Sem aeronaves com maior autonomia, dois aviões que vieram da China fizeram quatro escalas, o que aumenta os custos totais da viagem

Luiz Fara Monteiro, da Record TV

O noticiário da semana mostrou duas aeronaves destacadas pela FAB (Força Aérea Brasileira) para repatriar brasileiros na China por conta do coronavírus. A operação, na verdade, envolve 4 aviões militares.

Os 2 jatos que de fato transportaram os repatriados são 2 modelos Embraer 190, rebatizados na FAB como VC-2, incorporados à força em 2009.

Outros 2 modelos RJ–145 tiveram que partir um dia antes para levar as tripulações extras a Varsóvia, de onde pilotaram os VC- 2 até o destino final, Wuhan.

A Operação foi bem planejada, bem executada e teve caráter nobre. Mas poderia ter sido bem menos complexa e dispendiosa.

Os pilotos que partiram de Brasília tiveram que obedecer o limite de jornada imposto pela legislação aeronáutica e trabalhista. A tripulação extra precisou de uma noite de descanso em Varsóvia e de lá, descansados,
assumiram os VC- 2 para completar a jornada.

A autonomia é um item importante e estratégico na aviação. Jatos maiores e mais modernos, como os Boeing 777, 787 ou Airbus A330 ou o A350 são bem mais caros. Mas muitas vezes o custo benefício se reverte em “valor agregado” ao investimento.

Os VC–2 precisaram de 4 escalas antes do pouso em Wuhan: Fortaleza, Las Palmas, Varsóvia e Urumqi. Voos internacionais implicam uma série de tributos dos proprietários das aeronaves, como taxas aeroportuárias,.de radiocomunicação, gastos com reabastecimentos, entre outros. Fora os gastos com os 2 jatos extras.

Um avião maior e mais moderno com capacidade para voar direto ou realizar apenas uma escala tornaria a operação de repatriação mais econômica e eficiente. A companhia australiana Qantas já opera os 17.700 km da rota entre Sidney e Londres, iniciado num projeto chamado Long Haul Flight. Para tal, utiliza o moderníssimo Boeing 787 Dreamliner. A distância é um pouco maior que o trecho total voado pelos VC–2 Embraer entre Brasília e Wuhan.

É claro que a FAB gostaria de dispor de aparelhos assim. A questão está na escassez de recursos para a compra de aeronaves mais caras. E na disposição de governos em enfrentar críticas a investimentos dessa natureza.

Assim que assumiu o governo em 2003 o ex-presidente Lula autorizou a FAB a iniciar o processo de substituição dos aviões que serviam o Planalto. O mais conhecido deles, o Boeing 707, apelidado de “Sucatão”, que já naquela época necessitava de autorização especial para sobrevoar alguns países de primeiro mundo, de tão obsoleto que era.

Foi nessa mesma aeronave que 4 anos antes, Marco Maciel, então vice-presidente de Fernando Henrique Cardoso, vivenciou um incidente com possíveis desdobramentos sérios: o jato sofreu uma pane em um de seus 4 motores e teve o sistema hidráulico seriamente comprometido, coincidentemente numa viagem à China. FHC acusou o golpe: seus deslocamentos internacionais seguintes foram feitos a bordo de um A330-300 fretado da TAM. Na ocasião o contribuinte arcou com 2 gastos: além da manutenção da frota oficial, despesas com licitações para alugueis de jatos intercontinentais privados, diga-se de passagem, caríssimos.

Quando a FAB anunciou a compra do ACJ-319 do consórcio europeu Airbus, apelidado “AeroLula”, além das críticas naturais, muitos nacionalistas reclamaram do governo por não ter escolhido um Embraer. Esqueceram – ou não faziam ideia – que a especialidade do fabricante nacional é em jatos regionais. Comprar um Embraer para viagens internacionais acarretaria o mesmo problema da missão China: várias escalas com custos bem mais altos.

A FAB optou por uma espécie de meio termo e levou em conta os deslocamentos presidenciais pelo Brasil, em que o ACJ encontra operacionalidade satisfatória em todos os aeroportos domésticos. Para as viagens longas, a Força Aérea entendeu ser melhor submeter as comitivas presidenciais a uma série de escalas. Se fosse para Wuhan, o avião presidencial de hoje precisaria de 2 escalas. À época da negociação de substituição da frota, faltou disposição para comprar um jato maior, com mais autonomia para trechos internacionais. Os Embraer poderiam atender os trechos domésticos.

O ACJ da presidência comprado por Lula e hoje utilizado por Jair Bolsonaro tem limitação de autonomia e espaço físico. Dispõe de apenas 18 poltronas para levar uma comitiva mínima, o que é pouco. Além do chefe do Poder Executivo, esses grupos incluem ministros, assessores, parlamentares, convidados e o staff do Planalto, como seguranças, equipe médica e tradutores, entre outros.

Pior do que não ter um jato ideal é fazer populismo com uma bela aeronave oficial.

O presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, fez campanha prometendo que iria se desfazer do avião oficial, um Boeing 787 Dreamliner, última palavra na aviação em termos de tecnologia, segurança, baixo consumo de combustível e menor emissão de CO2. Aos eleitores, Obrador teve a insolência de afirmar que “nem Donald Trump tem um avião desses”, numa comparação com o maior, mais caro e muito mais equipado tecnologicamente Boeing 747 americano, o mundialmente conhecido Air Force One. A falácia do presidente pode ter enganado apoiadores leigos, mas numa espécie de castigo pelo descaramento, esbarrou em dificuldades legais e de mercado, e não conseguiu vender o excelente aparelho mexicano até hoje.

O Brasil poderia optar por mais agilidade com economia a médio e longo prazos nas nobres missões da FAB, como essa recente operação concluída na China.

Ou o barato continuará saindo caro.

FONTE: R7

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