ANO DO F-5
(História 31-1)
 

Por T.Cel.Av.R.R. Gilberto Pedrosa Schittini

Em 1971/72, os T/TF-33 do Grupo de Caça foram distribuídos para Canoas (CO) e Fortaleza (FZ) e o Grupo de Caça ficou com a tarefa de avaliar e qualificar o AT-26 Xavante na FAB. Esta era uma atividade transitória, enquanto uma solução definitiva era implementada, pois a introdução de uma nova aeronave de caça já estava em andamento, com a compra do Mirage e a criação da 1aAla de Defesa Aérea (1o ALADA) em Anápolis.

Enquanto nos divertíamos voando o Xavante em 72, 73 e 74 – bons tempos – cabeças mais antigas e competentes (sic…) decidiam o futuro da caça. Foi assim que, não sei se no final de 72 ou início de 73, compramos o F-5E Tiger II. Como disse, as coisas estavam acontecendo e nós estávamos bem no miolo da encrenca.

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AT-26 Xavante

No final de 73 e em todo ano 74 o Grupo teve inúmeras tarefas, importantes e urgentes, a executar, dentre elas destacamos:

  • Entregar os Xavantes para o 1o/4o em Fortaleza e para o CATRE em Natal;
  • Selecionar e aprimorar os conhecimentos em inglês dos pilotos a serem treinados nos Estados Unidos;
  • Desenvolver um programa de treinamento para os mecânicos do F-5 B/E;
  • Adequar as instalações do Grupo para receber o F-5;
  • Planejar a implantação do F-5 na Força Aérea.

Em 1975 deveríamos fazer o translado das aeronaves e iniciar a operação.
O que começou em 1974 como uma adequação das instalações do Grupo no hangar do Zepelin,(1) terminou com uma completa mudança para novas instalações. O hangar do Esquadrão de Suprimento e Manutenção passaria a ser o hangar de manutenção dos F-5. As instalações do Grupo e dos Esquadrões seriam totalmente novas, assim como o Centro de Treinamento e o Suprimento Técnico.

Também foi decidido iniciar-se a adequação da pista de Santa Cruz (SC) para a operação de aeronaves supersônicas. Era sem sombra de dúvida uma necessidade. Até mesmo para o TF-33 a pista, em algumas ocasiões, era pequena. Para a operação do Mirage e do F-5 era realmente necessário um piso mais resistente e muitos metros de pista a mais.

Com todas estas atividades em andamento é fácil imaginar o nível de agitação da rotina diária do Grupo e da Base Aérea de Santa Cruz (BASC). Por estas razões tenho certeza que todos que serviram em Santa Cruz nesse período, e estiveram envolvidos com a implantação do F-5, têm muitas lembranças do ano de 1975.

Em cada atividade em andamento há matéria suficiente para muita estória, certamente se alguém dentre os protagonistas resolver contar, a história do Grupo de Caça e da Caça seria muito enriquecida. Nossa proposta, entretanto, é apenas relembrar os eventos mais coloridos do translado da terceira esquadrilha de F-5E para o Brasil, incluindo os preparativos para a missão.

A terceira esquadrilha de F-5E foi também a primeira esquadrilha de “puros sangue”, como nós nos denominávamos.

Tínhamos três tipos de pilotos de F-5 no Grupo, nesta época. Havia os “Willie Boys”, ou seja aqueles que haviam concluído o curso completo de transição operacional no 425o “Tactical Fighter Squadron” (TFS)(2) na Base Aérea de Williams no Estado do Arizona. Havia também os “Half Willie Boys” que haviam concluído apenas o treinamento mínimo requerido para o translado do F-5 no 425oTFS e nós, que fomos treinados pelos “Willie Boys” mais um instrutor da Força Aérea dos Estados Unidos (USAF) no Brasil.

F-5B do 425o. Tactical Fighter Squadron" (TFS)
F-5B do 425o. Tactical Fighter Squadron” (TFS)

Especificamente, o Passos e eu tivemos como instrutor o Captain Kohen, devido a nossa proficiência em inglês. O Capt. Kohen era recém chegado do Vietnã sendo, portanto, instrutor novo de F-5. Tenho certeza que, devido as condições de vôo que nos foram impostas, ele correu tanto risco aqui quanto no Vietnã. Muitas vezes ele deixou transparecer que sabia disso. Por esta razão, meu treinamento e do Passos foi muito bom pois o gringo era “unforgiving”.(3)

Queria provar a todo custo que éramos incompetentes como pilotos, pois como “administradores” de uma Força Aérea isto era por demais evidente. Esta disputa entre ele e nós, quase nos matou. Já já eu conto o evento.

Para transformar uma situação complexa num caos total, o Comando Aerotático (COMAT) para os mais novos, tomou uma série de decisões realmente “brilhantes”.

Em primeiro lugar, decidiu que todos os pilotos de caça, não importando o Esquadrão de origem e se ia ou não operar o F-5 nos anos vindouros, deveria participar do translado. Esta decisão multiplicou, como diria um matemático, por “n” sendo n>>0 (muito maior que zero) o trabalho com preparação de pilotos no Grupo. Esta preparação incluía curso de inglês, curso de tráfego aéreo internacional, pré-solo, instrumento, formatura de F-5 e etc…

A decisão garantiu que toda esquadrilha fosse composta por um grupo de pilotos inexperientes no F-5E e no tipo de missão. Realmente “an outstanding decision” (sic…)(4) sob o ponto de vista operacional, mas muito “bacana” (pobre Grupo de Caça) pois proporcionou diária fora de sede e passeio para muita gente.

Em segundo lugar, em vez de permitir que o Grupo se deslocasse para Anápolis para executar os vôos de treinamento naquela localidade, uma vez que a pista em SC estava em obras, o COMAT nos obrigou a operar partindo do Galeão.(5) O pessoal do Comando Aerotático não queria depender do Comando de Defesa Aérea (COMDA) para cumprir sua missão.

Para jogar gasolina no fogo e transformar o caos em inferno a Diretoria de Eletrônica e Proteção ao Vôo (DEPV), hoje Departamento do Controle do Espaço Aéreo (DECEA), baniu o F-5 dos céus do Rio de Janeiro e dificultou, o máximo que pode, a operação no Galeão. Nos foram concedidos “slots”(6) de decolagem e um atraso superior a três minutos cancelava o vôo.

Treinamentos de toque e arremetida e procedimentos por instrumento eram proibidos no Galeão, só nos foi permitido treinar toque e arremetida na “pistinha” de Guaratiguetá (GW) e um procedimento VOR(7) em São José dos Campos.

Estas decisões brilhantes nos custaram dois F-5 e um piloto, como contaremos a seguir e, pasmem, ninguém foi responsabilizado.

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Neste campo de batalha começamos as nossas operações para implantar o F-5 na Força Aérea Brasileira. Evidentemente era necessário, antes de mais nada, trazê-los para o Brasil.

Nem tudo era ruim ou negativo no cenário. A melhor parte, posso afirmar com segurança, eram os pilotos envolvidos na operação. Por sorte, acaso ou obra divina, a maioria dos pilotos de caça em atividade no início dos anos 70 era de lutadores acostumados com a adversidade.

Muitos tinham realmente lutado para permanecer na caça, quando outros julgaram que o bom senso determinava que o melhor para si e para a carreira era ir voar em outras “aviações”.(8) Daí a expressão corriqueira, na época, “desgraça pouca é bobagem, quanto mais encrenca melhor”.

Comecei o treinamento do F-5B(9) tendo como instrutor o Capt. Kohen, não me recordo como se escreve corretamente seu nome mas pelo som me parece correto. Como expliquei ele estava recém chegado do seu “tour” no Vietnã onde havia operado o F-4. Sempre que tinha uma oportunidade nos lembrava disso, não sei se o fazia conscientemente com algum objetivo específico além de enriquecer seus argumentos.

Entretanto, com ou sem ilustrações oriundas do sudeste da Ásia, suas observações eram sempre bem acolhidas como tínhamos aprendido a fazer na Academia da Força Aérea (AFA) e no 1o /4o em FZ. Ele próprio havia passado por um período de re-doutrinamento, e isto se refletia claramente no seu extremo rigor com a precisão de pilotagem.

Nada de novo para nós. Especificamente o Zé Mourão e o Catraca (Montgomery) haviam levado a nossa paciência ao extremo no curso de caça pelo fanatismo de ambos pela precisão nas manobras do programa de treinamento.

Uma missão típica incluía a decolagem do Galeão, um procedimento de subida por instrumentos até a vertical de Santa Cruz e deslocamento visual para a área de treinamento sobre Resende e o Sul de Minas. O treinamento de toque e arremetida era feito em Guaratinguetá, finalizando com deslocamento segundo regras de vôo por instrumentos para o Galeão, via procedimento iniciado na vertical de Piraí, para execução da antiga “Descida Hotel”.(10)

O pouso poderia ser feito a partir da aproximação ILS(11) ou, se o tráfego permitisse, executando um pilofe (12) para a pista 14. (13)Raramente era necessário arremeter para pouso visual na pista 32, para a qual não havia um procedimento para aproximação por instrumentos.

O tempo de vôo era de 01:20 hr. No pouso final o combustível era normalmente apenas suficiente para uma arremetida visual para um trafego curto.(14) Qualquer perturbação na sequência das manobras causava prejuízo para a missão podendo provocar um pouso final com combustível extremamente curto.

Os vôos de instrução transcorriam normalmente e nós íamos nos adaptando e aprendendo os truques da pilotagem do F-5B. As novidades, além do vôo supersônico, eram as novas preocupações com ângulo de ataque(15) e aprender a conviver com o comportamento típico de aeronaves supersônicas a baixa velocidade e novos termos como “burbs”, “buffets”(16) e etc…

F-5B 4802 1º GpAvCa, SC, 22abr90 - Camazano
F-5B 4802 1º GpAvCa, SC, 22abr90 – Camazano

A operação em Guaratinguetá apresentava algumas características interessantes, que merecem comentário específico. A pista era, e ainda é, pequena para operação do F-5. Ainda pior para operação de treinamento, mesmo considerando que não havia “novinho” sendo treinado.

A situação era agravada pelos inúmeros obstáculos fixos no terreno e os voadores nas redondezas do aeródromo. Como sempre acontece nas redondezas das nossas Bases, os urubus se concentravam em grande quantidade ao redor da pista, principalmente no trecho da subida para a perna do vento, quando executando um tráfego curto.

Os circuitos eram feitos sempre para a pista no sentido da serra para a cidade, não importando a condição do vento, pois os obstáculos existentes para aproximação final sobre a cidade eram um grande perigo. Assim sendo, várias aproximações e pouso foram feitos com vento de cauda de até 15 nós.(17)

Evidentemente, somente executávamos toque e arremetida; um pouso com parada completa, em qualquer circunstância, estava fora de cogitação. Quando o vento estava forte de cauda o uso do “afterburner“(18) na arremetida era comum.

Passar perto de urubus no circuito de pouso era normal. Certo vôo, após arremetermos subindo para a perna do vento, atropelamos um. O impacto foi logo atras da porta do trem do nariz. Com a fleuma que a situação recomendava relatei ao Kohen: “We’ve hit a buzzard”(19) e ele retrucou: “It sounded like a 35” (20) fazendo comparação com o calibre da antiaérea usada pelos vietcongs.

Eu percebi o que me pareceu uma esnobada e complementei: “Yeah, it probably does, but it was just a buzzard, one of this black birds around us, and we better go home and have a look”.(21)

Julgo o Capt. Kohen como um bom instrutor e acho que tive sorte em ter voado com ele. Um evento interessante oriundo da competição “Gringo x Cucaracha”, devido a impressão que eu tinha de que ele sempre estava nos esnobando, agravado pela minha total inabilidade de perder um “round”, somado a um pequeno erro de inglês, merece ser contado, pois quase teve consequências graves.

O gringo era exigente, queria um circuito de pouso impecável, como deve ser, diga-se de passagem. Velocidades corretas, inclinações, g’s(22) e etc, tudo “by the book” (23) como fazem os pilotos na guerra. Eu não queria deixa-lo pensar que, só por não termos ido à guerra, não faríamos as coisas direito.

Numa certa perna base(24) após um pilofe caprichado ele me disse: “Schittini, push the stick”. (25) Parecia-me que o início da curva estava correto, havia um ventinho nos empurrando para cima da pista, portanto, a inclinação e o fator de carga (26) me pareciam “ok”, pois eu já estava apertando a curva, não havia necessidade de “puxar” o manche. (27)

A armadilha das línguas estava armada. O gringo queria que eu aliviasse a curva e eu, confundindo “push” com puxe, entendendo que ele queria que a curva fosse mais apertada, apesar de julgar que a curva estava boa. Entretanto, não estava disposto a escutar, no “debriefing”,(28) o gringo me explicar como se poderia perceber como e quando o F-5 estava na sua melhor performance de curva, e blá blá blá… como fazer a perna base na melhor performance.

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Consequentemente… apertei a curva. O avião me pareceu não gostar muito. Lá de trás, veio novamente com um pouco mais de ênfase: “Schittini, push the stick”. Eu pensei: “Gringo maluco, mas se ele pensa que vou arregar, está enganado”. O avião foi bem mais enfático do que o gringo, começou a gemer e a sacudir levemente as asas.

Definitivamente, estávamos fazendo uma curva apertada, pelo “book” eu sabia que sacudir as asas (wing rock) era sintoma de pré-estol,(29) mas aquele gringo não ia me dizer, no “debriefing”, que a curva tinha sido “xoxó”. (30) Portanto, se ele queria uma perna base no pré-estol ele ia ter uma. Foi quando, lá de trás veio uma instrução, onde se podia perceber uma pitada de desespero: “Stick forward, stick forward”. (31)

O gringo tinha mais inteligência do que eu bom senso e notou o erro que eu estava fazendo, pois casos de confusões com “push” & “pull” eram contados diariamente.

A cabine dianteira do F-5B ficou, subitamente, desconfortavelmente “hot”.(31) O máximo que pude dizer foi: “Ups, roger”. (32) Nada mais foi dito e/ou comentado, nem mesmo no debriefing. Acho que me tornei uma pessoa um pouquinho melhor após o evento, no futuro seria um pouco mais humilde em situações semelhantes.

Nos dias subsequentes de treinamento de toque e arremetida em “Guará”, tivemos mais um incidente devido a impacto com urubu, acho que foi o Silva Junior (Chicão) quem abalroou o bruto. Finalmente, aquilo que parecia que ia acontecer a qualquer momento, aconteceu: perdemos um avião devido a impacto com um urubu.

Na subida para a perna do vento(33) o Maj. Areal e o Maj. Gildo bateram num urubu que desta vez entrou pelo parabrisa e atingiu a face direita do Maj. Areal causando-lhe ferimentos relevantes.

Momentaneamente cego e tonto sem entender claramente o que se passava o Areba, como o Maj. Areal era conhecido na “baixa canalha”, optou pela ejeção. Com toda aquela confusão acontecendo lá na frente, o Gildo, ao ver todo o fogaréu da cadeira de ejeção do Areal causado pela ejeção, não perdeu tempo e também “se mandou”. O avião ainda voou sem pilotos por algum tempo vindo a cair no terreno da Escola(34) . Menos mal pois caiu em terreno da FAB.

Depois deste acidente pensei que seríamos autorizados a nos deslocar para Anápolis, pois nossa vida no Rio estava realmente um inferno. Estávamos meio que “acampados” tanto em SC quanto no Galeão.

Rapidamente o número de F-5B’s chegou a 6 e depois 5, porém, devido ao baixíssimo nível de estoque de peças, tínhamos apenas um ou dois aviões disponíveis para vôo, mesmo usando a prática consagrada da “permuta controlada de peças” (canibalização(35) era proibido; nem pensar).

Os pilotos que estavam voando, como era o meu caso, faziam um deslocamento SC-GL, pelo menos uma vez por dia e muitas vezes o vôo era abortado, devido a falta de avião ou devido aos empecilhos colocados pela DEPV.

Painel do F-5E 4863 em 2002 - Foto 3 Poder Aéreo - Nunão
Painel do F-5E 4863 em 2002 – Foto Nunão

Os problemas de administração do nosso suprimento eram inúmeros, pois a Diretoria do Material (DIRMA), o Depósito de Aeronáutica do Rio de Janeiro (DARJ), o Parque Material Aeronáutico de São Paulo (Campo de Marte) e a Comissão de Recebimento (COMFIREM) em Los Angeles, cada um tinha um apito diferente e a nossa necessidade era ainda uma outra. Dá vontade de chorar só de lembrar, pois eu era o Chefe do Suprimento do Grupo. Muitos dos meus cabelos brancos surgiram, precocemente, nesta época.

Algumas vezes estive muito perto de ser preso, devido aos artifícios para conseguir as peças para manter as aeronaves voando. Nesta época eu era um Tenente meio atrevido e acreditava ser mais eficiente tentar justificar e pedir desculpas do que pedir autorização, o que me forçou a conviver com o perigo. Felizmente meu Anjo da Guarda me ajudou e terminei bem minha tarefa.

Com a queda do avião do Areal, parecia que até o menos inteligente envolvido no processo decisório seria convencido de que aquela operação não poderia continuar. Obviamente seria muito melhor concentrar todos os meios em Anápolis e conduzir todas as operações a partir daquela Base, onde não haveriam os problemas de pista, de tráfego aéreo, de Avenida Brasil e etc… Enfim, seria como sair do inferno para entrar no paraíso.

Infelizmente isto não aconteceu. O orgulho do COMAT prevaleceu. Não podíamos depender do COMDA. O orgulho do pessoal do COMAT era mais importante do que a perda de aviões ou, eventualmente, de pilotos.

Desta forma, aos trancos e barrancos, concluí as seis horas para ir a cheque. Fiz o meu cheque com o Quírico, “Willie Boy” legítimo. O único detalhe que me recordo do vôo de cheque foi que o instrutor me chamou a atenção por executar parte do táxi para a decolagem com motores defasados de 0,5 % de RPM.(36) Até hoje, sempre que posso, encho a paciência do Quírico por este fato.

O vôo solo teve a peculiaridade de ser também o meu primeiro vôo de formatura solo. Nossa situação de material era realmente muito precária e, normalmente, os poucos aviões disponíveis não estavam completamente equipados (ANCE no jargão militar e na MEL no jargão dos pilotos civis).(37) Este era o caso do F-5B do meu primeiro vôo solo: o ADF (38) estava em pane.

Fiz o briefing do vôo com o Cap. Lazzarini, que era o Oficial de Operações do Esquadrão. O tempo no Galeão (SBGL) era 20 KM NIL 8SC600(39) (lembram-se do QAM? Hoje seria um METAR…). (40) Enfim o tempo era bom, mas exigia uma descida por instrumentos. Nada de mais, pois este era o normal do vôo, “any-way”. (41)Eu deveria fazer a Subida 11,(42) ir para a vertical de SC e depois ir para a área Resende para as manobras. Em seguida voar até “Guará” para os toques e arremetidas, voltar para a vertical de Piraí, fazer a descida “Hotel” com aproximação final ILS no Galeão e pouso final. “Piece of cake”. (43)

Não haveria problema para executar os procedimentos por instrumentos para os quais seria necessário o ADF, pois o F-5B estava equipado com DME.(44) Portanto bastava usar a distância como referência para saber a passagem sobre Nova Iguaçu, por exemplo, na Descida Hotel.

Isto posto, isto feito. Aconteceu que, ao abandonar a vertical de SC no topo, tendo voado IMC(45) até 18.000 ft (46) para iniciar as acrobacias, o indicador de atitude passou a indicar uma atitude incorreta. Voei algum tempo nivelado e a situação voltou ao normal.

Pensei estar sendo excessivamente cauteloso e reiniciei as acrobacias. Após um looping(47) , um oito cubano (48) normal e um reverso e tuneau vertical (49) , o indicador de atitude (50) ficou completamente inutilizável e não voltou mais ao normal.

Em contato com Operações na frequência tática fiquei sabendo que o Hortênsio ainda estava em vôo, executando também seu primeiro vôo solo. Marcamos um “rendez vous”(51) na vertical de Piraí, onde nos reunimos com facilidade.

O Hortênsio me trouxe para baixo, para um pouso quase na ala(52) na pista 14 do Galeão. Infelizmente, o Lazzarini considerou que eu tinha feito uma boa parte da missão e não me deixou repeti-la. Assim não consegui adicionar uma hora extra ao meu total de 8 horas de F-5, sendo considerado pronto para fazer o translado de um F-5E para o Brasil, conforme planejado.

Na realidade, estava prevista a execução de algumas horas de F-5E, antes de estarmos liberados para nossa missão. Infelizmente o translado da primeira leva de F-5E estava atrasado e, para manter o cronograma de recebimento das aeronaves, nós partiríamos para nossa missão tendo ou não jamais visto um F-5E. Afinal de contas era só a versão monoposto do F-5B, no qual já éramos “doutores”. A Esquadrilha prevista era:

  • Maj. Luzardo – Comandante
  • Cap. Sergio Martins – Operações
  • Ten. Zorron – Material
  • Ten. Passos – Pessoal
  • Ten. Schittini – Auxiliar de Operações
  • Ten. Hortênsio – Auxiliar do Material

Transcorria o mês de Julho de 1975, e o primeiro semestre tinha sido, na melhor das hipóteses, horrível. Entretanto, nós não sabíamos, coisas piores ainda iriam acontecer. Afinal de contas, nosso lema era “encrenca pouca é besteira”. Nas conversas de sala de briefing sempre alguém dizia que, “se as coisas continuarem nesta batida, ainda vamos perder mais aviões e alguém vai pular o muro”.

Acho que até os mais novos estão familiarizados com a expressão “pular o muro”. Outra expressão que era corriqueiramente repetida, e que significava a mesma coisa, era que nós estávamos vivendo dias de “muro baixo” e que todos deviam manter “um olho no padre e outro na missa”.

Infelizmente, estas palavras ditas na brincadeira iriam se concretizar.

Não me lembro bem das datas, mas nossa partida para os USA para nossa missão estava prevista para o dia seguinte ao da chegada, no Galeão, da primeira esquadrilha de F-5E. Eu tinha um problemão nas mãos pois nós tínhamos apenas material, mal e porcamente, para um “kit” de translado, portando meu pessoal teria 24 horas para receber o “kit”, conferi-lo e preparar todos os documentos de recebimento, dar baixa do material pertinente, preparar um novo kit e embarcá-lo no C-130 (Hércules).

Além disso tinha que me preparar para a missão tratando dos assuntos de Operações referentes à minha esquadrilha. Felizmente meus problemas pessoais eram poucos, pois ainda era solteiro e morava na Base. Nos anos de 73 e 74 eu dividira um apê em Copacabana com o Sandim e o Conrado mas, com as confusões do final de 74, tivera o bom senso de voltar para a Base.

Para complicar ainda mais, um dos F-5E da Esquadrilha que chegava teve uma pane de motor em Zandery (Suriname, Capital da Guiana Holandeza), um dos locais de pouso no caminho, requerendo troca do motor. Obviamente que não possuíamos um motor reserva, e assim sendo, em paralelo com a preparação da minha missão, deveríamos retirar um motor dos aviões que chegavam e preparar um “kit” de troca de motor, exaurindo ainda mais nossos parcos suprimentos, e embarcar tudo num outro C-130, ou um C-115 (Búfalo), que sairia na missão de socorro no mesmo dia seguinte.

Juntamos todo o pessoal do material e fizemos um cronograma de todas as atividades minuto a minuto, desde o momento que os aviões estacionassem até o momento da saída do Hércules, assim as possibilidades de problemas eram minimizadas. Permito-me um comentário: a equipe do Material do Grupo de Caça naqueles tempos, sob a liderança do Maj. Areal, era de primeira linha.

Tudo preparado, bastava então esperar os aviões e “cair de pau” no serviço assim que eles fossem liberados. A chegada na Base Aérea do Galeão seria feita com toda pompa e circunstância que a ocasião merecia, com banda de música, familiares, bandeirinhas e etc…

O dia amanheceu com uma meteorologia típica do inverno daqueles tempos ou seja: nevoeiro no Galeão. Previsão de abertura lá pela metade da manhã. “No sweat” como diriam os gringos. A última perna da viagem era Anápolis – Galeão, cerca de uma hora de vôo, portanto bastava ajustar o horário da decolagem e eles chegariam com o aeródromo aberto.

F-5E 4851 REVO 1978

Como estavam previstas festividades eles iriam tentar manter-se o mais próximo possível do programa. Na Esquadrilha estavam o Cap. Tacariju, Cap. Berto e Cap. João Bosco. O T.Cel. Rubens, Comandante da Esquadrilha e do Grupo de Caça, era quem tinha ficado para trás em pane.

Cheguei no Galeão na madruga e fiquei pela pista conferindo os preparativos e esperando pelos aviões. O nevoeiro não estava tão ruim como parecia e a pista começou a abrir cedo. Assim que tive a notícia que os aviões estavam chegando, fui para o estacionamento a tempo de ver um F-5E arremetendo do procedimento da pista 14 e iniciar as manobras para um pouso na pista 32.

Como eram três aviões que, certamente, tentariam chegar juntos ao estacionamento para as apresentações e as festividades, resolvi dar uma chegada até o hangar para uma última olhada nos preparativos para os serviços e dar uma “animada no pessoal”. Quando finalmente cheguei ao estacionamento, dois aviões já estavam estacionados e com o canopi(53) aberto.

O primeiro pensamento que me veio à cabeça, ao ver os F-5E, foi de que finalmente o Grupo de Caça tinha novamente um avião de caça. Um avião um pouco narigudo mas definitivamente com um aspecto de guerreiro.

O Berto já estava no chão sendo abraçado pelo “bandão” presente e o Taca estava descendo da escada. Dirigi-me para o Taca pois o Berto já estava muito ocupado. Quando o Taca me olhou era óbvio, pela sua expressão, que havia algo muito errado. Alguém que estava por perto, não me lembro quem, fez a pergunta que já estava na “ponta da língua”.

-“Oi Taca tudo bem…? Alguma coisa errada…?

O Tacariju tinha mania de misterioso, mas desta vez ele estava genuinamente muito preocupado quando respondeu:

-Eeeh o Bosco estava entre nós, não pousou e sumiu do rádio.

Parece-me que a maioria dos presentes escutou a observação pois o papo literalmente murchou. O ambiente ficou extremamente pesado à medida que o silêncio aumentava. Para aumentar o desconforto escutou-se a esposa do Bosco, que chegava com o filho no colo perguntar, várias vezes:

-Onde é que está o meu marido? Onde está o meu marido?

Não havia resposta a dar e me pareceu que ninguém queria conversar mais. O impensável tinha, com certeza, acontecido. Pensei, com os meus botões, na melhor das hipóteses o Bosco vai aparecer no Portão da Guarda num carro da polícia.

De repente, me senti deslocado naquele local. Eu tinha muito trabalho pela frente e o que quer que fosse que tivesse acontecido, já tinha acontecido e nada podia ser feito para mudar. Ações deveriam ser tomadas, mas não competia a mim tomá-las. Na cabeça eu torcia pelo Bosco, mas no coração sabia que ele não iria aparecer.

Aquilo que temíamos, mas sabíamos que tinha uma grande chance de acontecer, tinha acontecido e da forma mais dramática, na festa de chegada, isto é, tínhamos perdido mais um avião e desta vez, possivelmente, também o piloto.

Nestas circunstâncias, a melhor coisa a fazer era mergulhar de cabeça no serviço, pois no dia seguinte era minha vez de embarcar para os Estados-Unidos e trazer para casa um F-5E, igualzinho aqueles que estavam ali.

Achei o Zorron e combinamos, aleatoriamente, qual avião cederia o motor para o resgate do Cel. Rubens. Na presente situação, o Grupo só teria um F-5E disponível por algum tempo. Isto não afetaria a minha esquadrilha, uma vez que já estava decidido que iríamos buscar os aviões sem tê-los voado. Nosso primeiro vôo seria em Palmdale.(54)

Durante o resto do dia a confusão só aumentou. Eu fiz todo o esforço possível para me manter ocupado e nem aparecer no setor de operações. Em algum momento vi o helicóptero com o PARASAR(55) chegar, e sair com o Cel. Menezes, Comandante da Base.

Quando o helicóptero voltou fiquei observando de longe, mas percebi que o Cel. Menezes desembarcou chorando. Fiquei olhando pro nada, perdido nos pensamentos e finalmente concluí:

-É verdade, deu merda, o Bosco pulou o muro.

Realmente o Bosco havia perecido num acidente muito comum em aviação ainda hoje em dia: CFIT (Controlled Flight Into Terrain)(56) na final para pouso. As causas do acidente seriam encontradas na investigação que já começara.

O que aconteceu no restante do dia desapareceu na penumbra, não me recordo de um só detalhe. Acho que passei o resto do dia tentando me ocupar ao máximo para não pensar. Ao entardecer, o C-115 que faria o resgate do avião que ficou para trás, estava carregado e pronto para a missão, e seguiu viagem.

À noite no velório, que surpreendentemente não me lembro onde foi, o Cel Luiz Carlos, ex-Comandante do 1o/4o e que estava então no A-3(57) do COMAT, procurava a Esquadrilha que iria embarcar no dia seguinte. Quando finalmente nos reuniu, queria saber se nos sentíamos confortáveis com a missão que iríamos executar.

Foi difícil crer que, em última análise, estava cabendo a nós decidir se a missão ia ou não sair, mas ali estava a verdade nua e crua, a pergunta estava feita. Acho que todos nós queríamos resolver aquilo de uma vez por todas, mas a resposta foi, mesmo com uma pontada de frustração, que achávamos conveniente voar o F-5E antes de viajar.

Foi assim que, sob o efeito emocional, da perda de um companheiro e mais um avião, que o COMAT aceitou transferir as operações do 1o GAC do Galeão para Anápolis, e retardar a saída da minha esquadrilha. Tivesse tudo aquilo acontecido numa Força Aérea, com certeza haveria um inquérito para apuração dos erros cometidos e seus responsáveis.

Na nossa força aérea ninguém realmente se incomodou com os fatos, e a vida continuou como se nada houvesse acontecido.

Em função dos eventos, as mudanças no planejamento do translado foram as seguintes:

·Os aviões que já estavam prontos em Palmdale seriam transladados por uma esquadrilha montada com “Willie Boys”;

·Minha esquadrilha buscaria os próximos aviões a ficarem prontos;

·O Grupo de Caça transferiria sua operação para Anápolis até a pista de Santa Cruz ficar pronta.

O Maj. Luzardo não ficou muito satisfeito com a mudança na escala e conseguiu fazer alguns vôos de F-5E e se incorporar na esquadrilha de “Willie Boys”, que ficou sendo a seguinte:

  • Maj. Luzardo
  • Cap. Lazzarini
  • Cap. Bellon
  • Ten. Quírico

Na minha esquadrilha, o Maj. Areal assumiu o comando em substituição ao Maj. Luzardo.

Quatro dias depois de todos estes eventos já iniciávamos nossas operações em Anápolis. É difícil descrever o que foi chegar em Anápolis depois de todas as encrencas no Rio de Janeiro. Foi mais ou menos como sair de um filme preto e branco e entrar num filme colorido, tal era o contraste.

Devido à mudança na escala do translado, ficamos com um número de instrutores insuficiente para continuar com o programa de treinamento. Foi assim que nós, que já tínhamos solado o F-5B e estávamos prontos para voar o F-5E, nos tornamos instrutores, com um total de 8 horas em média na aeronave. Como não havia “novinhos” envolvidos no processo, o número reduzido de horas não constituiu problema.

Chegamos em Anápolis com um F-5E e cinco F-5B’s, sendo que, com a chegada do Cel. Rubens, passamos a ter dois F-5E’s. Como só tínhamos cinco motores, o terceiro F-5E ficou aguardando um motor no Galeão.

Ficou decidido ainda que cada grupo de pilotos passaria 15 dias voando em Anápolis. Portanto nestes 15 dias nós, os pilotos da próxima esquadrilha de translado, deveríamos concluir o nosso treinamento e voltar para o Rio para embarcar para os EUA.

Meu primeiro vôo em Anápolis foi um vôo de duplo comando no Chmielewski, (Chiminho para a turma), enquanto o Sergio fazia seu solo de F-5E. Em seguida, depois de concluir o treinamento preparatório, ou seja: hora de cabine, cheque de olhos vendados(58) , prova de emergência. etc… foi minha vez de voar o F-5E.

F-5B no PAMA-SP

Realmente o F-5E parecia uma máquina de guerra. Comparado com o F-5B, era um grande salto em performance. De fato, apesar de serem ambos aviões de carga alar relativamente alta e supersônicos, a semelhança na pilotagem era ou é pequena.

Desde a decolagem ficou evidente que o F-5E tinha uma grande tendência de levantar o nariz (pitch-up). Talvez fosse uma característica que iria merecer atenção na pilotagem. Naqueles dias não fazíamos toque e arremetida no F-5E, para economizar pneus, fazíamos um procedimento chamado de “low approach”(aproximação baixa), que consistia em executar a arremetida no momento em que se iria retirar o motor para o pouso.

No meu pouso final a tendência de “pitch-up” me atrapalhou um pouco e toquei as rodas, não intencionalmente, bem no início da pista (“on the numbers”)(59) . Isto foi notado pelo Cel. Rubens, o instrutor, que acompanhava o vôo de outro avião. No debrifim ele comentou o fato, apontando-o como um erro de pilotagem. Ao final do debrifim comentei a tendência de “pitch-up” e o Cel. Rubens achou estranho pois esta característica não fora notada por ninguém antes.

É importante lembrar que o F-5E ainda estava em desenvolvimento e os vôos de ensaios da Northrop ainda não estavam concluídos, de modo que nós poderíamos estar, de fato, notando uma característica não percebida anteriormente. O Sérgio, que havia voado imediatamente antes, havia feito comentário semelhante. Assim sendo, resolvemos investigar o avião para comprovar que tudo estava correto com os comandos de vôo.

Isto feito, constatamos que durante a troca de motor a manutenção havia montado o comando do profundor incorretamente. Haviam deixado desconectada uma interligação profundor/”air brake”(60) e a montagem do profundor estava errada. Isto corrigido, a tendência de “pitch-up” desapareceu. Um a zero para meu ego, que estava machucado com o erro no pouso.

Vale a pena fazer uma pausa na estória para comentar um detalhe importante na compra do F-5. Ao voar o F-5E ficou evidente a limitada validade do treinamento pré-solo no F-5B. Durante o processo de compra dos aviões o Grupo de Caça, sob orientação de seu Comandante, produziu um trabalho demonstrando as vantagens financeiras e operacionais de não se adquirir o F-5B.

A proposta era de enviar todos os pilotos do Grupo para o treinamento de transição operacional no 425o “Tactical Fighter Squadron” enquanto se esperava pela introdução do F-5F(61) para, aí sim, adquirirmos o treinador correto. Alguma brilhante inteligência decidiu o contrário, forçando a FAB ficar engasgada com o F-5B por muitos anos.

O resto do treinamento em Anápolis foi rotineiro e ao final de 15 dias estávamos no Rio prontos para a partida. Estávamos em Agosto de 1975, e parecia que nossas agruras estavam terminadas.

Ledo engano, pois prevíamos fazer o translado em 15 dias, mas a viagem durou 35, tendo culminado com uma grave doença do Comandante da Esquadrilha que o levaria de nosso convívio para sempre.

Esta estória contaremos no próximo capítulo.

T.Cel.Av.R.R. Gilberto Pedrosa Schittini
Piloto de Caça – Turma de 1971

FONTEwww.abra-pc.com.br – Associação Brasileira de Pilotos de Caça

 

NOTAS:
  • 1 – Hangar do Zepelin = Local, na Base Aérea de Santa Cruz (Rio), onde eram guardados os Dirigíveis Zepellin e Hindenburg quando vinham ao Brasil (bom local para ser visitado).
  •  2 – “Tactical Fighter Squadron” = Esquadrão Tático de Caça.
  •  3 – “unforgiving” = não perdoa, não deixava passar nenhum erro.
  •  4 – “an outstanding decision” = uma decisão importante.
  •  5 – Galeão = Base Aérea do Galeão (Rio), onde também está localizado o Aeroporto Internacional e por conseguinte, os aviões comerciais têm prioridade de operação.
  •  6 – “slots” = “fendas” no caso significa um intervalo de tempo alocado para o pouso de uma aeronave.
  •  7 – VOR = do inglês “Very High Frequency Omini Range” – procedimento de pouso por instrumentos, utilizando o equipamento receptor de rádio que indica, ao piloto, a direção em que se encontra a estação transmissora de “VOR”.
  •  8 – “aviações” = no caso significa “servir” em outros esquadrões que não são de aviões de Caça.
  •  9 – F-5B = O F-5 modelo “B”, é um avião de dois lugares (duplo-comando) projetado para ser o avião de instrução do F-5 modelo “A”. Servia para instrução do F-5 modelo “E”, porém era bem diferente e mais antiquado do que este.
  •  10 – Descida Hotel = os procediemtos para descida sem visibilidade (por instrumentos) são padronizados para cada local e recebem o nome das letras. No caso a letra “H” (hotel). Isto significava que para o Galeão tínhamos, no mínimo oito procedimentos (A,B,C,D,E,F,G, & H).
  •  11 – ILS = do inglês “Instrument Landing System”, equipamento eletrônico especial para facilitar a aproximação para pouso sem visibilidade (por instrumentos).
  •  12 – pilofe = do inglês “peel-off”, manobra efetuada antes do pouso, visando reduzir a um mínimo o tempo em que a aeronave fica indefesa e exposta ao ataque inimigo. Hoje a palavra foi aportuguesada para “pilofe”.
  •  13 – pista 14 = o número da pista indica a sua orientação magnética. O avião que for decolar, ou estiver pousando, estará com sua bússola indicando 140 gráus magnéticos.
  • 14 – arremetida, tráfego curto = desistir do pouso (arremeter) e fazer curva (normalmente pela esquerda) e voltar para fazer o pouso final.
  •  15 – ângulo de ataque = ângulo entre a linha longitudinal do avião e a linha imaginária de seu deslocamento no ar.
  •  16 – “burbs, buffets” = termos aeronáuticos do inglês, algo parecido com tremidas, solavancos e guinadas.
  •  17 – 15 nós = unidade de velocidade usada em aviação e marinha. 15 nós equivalem a ± 28 km/h (vem da palavra inglesa “knot”).
  •  18 – afterburner = “requeimador” ou pós-combustão é um dispositivo existente nos motores à jato (normalmente dos aviões de caça), que permite requeimar os gases de escapamento criando assim um empuxo adicional (… e um aumento descomunal no consumo!)
  •  19 – “we’ve hit a buzzard” = atingimos um urubu.
  • 20 – “it sounded like a 35” = o “impacto” foi parecido com o do canhão antiáereo de 35 milímetros de calibre.
  •  21 – “yeah, it probably does,…” = é, provavelmente parece com um 35, mas foi um urubu, um daqueles pássaros pretos à nossa volta, melhor voltar e dar uma olhada.
  • 22 – G’s = símbolo de gravidade, medida de aceleração. Em aviação, refere-se às acelerações (cargas) geradas pelas mudanças na direção de vôo da aeronave.
  •  23 – “by de book” = como diz o livro, de acordo com as regras.
  •  24 – perna base = posição no tráfego visual, onde a aeronave se encontra a 90 gráus com a pista, antes de fazer a última curva para a posição “final” de pouso.
  •  25 – “push the stick” = “empurre o manche”. Esta frase dá muita confusão, pois os brasileiros entendem o som da palavra “push” com “puxe”, o sentido é exatamente o contrário!
  •  26 – fator de carga = o mesmo que “G”
  •  27 – manche = alavanca de comando de inclinação longitudinal e lateral dos aviões (principalmente os de Caça).
  • 28 – debriefing = Reunião dos componentes do vôo, para “avaliar” com foi a missão. Hoje a palavra foi nacionalizada para “debrifim”. A reunião antes da missão, é o “brifim”.
  •  29 – pré estol = o “estol” é o fenômeno da perda de sustentação aerodinâmica do avião. No caso, chegou quase ao estol!
  •  30 – “stick forward” = manche para frente, empurre o manche!
  •  31 – “hot” = “quente”, o ambiente ficou tenso.
  •  32 – “ups, roger” = “desculpe”, ok, vou fazer…
  •  33 – perna do vento = posição no tráfego visual, onde a aeronave se encontra paralela à pista e em sentido contrário ao pouso. Logo após curvará para a “perna base” e então para a “final” de pouso.
  •  34 – Escola = no caso se refere à Escola de Especialistas da Aeronáutica EEAer que fica na Cidade de Guaratinguetá (SP) e é responsável pela formação de sargentos especialistas.
  •  35 – canibalização = termo usado em aeronáutica, que significa retirar peças de uma aeronave para usar suas partes como suprimento para outras. Acontece que a frequente utilização deste procedimento acaba condenando “à morte” a aeronave “doadora”.
  •  36 – 0,5% RPM = metade de 1(um) por cento de rotação por minuto.
  •  37 – ANCE & MEL = a sigla brasileira ANCE para “Aeronave Não Completamente Equipada” alerta que alguns equipamentos da aeronave (militar) não estão funcionando, já a sigla inglesa MEL, para “Minimum Equipment List” trata de uma lista com o mínimo de equipamentos que devem estar funcionamndo para que uma aeronave comercial possa voar.
  •  38 – ADF = do inglês “Automatic Direction Finder”, equipamento eletrônico que indica a direção de uma estação transmissora de rádio. Embora antiquado, ainda hoje é usado para auxiliar a navegação aérea. As”velhas águias” o chamam de “radio goniômetro”
  •  39 – 20 KM NIL 8SC600 = codificação de boletim meteorológico que significa: 20 quilômetros(km) de visibilidade, nada de anormal (NIL) e camada de nuvens tipo estratocúmulo (SC) a 600 (seiscentos) metros, cobrindo todo céu (8 oitavos da área do céu).
  •  40 – QAM & METAR = a codificação para o boletim meteorológico antigo era chamada pela sigla QAM e a atual é chamada de METAR, na realidade não têm traduções.
  •  41 – “any way” = de qualquer maneira.
  •  42 – Subida 11 = os procedimentos para subida (por instrumentos) são padronizados assim com os de descida. As subidas recebiam numerações, ao contrário das descidas que recebiam o nome das letras. No caso o número “11”. Isto significava que para o Galeão existiam no mínimo 11(onze) procedimentos de subida diferentes.
  •  43 – “piece of cake” = “pedaço de bolo”, gíria que significa “coisa fácil.”
  •  44 – DME = do inglês ” Distance Measuring Equipment”, equipamento eletrônico que indica a distância (em milhas marítimas) de uma estação transmissora especial. Normalmente, a estação DME funciona acoplada a uma estação de VOR e é conhecida como VOR-DME.
  •  45 – IMC = do inglês “Instrument Meteorological Conditions”, ou seja “condições meteorológicas de vôo por instrumentos”.
  • 46 – 18.000 ft = 18.000 pés (feet) de altitude, o que equivale ± 5.500 metros.
  •  47 – “looping” = acrobacia que consiste em efetuar uma “cambalhota” para trás.
  •  48 – oito cubano = acrobacia na qual o avião descreve um “oito” na vertical.
  •  49 – tuneau (ou tunô) vertical = palavra franceza. Acrobacia na qual o avião faz uma volta em torno do seu eixo longitudinal.
  •  50 – indicador de atitude = instrumento que indica ao piloto, qual a posição do horizonte da Terra em relação ao (nariz do) avião. Também é conhecido como “horizonte artificial”.
  • 51 – “rendez-vous” = palavra franceza que significa “encontro”. Em aviação, tradicionalmente, significa o local em que os aviões de caça se reunem com a formação de aviões de bombardeio que irão escoltar.
  •  52 – pouso na ala = pouso de dois aviões juntos, ainda em formação de esquadrilha.
  •  53 – canopi = capota da cabine dos aviões de caça – vem do inglês “canopy.”
  • 54 – Palmdale = Cidade do Estado da Califórnia (EUA), onde estava a fábrica de montagem do F-5 da Northrop.
  •  55 -PARASAR = Esquadrão de Busca e Salvamento (Search And Rescue) que é especializado no uso de PARAquedas para chegar ao local de salvamento.
  •  56 – “Controled Flight into Terrain = “Vôo controlado contra o solo”, é a maneira “moderna” de se dizer que o avião colidiu com o solo sem ter problemas estruturais.
  •  57 – A3 = Oficial de Operações (3) do Estado Maior (A).
  •  58 – Cheque de olhos vendados = prova em que os pilotos, com os olhos vendados, têm que reconhecer todos os dispositivos e instrumentos da cabine do avião.
  •  59 – “on the numbers” = “sobre os números”, pousar logo no início da pista onde estão pintados os números que a identificam.
  •  60 – “air brake” = freio aerodinâmico.
  •  61 – F-5F = O F-5 modelo “F”, é um avião de dois lugares (duplo-comando) projetado para ser o avião de instrução do F-5 modelo “E” do qual é derivado.

Observação

O autor do texto desconhece alguns fatos, que ora serão apresentados, com propósito didático.

– Em primeiro lugar, o texto de autoria do Tenente-Brigadeiro do Ar Baptista, para a Revista Força Aérea:

“Em 1973 eu era instrutor da ECEMAR e no final do ano apareceu o ‘baixinho’ Menezes (Tenente-Coronel Lauro Ney Menezes), que eu só tinha visto uma vez em Fortaleza, quando ele subiu no palanque e proferiu o famoso ‘queremos F-5’. O Brigadeiro Eduardo Gomes estava na primeira fila, e só ficou olhando. Pouco depois ele me convidou para ser o GSB da Base Aérea de Santa Cruz.”
________________________________________________________________________

– Em segundo lugar, apresentamos trechos da obra “Supersônico 1, Uma Iconografia”:

“INCAER

Menezes – “Ainda dentro da Revisão do Tempo, talvez o próximo passo importante tenha sido o Comando da Base Aérea de Santa Cruz (1974), a Unidade que me alojou quando eu saí Aspirante da Escola de Aeronáutica (1947) e quando fui incorporado ao efetivo do 1º Grupo de Caça, para cursar o ESPC; fui rever a minha velha Base, e aí, nessa conjuntura, dirigir os seus destinos. Foi uma oportunidade extremamente rara; na época a Base Aérea de Santa Cruz alojava cinco Unidades de Combate ao mesmo tempo, com um efetivo superior a dois mil e duzentos homens; nós tínhamos ali sediadas mais de cem Aeronaves de Combate, com missões variadas, e, nessa situação, pude realmente perceber a magnitude e a necessidade de preparo adequado para o exercício da função de Comando e da orientação de homens, e cumprimento de missões.” (pg. 85)
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– Em terceiro lugar:

Na Placa recebida, se lê:

“Ao Coronel Menezes, Comandante da Base Aérea de Santa Cruz, Lembrança da entrega dos 14 aviões Xavante do 1º Grupo de Caça ao CATRE.

Natal, 11 de novembro de 1974.” (pg.89)
_____________________________________________________________________
– Em quarto lugar:

“Reportagem do Jornalista João Paulo Moralez”

Moralez – “Outro projeto crucial na história da FAB em que o Brigadeiro Menezes se envolveu de modo marcante, foi o da implantação dos Caças Northrop F-5E Tiger II, jato de combate multifuncional adquirido pela FAB em 1973, compreendendo 36 F-5E e 6 F-5B.”

Menezes – “O grupo que trabalhou no programa do F-5 era subordinado a mim e foi o Coronel Euro Campos Duncan Rodrigues o encarregado que efetivamente fez a escolha do avião, tomou as iniciativas, etc. E, na época, era o melhor avião para aquilo que nós queríamos fazer.

Moralez – “No biênio de 1974/1975, o Brigadeiro Menezes comandou a mítica BASC, o ninho da Aviação de Caça da FAB, ocasião em que teve a chance de acompanhar a transição entre o Embraer AT-26 Xavante, que estava no 1º GAvCa apenas para manter a qualificação dos pilotos, e os novíssimos F-5E Tiger II. Assim, também esse capítulo, de extrema relevância para a FAB, teve a assinatura do Brigadeiro. Com o objetivo de participar da Missão Tigre, que transladava em voo os F-5 dos EUA para o Brasil, o então Comandante da BASC fez o curso do Caça, vindo a solar o F-5B “FAB 4802”, em abril de 1975, fato que o preparou para realizar, em outubro daquele ano, a sétima Missão da Operação Tigre, liderando quatro F-5E do 2º/1º GavCa, a Esquadrilha “Pif Paf Trunfos”. (pg.90)
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Epílogo

Justiça é feita, desta forma, ao Maj.-Brig. do Ar Lauro Ney Menezes, cujo nome, o mais importante da História da implantação do F-5E/B, deixou de ser citado. Justamente aquele que, ao chefiar a CEPAI, se tornou o Primeiro Piloto de Caça Supersônico e Bi-Sônico do Brasil (26 de julho de 1967), e o único Caçador a voar o Mirage III na década de 1960. Sem a sua aprovação, o Mirage não teria ingressado na História da Força Aérea Brasileira. “À La Chasse!”

Fernando A. Murat Menezes
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Na fotografia abaixo, o autor do texto, então tenente, entrega uma garrafa de champanhe comemorativa ao Comandante da Base que deixou de citar.

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