador. Sempre acompanhado por um dos pilotos de um dos esquadrões (VF-41 ou 84), mais constantemente pelo CC Kinzer, veterano com mais de 2.000h em F-14A, tendo sido IN na escola de TOMCAT, em Oceana NAS.

Durante as refeições, o pessoal, principalmente o CAG Capt Fred Lewis, sempre falava dos procedimentos e aqui e ali me faziam perguntas sobre procedimentos e detalhes mais importantes e críticos, com lembretes e alertas bem pertinentes, com muita ênfase nas emergências. Nada de “pegadinhas”.

O período foi estendido em um dia, com o posicionamento do USS NIMITZ mais próximo da área para o combate dissimilar, a Sul de São Pedro da Aldeia, e não a Leste da Bacia de Campos, onde seria necessário REVO para os F-5E.

Da mesma forma que com o INTRUDER A-6, na noite anterior ao voo fui para o “treinador” e fizemos um extenso repasse e cheque de procedimentos e fui dado como pronto; UFA!
Afinal, afinal, afinal, o grande dia chegou… Eu iria voar o “Big Cat”.

Logo no início da manhã acompanhei, do Centro de Operações COC do navio, o lançamento e execução das primeiras missões, visualizando os engajamentos, chegadas e saídas dos F-5E e também dos F-14A, visando alguns “acertos de última hora”; tudo conforme planejado.

Pelo HAWKEYE E-2C, já tínhamos contacto radar com os F-5E ao saírem de SC, ainda cruzando a Marambaia, que denominei de “Sand Strip”, pois o nome real era bem difícil para os americanos pronunciarem.

Para treinamento dos F-14A, as soluções de tiro, com os mísseis PHOENIX eram previstas ser obtidas a 75 NM e com SPARROW a 15 NM, em média.

Chegada a minha vez… Briefing do nosso elemento; Capt Fred Lewis e eu como Líder e o XO (Imediato) do VF-84 com o RIO (Radar Intercept Officer) mais sênior como Ala.

Detalhamos bem os procedimentos, pois eu era o “novato” ali, tendo o briefing a duração de cerca de 01:45h.

Passagem no Equipamento de Voo para nos equiparmos, volta à Sala de Briefing para update das info de WX. Antes da saída o famoso “Hi Jack” 1.

Passagem também na Sala da Manutenção (Casa de Pista) para cheque das condições das aeronaves. Voaríamos o 201, o avião do CAG!

Saída para o CONVOO, já com capacetes na cabeça, como regulamentar, mas curtindo o dia ensolarado, com a brisa marinha acrescida ao vento relativo dos 20 KT do navio, a ser acelerado para 30 KT no inicio das catapultagens.

La estava o “nosso” 201; imponente e guarnecido pela sua equipe de manutenção, com seus casacos-coletes coloridos, onde a cor denota a função/especialidade; Marrom para Manutenção/Parking, Verde para Manutenção, Púrpura para Abastecimento, Vermelho para Armamento, Amarelo para Orientadores de Táxi e Branco para Safety/Oficiais de Catapulta, basicamente.

Uma rápida inspeção na máquina, acompanhados pelo mecânico da aeronave, em nosso caso um veteraníssimo com graduação equivalente a 1o Sgt. Interessante essa integração pilotos x mecânicos na US NAVY; eles se conhecem bem e isso gera um nível de confiança muito grande.

O navio quase não balançava, apesar de sua velocidade de 20 KT e de algumas ondas no mar. Tanto melhor, pois na volta o recolhimento seria mais tranquilo.

Ao subir ao cockpit, não pude deixar de sorrir ao me lembrar de um fato, até hoje sempre recordado pelos meus colegas de turma e amigos, Pinheiro “ZEGA”, Ariovaldo “ARI” e Cianflone “BAMBINO”… Anos antes, servindo em SC, durante a passagem do porta-aviões USS AMERICA pelo Rio, fomos a bordo, com ele ancorado na Baía de Guanabara.

Guiados por um dos oficiais, subimos no dorso de um dos F-14 – o bicho é grande mesmo… – usando a escada lateral, retrátil, do próprio avião. Na hora de descer, troquei os pés nos últimos degraus e quase perdi o equilíbrio, resolvendo pular para o CONVOO.

Pronto; foi o bastante para eles se divertirem e dizerem, o que dizem até hoje, que eu “caí de um F-14”.

E ali estava eu, todo equipado, subindo em um F-14, para voá-lo, desta vez. Melhor não cair.

Início dos procedimentos. Um check-list extenso, mas de sequência bem lógica, e que eu treinara e mentalizara exaustivamente nos últimos 2 dias. Sem problemas.

A US NAVY adaptou alguns poucos F-14 para voos com tripulantes não operacionais na máquina, passando alguns controles/funções para a cabine da frente. Como a Wing estava em um cruzeiro operacional, nenhum dos aviões a bordo tinha esta adaptação e eu teria que me safar (na linguagem naval) naquele mesmo, e daí o extenso/intenso treinamento que me deram. E não daria para fazer besteiras, tripulando uma aeronave daquelas, a bordo do USS NIMITZ, e voando com o CAG.

Prontos. INS alinhado com a plataforma do navio, os vários sistemas auto-checados (BITE). Partida dos motores, bem simples. Canopy fechado e já deu para sentir o ótimo ar condicionado, mesmo sem estar em voo.

Iniciamos o táxi para nossa catapulta de lançamento, a de proa, a direita, starboard para a Navy e boreste para a nossa MB, guiados pelo pessoal de CONVOO; um “ballet” bem coordenado, com sinais visuais de braços, rápidos e precisos. O steering é bem sensível e preciso, sendo bem fácil posicionar a aeronave para onde se é dirigido.

Na catapulta. Aeronave em posição e sendo engatada no sistema da catapulta pela bequilha. Asas “abertas” a frente (20 graus) com flaps em posição AUTO DWN; posição de lançamento (DEP). Configuração muito bem conferida, pois é verdadeiramente crítica para muita aceleração, em pequeno espaço e baixa velocidade.

O pessoal da catapulta vem com uma placa onde está anotado o nosso peso de lançamento, anteriormente calculado e informado a eles, que nos mostram, para um ultimo cross-check; correto, 60.000 lb.

Temos clearance para lançamento e fazemos um último cheque de comandos de voo.
Prontos. Uma continência para o Oficial de Catapulta, cabeça colada no assento, olhando a frente, FULL POWER, mão esquerda no console atrás das manetes e a direita no colo, logo atrás do manche, evitando-se assim reduções de motor ou cabradas de manche indevidas, pela aceleração da catapultagem.

WOOOW… Lá fomos nós. Olho no velocímetro e no index da velocidade pré-computada de sair do CONVOO; se não atingida, ejeção… pois a aeronave vai afundar e, principalmente à noite, o impacto com a água é muito rápido.

Voando. Curva à direita/boreste, livrando a trajetória do navio, e nariz para cima a cerca de 20 graus de pitch, acelerando para 350 kias, tirando o PC ao passar 300 kias.

O Ala é lançado quase que simultaneamente e já reúne em uma posição de Ala Tática/Fighting Wing (20/60 graus).

Dia super claro, CAVOK, sobre um mar muito azul. O coração não pode deixar de bater super rápido; estou voando um TOMCAT, finalmente!

Vetorados pelo navio, tomamos um rumo que nos levará ao nosso reabastecedor, neste caso um A-7 CORSAIR, com 2 grandes tanques subalares, sendo o da asa direita pod de REVO.

Avistamo-lo de longe, a 20.000 ft, nos posicionamos às 5h do mesmo, em Posição de Observação, onde, por sinais visuais, somos liberados parao REVO. O normal é receber o que se consumiu no lançamento, já previamente acertado. Se for a mais, cada dedo indicará 100 lb.

O Probe do F-14 é escamoteável, à direita do para-brisas, e a Drogue/ Basket do pod do A-7 é similar à do KC-130. Plataformas bem estáveis, tanto reabastecedor como recebedor, com alta razão de transferência de combustível.

Terminado, passamos ao lado do A-7 e com um “click-click” no rádio, nos despedimos; nenhuma palavra trocada. Silêncio rádio!

Subimos para 35.000 ft fazendo contacto com o AEW, um E-2C HAWKEYE do USS NIMITZ, que fora lançado bem anteriormente, posicionado ao Sul da Ilha Rasa, fora das subidas IFR da TMA RIO, e que seria o nosso controlador para a interceptação e monitoramento dos combates com os F-5E do 1o GpAvCa, decolados de SC.

Eles nos passavam todos os seus tracks, via data link, e nos mantínhamos sem emitir nada pelos nossos radares, evitando detecção eventual pelos “adversários”.

Abrimos em Linha de Frente Tática/“Combat Speed – Double Attack” com o Ala uns 10 graus atrás, do lado contrário à ameaça, já detectada a cerca de 75 NM.

Aceleramos para MACH 1.2, ligamos os radares e iniciamos nosso ataque com mísseis (BVR) AIM-7 SPARROW, tivemos identificação positiva dos alvos, por meio do TISEO (TV INFRA RED SENSOR ELECTRO-OPTICAL), obtendo solução de tiro a cerca de 17 NM.

Nesse cenário, teríamos aberto a formatura, verticalmente, para separar bem os alvos, nos beneficiando da facilidade de manutenção de contato visual entre os F-14, devido ao seu tamanho, e à possibilidade de manobra no plano vertical, pela sua potência e manutenção de energia.

O dogfight com o TOMCAT procura explorar sempre o uso de BVR AIM-7, mais próximo com AIM-9, mantendo alto nível de energia, manobrando-se muito no plano vertical. A opção seria pelo uso do AIM-9L/M SIDEWINDER, tendo parâmetros para tal, ou o canhão M-60 20 mm.

Em nosso caso, conforme havíamos definido nas reuniões anteriores à Operação TOPEX, não teríamos engajamento “livre para manobrar”. Os F-14 fariam o uso de seus AIM-7 e AIM-9, na fase inicial do engajamento e entrariam em curva defensiva, sem manobras de última instância, para que os F-5E executassem ataques sequenciais.

Assim foi feito. Curva apertada e observando os F-5E fazendo seus ataques e reposicionamentos, por cerca de duas curvas de 360 graus.

Interessante como o F-14 fecha a curva, sem buffet, mantendo alta carga G e alto nível de energia também. Se fosse o caso, poderíamos fazer uma espiral defensiva ascendente, que é uma das manobras clássicas dele.

A visibilidade para o setor traseiro é ótima e o cockpit amplo dá muito conforto para se girar o corpo, de um lado pra outro, mesmo com carga G.

Os F-5E fizeram bons passes e filmes de gun camera, sendo que mais tarde um poster de um desses passes me foi oferecido de presente pelos colegas do Grupo. Lembranças.
Isso terminado, comandamos reunião, os F-5E se aproximaram e passamos para a ala deles, para o que viria.

Eu havia combinado com o pessoal do SRPV 3 (Serviço Regional de Proteção ao Voo do Rio de Janeiro), uma coordenação com o APP RIO, fazendo sobrevoo a 1.500 ft do litoral do Rio, da boca da Barra ao Recreio dos Bandeirantes e regresso, livrando então a área pelo setor do VOR MARICA, com proa do navio, mantendo essa baixa altitude, passando ao controle do AEW quando afastado das Subidas IFR da TMA, e sendo recolhido a bordo.
Na ala dos F-5E eu perguntei, em claro e bom Português, quem eram os pilotos, e pude perceber a surpresa deles, ao me dizerem que eram o Maj Cianflone “BAMBINO” (meu amigo e colega de turma) e o Ten Yuan (bom colega do 1⁰ ESQD).

Lá fomos nós no sobrevoo, vendo aquele belíssimo cenário, sendo que na volta o Ala se afastou e subiu, tirando umas fotos nossas com o Pão de Açúcar ao fundo.

Em Maricá os F-5E abandonaram para SC e nós colocamos proa Sul, para contatar o AEW e subir. Feito o contacto, subimos para 35.000 ft e tomamos a proa do NIMTZ, a cerca de 100 NM dali.

Nivelados e agora em Ala Tática, à Mach .95, o Capt Fred Lewis me perguntou se eu queria “voar mais rápido”… lhe disse que sim… e com AB ZONE-FIVE (full) picamos um pouco a aeronave e aceleramos… à Mach 2.3!

Serviu para aliviarmos o peso de recolhimento pois ainda estávamos relativamente pesados. Chegamos sobre os navios a 5.000 ft, circulamos descendo e entramos no tráfego de recolhimento a 800 ft/300 kias.

Pilofe ao passar pelo navio, 60 graus de BANK, WINGS FWD a 20 graus. Com asas niveladas, descer para 600 ft, LDG DWN, FP FULL, HOOK DWN, ON SPEED, no través da popa, a 1,2 NM aberto lateralmente, 15 AOA (Angle of Attack) e assim curvando Base, a 450 ft a 90 graus, e na Final a 380 ft. Final 15 AOA – info ACFT TYPE NUMBER, BALL e FUEL QTY.

A velocidade na faixa de 140 kias, menos os 20-30 KT do navio e vento local de 10 KT, resulta em uma velocidade de cerca de 110-100 KT em relação ao navio, mas isso é secundário; o AOA é a referência maior.

Foco na atitude da aeronave, manter a rampa pela BALL e rigoroso alinhamento.
Atenção às instruções do LSO (Oficial Sinalizador de Pouso) para correções de trajetória e atitude.

NUNCA nem pensar em fazer flare/arredondar… voar o avião para o CONVOO.

BANG… no CONVOO… MIL POWER (para já ter os motores acelerando em caso de arremetida)… HOOK engajado… IDLE POWER… estamos em casa. O pessoal de orientação de CONVOO corre para nos guiar e sairmos da área de pouso, pois 45 seg atrás vinha o nosso Ala.

HOOK UP, WINGS FULL recolhidas atrás, RADAR re-checked OFF e calçados em nosso espaço de estacionamento, no CONVOO bem cheio de aeronaves, no que eu sempre vi e constatei como um “congestionamento controlado”.

A comando do mecânico, liberado corte dos motores abrindo o canopy. Última sequência de check-list e BAT OFF; colocamos o nosso “Big Cat”, o 201 do VF-84, para descansar; o novo ciclo de voo começaria 01:30h depois… e aí seria então outra estória.

Descemos ao CONVOO – eu não caí dos degraus – e o Capt Lewis, com seu característico largo e franco sorriso, vem até mim e mesmo com o nosso pesado equipamento de voo e capacetes, me dá um forte abraço e diz: – Rocky, congratulations, mission accomplished!

Fomos para a Sala de Manutenção (casa de pista), relatórios preenchidos sem panes, e seguimos para a Sala de Briefing do VF-84, onde uma calorosa recepção me foi dada por todos, com fotos e diploma de JOLLY ROGERS honorário, seguido de um debriefing com o LSO; recolhimento com grau “3 OK”. Afinal, o Capt Lewis era um dos mais voados em F-14 da US NAVY.

Eu voara o meu caça dos sonhos, o F-14A TOMCAT.

P.S.: Aqui, vale um esclarecimento: Quando recebi a “Mensagem a Garcia”, como Adj de Op da 2a FAT, de, em pouquíssimo tempo, viabilizar a participação da FAB na Operação TOPEX, parti com tudo para fazer o que fosse preciso.

Contatei diretamente as partes e pessoas envolvidas, me fiando mais no conhecimento e ação das pessoas e não em burocracia. Isso fez com que em algumas partes do caminho, comunicações não fossem devidamente feitas e informações não fossem totalmente passadas. Até hoje me pergunto se a missão sairia se assim não tivesse sido…

Resultado; alguns oficiais mais antigos, na área da, então, DEPV, não foram cientificados de algumas coisas, ficando bem contrariados, e o Ministro da Aeronáutica de então ficou sabendo da Operação quando viu, no Jornal Nacional, o sobrevoo dos F-14A e F-5E no litoral do Rio…

Eu fiquei sabendo disso somente na Reunião de 40 anos de formatura da minha turma na AFA, por um colega-amigo de turma, Maj Brig R1, que servia no CINDACTA naquela época, e que “livrou o meu pescoço”, que estava sendo furiosamente reivindicado por um irado oficial, bem mais antigo… TKS ZEGA!

Mas a Operação TOPEX foi um sucesso!

Finalmente… Na realidade aquele fora o meu último voo de Caça. Após 12 anos na Caça, “fechar com chave de ouro” assim, eu jamais poderia imaginar… lembrança que ficou nas fotos, no coração e na alma. BYE BYE BABY!


1 – “Hi Jack”: Na sala de briefing do VF-84 no USS NIMITZ havia uma urna presa à parede, com os ossos do Ensign (2o Ten) Jack, um jovem piloto do ESQD que, em combate com os japoneses na 2GM, ficou ferido, não podendo saltar, mas se despediu dos colegas dizendo querer sempre estar com eles. Seus restos foram recuperados e a família cumpriu o seu desejo, doando ao ESQD seus ossos, que, desde então, sempre os acompanharam, em todos os deslocamentos, ficando sob a guarda dos dois pilotos mais modernos… e todos ao saírem para o voo, saúdam-no com um “Hi Jack”… Assim o é. Assim é a lenda.

FONTE: NOTÍCIAS ABRA-PC N⁰ 120

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