Sérgio Santana*

Embora a estrutura organizacional da Força Aérea do Exército de Libertação Popular chinesa (PLAAF) não possua (ainda) um comando sob o qual reúna as aeronaves de bombardeio estratégico atualmente operacionais na sua ordem de batalha (tal como a Força Aérea dos Estados Unidos tinha o “Comando Aéreo Estratégico” e a Real Força Aérea o “Comando de Bombardeiros”) é inegável que o Xi’an Hongzhaji H-6 (pronunciado “Rongjaji”, bombardeiro no idioma mandarim) tem desempenhado esta função, notadamente por causa das disputas de hegemonia motivadas pela situação de Taiwan (considerada pelo governo chinês como uma “província rebelde” e uma nação autônoma pelo Ocidente) e da soberania das águas territoriais do Mar do Sul da China (envolvendo Vietnã e Filipinas, dentre outros países).

Isto naturalmente aumenta o interesse dos estudiosos e aficionados em temas militares, muitos dos quais já conhecem os bombardeiros estratégicos norte-americanos que provavelmente seriam empregados caso um conflito entre as duas potências seja realmente deflagrado, os Rockwell B-1B Lancer, Northrop B-2 Spirit e Boeing B-52H Stratofortress.

Entretanto, para uma boa parte dos interessados em tecnologia militar e ainda mais para o grande público, a contraparte chinesa daquelas aeronaves, o H-6, permanece envolto em segredo.

A sua história remonta a 1956, quando a liderança soviética propôs uma força nuclear conjunta entre a China e a União Soviética, o que foi recusado pelos líderes chineses. Em lugar da proposta, em setembro de 1957, os soviéticos concordaram em estabelecer uma linha de montagem do bombardeiro médio Tupolev Tu-16 (“Badger” para a OTAN) na cidade chinesa de Harbin. Três exemplares da aeronave chegaram à China entre janeiro e maio de 1959.

Embora o primeiro exemplar do Tu-16 fabricado na China só tenha voado oficialmente pela primeira vez em 24 de janeiro de 1968, devido a contratempos políticos e à decisão de mover a linha de montagem para Xi’an, dois deles foram montados ainda em 1959 e em meio aos tradicionais testes de aceitação de fábrica, que precediam às avaliações operacionais, um daqueles bombardeiros foi equipado com um compartimento de bombas refrigerado para armas nucleares. Assim, no que foi o primeiro passo na direção do emprego do H-6 como o único vetor estratégico chinês para armas nucleares até aquele momento, o tipo lançou no campo de testes de Lop Nor a primeira bomba nuclear aerotransportada chinesa, designada A29-23, com potência de 22 quilotons, em 14 de maio de 1965, bem como o primeiro artefato termonuclear chinês, conhecido como H639-23, com a potência de 3.3 megatons, em 17 de junho de 1967.

As versões nucleares do H-6

A primeira variante do H-6 destinada ao emprego de armamento nuclear foi a H-6E, equipada com navegação inercial/GPS, contramedidas eletrônicas e de apoio aperfeiçoadas, cockpit remodelado e motores mais potentes, entrando em serviço no final da década de 1980.

A década seguinte presenciou a introdução do H-6H, capaz de levar dois misseis sob as asas, mas sem armamento no compartimento de bombas ou armamento defensivo, originalmente composto por sete torretas com canhões AM-23 de 23mm.

Das versões estratégicas do H-6 a mais recente é a “K”, grandemente remodelada e a única que permanece em produção, introduzida em 2012 para uma vida operacional além do ano de 2020: o seu cockpit para três tripulantes possui seis mostradores multifuncionais, radome maior e a aeronave é propulsada por dois motores D-30KP-2, os mesmos do transporte Ilyushin Il-76 “Candid”, que produzem 12000 kgf de empuxo máximo.

O H-6, em qualquer uma de suas versões, alcance de travessia de 4300 km, desempenho similar ao de um caça-bombardeiro da família Flanker, o que pode inviabilizar a sua inclusão na classificação geralmente aceita de um bombardeiro estratégico. Outras características técnicas incluem velocidade de cruzeiro de Mach 0,75 (795 km/h); máxima de Mach 0,80 (848 km/h); teto de serviço de 12800 m; peso vazio de 36600kg e máximo de decolagem de 75800 kg; carga de armas de 5500 kg transportados exclusivamente nos 6 pontos fixos subalares e que são compostos por mísseis de cruzeiro CJ-10K, YJ-63/KD-63 e mísseis antinavio YJ-12 e CM-802.

Aviônicos e Armamento

O H-6K possui TV/FLIR, SATCOM e datalink, MAWS e RWR. No que concerne ao armamento, o H-6E era armado com bombas nucleares de queda livre apenas, derivadas dos já mencionados artefatos lançados em testes.

O H-6H pode ser armado com dois misseis CHETA YJ-63/KD-63, considerados os primeiros misseis chineses de cruzeiro de longo alcance.

A arma, que entrou em operação em 2004/2005, mede sete metros, possui altitude de lançamento entre 200 e 500 m, alcance entre 20 e 185 km, velocidade de 900 km/h, altitude de voo entre 7 e 1.000 m, com múltiplos sistemas de direcionamento conforme a fase do voo (inicialmente inercial, depois datalink de comando, seguido de GPS e por fim TV). A ogiva pesa 500kg.

O H-6K não transporta armas internamente e recebeu seis pontos fixos externos subalares para misseis YJ-63/KD-63 ou CASIC CJ-10K. Este míssil, baseado no russo Kh-55, entrou em serviço em 2013 e usa navegação inercial, comparação de relevo e correlação digital de cena e mapeamento na última fase do voo. Mede 6.30 m, possui alcance de 2.500 km, velocidade de Mach 0.8 e ogiva de 500 kg ou nuclear de potência desconhecida, mas estimada em 200-300 quilotons. A precisão é de dez metros.

Procedimentos chineses de autorização do emprego de armamento nuclear

A China mantém a doutrina de não ser a primeira parte a lançar mão de armas nucleares num conflito.

Em tempo de paz, as armas de mísseis nucleares da Segunda Força de Artilharia não são apontadas a nenhum país. Mas se a China sofrer uma ameaça nuclear, a força de mísseis nucleares da Segunda Força de Artilharia entrará em estado de alerta e se preparará para um contra-ataque nuclear para impedir o inimigo de usar armas nucleares contra a China. Se a China sofrer um ataque nuclear, a força de mísseis nucleares da Segunda Força de Artilharia usará mísseis nucleares para lançar um contra-ataque resoluto contra o inimigo, independentemente ou junto com as forças nucleares de outros serviços.

Para viabilizar esta atitude, o centro de comando e controle central de todas as forças chinesas, incluindo o Segundo Corpo de Artilharia (Second Artillery Corps), responsável pelas armas nucleares terrestres, também conhecido como PLASAF (People’s Liberation Army Second Artillery Force, Segunda Força de Artilharia do Exército de Libertação do Povo), está localizado em Xishan, nas colinas a oeste de Beijing, de onde as ordens originam.

A comunicação direta com as seis bases de lançamento da PLASAF é transmitida através da sede do SAC e seu regimento de comunicações. No nível político, a autorização final para usar armas nucleares está sujeita ao comando da Comissão Militar Central.

Apenas o presidente da comissão tem o poder de emitir uma ordem para usar tais armas após os principais líderes chegarem a um consenso sobre o assunto. No entanto, é provável que tal decisão exija uma decisão de consenso com a Comissão Militar Central e outros altos militares mais idosos. Em tempos de guerra, um sistema que permite comunicações diretas, sem a participação de escalões comuns em tempos de paz, estaria em vigor, com o comando central comunicando-se diretamente com as unidades com armas nucleares.


*Bacharel em Ciências Aeronáuticas (Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL), pesquisador do Núcleo de Estudos Sociedade, Segurança e Cidadania (NESC-UNISUL) e pós-graduando em Engenharia de Manutenção Aeronáutica (Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC/MG). Único colaborador brasileiro regular das publicações Air Forces Monthly, Combat Aircraft e Aviation News.

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