Por Valter Andrade
Especial para o Poder Aéreo

A fronteira marítima entre a Grécia e a Turquia data da cessão do Dodecaneso à Grécia pela Itália, em aplicação do Tratado de Paris de 1947.

No entanto, a maior parte dessa fronteira data do Tratado de Lausanne de 1923, assinado no final da guerra greco-turca que viu a vitória dos turcos. Essa fronteira ainda gera tensões entre os dois países.

Em janeiro de 1996, ocorreu uma crise nas ilhotas desabitadas de Imia, controladas pela Grécia, mas reivindicadas desde 1986 pela Turquia (que as chama de Kardak).

A tensão nesta região é constante, sendo relativamente frequente “encontros” como um embate entre a HAF (Πολεμική Αεροπορία (ΠΑ), Polemikí Aeroporía, literalmente “Aviação Militar”-Helenic Air Force) e a THK (Türk Hava Kuvvetleri), como o que procovou o abate de um F-102 Delta Dagger Turco por um F-5A Freedom Fighter grego em 1974.

Vinte e dois anos mais tarde em 8 de outubro de 1996, ocorreu outro incidente na fronteira entre a Grécia e a Turquia sobre o Mar Egeu, entre as ilhas gregas de Quios e Samos, num contexto muito delicado entre os dois países.

Naquele dia, quatro F-4E Phantom II e dois F-16D Fighting Falcon turcos pertencentes ao 192 Filo de Balikesir realizavam manobras de treinamento ao sul da Ilha de Quíos, perto da costa. Em uma área que a Turquia considera parte de seu espaço aéreo internacional.

A Grécia também considera que é seu espaço aéreo nacional, numa superposição de fronteiras. Neste momento o sistema de defesa aéreo grego acionou dois Mirage 2000EG para interceptar os aviões turcos.

Após um rápido voo e contato visual com as aeronaves, os F-4E Phanton II retornaram à base, mas os dois F-16 se recusaram a deixar a área, alegando estarem em espaço aéreo internacional, então iniciou-se um rápido combate aéreo clássico, um dogfight, entre os Mirage 2000 EG e os F-16D.

Cças F-16C da Turquia

O piloto grego do Mirage 2000 EG de número 236, pilotado pelo tenente Thanos Grivas, conseguiu enquadrar e ficar atrás de um dos F-16D e o abateu com um míssil Matra Magic 2, fazendo com que o segundo F-16D fugisse para o leste para alcançar a zona internacional. A aeronave abatida caiu no Mar Egeu e o capitão Nail Erdoğan, que estava no comando, faleceu. Seu co-piloto, tenente-coronel Osman Çıceklı, ejetou a tempo de escapar com vida.

Çıceklı foi resgatado cerca de meia hora depois por um helicóptero AB 205 grego, recebendo tratamento médico antes de ser enviado de volta à Turquia a bordo de um C-130 Hercules. Apesar de meses de buscas, o corpo de Erdoğan jamais foi encontrado.

Durante algum tempo este Mirage 2000 EG ostentou uma marca de abate daquele incidente, que mostrava um pequeno fantasma, com a inscrição; “mehmetcik busters” (Mehmetçik, o nome geral dos militares nos soldados otomanos e turcos. A expressão “Mehmet” no turco é um nome muito comum, que gerou o nascimento da palavra “Mehmetçik” que evoca um significado como “jovem Mehmet”. Mehmetçik é derivado de Muhammad).

O Mirage 2000 é um ótimo caça para “dogfight”. E de acordo com os gregos, o Mirage 2000-5 utilizado pela HAF é o melhor caça de defesa aérea em serviço no Mar Egeu.

Em 1997, dois Mirage 2000 foram perdidos, mas longe de qualquer incidente de “dogfight”, foram por falha mecânica ou ingestão de pássaros, um em 28/07/1997 e um em 30/09/1997.

É interessante notar que, de acordo com testes recentes da HAF, o Mirage 2000-5 Mk2 mostrou que é cerca de 50% mais eficaz em combate aéreo do que qualquer versão do F-16 (a HAF opera os modelos Block 30, o Block 50, o Block 52+ e o Advanced Block 52+), devido à sua eficiência no radar de combate aéreo, a suíte ICMS Mk3 EW que é simplesmente incrível e a eficácia dos mísseis MICA, tanto EM quanto IR.

Além disso, os Mirage 2000 são os únicos aviões que podem carregar os mísseis Exocet e SCALP EG no inventário grego.

A HAF perdeu dois caças durante acidentes em combate aéreo contra seus vizinhos turcos desde 1990, um Mirage F1 em 18/06/1992 e um F-16C Block 52+ em 23/05/2006.

No que diz respeito ao treinamento e eficácia operacional de ambos os lados do Mar Egeu, nos resultados de qualquer exercício internacional (TLP, Red Flag etc.) comparando as duas forças aéreas, os gregos apresentam resultados bem favoráveis.

O incidente de Quios foi mantido em segredo por anos pelos dois países, que alegaram oficialmente uma falha mecânica para explicar o “acidente do F-16” de Osman Çıceklı, que agradeceu publicamente à Grécia por ter sido resgatado e cuidado após sua ejeção.

Somente em 2003, após vazamentos na imprensa grega – que também alegaram que o “combate” foi acidental, o ministro da defesa grego, Giannos Papantoniou, declarou publicamente que um avião turco foi abatido por um caça grego. E em 2012, após a perda de um RF-4E Phantom II abatido pela defesa aérea síria, o ministro da defesa turco, İsmet Yılmaz, reconheceu dois casos semelhantes de aviões turcos abatidos desde 1965, incluindo o F-16 perdido em 1996.

Após essas revelações, o advogado Mehmet Emin Keleş, que representa a família de Nail Erdoğan, e o co-piloto Osman Çıceklı registram uma queixa na justiça turca, e exigiu em 2016 a prisão perpétua para o piloto Thanos Grivas, acusado de “homicídio doloso” por ter disparado um míssil “sem razão no espaço aéreo internacional”. Solicita-se à Grécia que coopere, caso contrário o julgamento seria realizado na Turquia (à revelia), mas o pedido foi rejeitado em maio de 2016.

Caças F-16 da Turquia
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