F-16I Block 52 Sufa, com tanques conformais

Os tanques conformais nas laterais da fuselagem do F-16I Block 52 Sufa dão a ele um aspecto alienígena

Sérgio Santana*

Em atendimento a algumas solicitações para um texto acerca dos tanques conformais de combustível, resolvemos tratar tecnicamente do assunto, à altura dos leitores do Poder Aéreo.

Também conhecidos pela sigla em inglês CFT (Conformal Fuel Tank), os tanques conformais de combustível podem ser definidos brevemente como reservatórios de combustível cujo formato se adequa ao contorno externo da aeronave em que está instalado, em oposição aos tanques tradicionais “pendurados” em asas ou fuselagem, que embora tendo forma aerodinâmica, causam mais interferência na performance das aeronaves em que estão acoplados.

As forças envolvidas no voo e o projeto de aeronaves

Para a compreensão adequada dos benefícios da incorporação dos tanques conformais de combustível no desempenho de uma aeronave se faz necessária a menção às forças fundamentais envolvidas no voo de todas as aeronaves: a tração, o arrasto, a sustentação e o peso.

A tração é a força produzida pelo conjunto propulsor e se opõe diretamente ao arrasto, que é uma força de resistência contra o avanço do objeto para a frente, mas direcionada para trás. Aqui se tem a materialização da denominada Terceira Lei de Newton, popularmente conhecida como a Lei da Ação e da Reação, segundo a qual a toda ação corresponde uma reação em sentido oposto e na mesma intensidade. Em relação ao voo esse fenômeno pode ser demonstrado quando um sistema propulsor impulsiona uma aeronave para frente, como quando motor a jato expele gases na traseira de uma aeronave fazendo com que a mesma avance ou vá para cima no caso de um foguete. O arrasto atua paralelamente à velocidade aerodinâmica (velocidade relativa do vento no infinito), mas em sentido oposto.

Já a sustentação, gerada por motores e/ou por pressão aerodinâmica na parte inferior de uma asa, é a força que atua para cima, quando seu valor supera o peso gerado pela força da gravidade, o peso, que insiste em manter o objeto no solo. Atua perpendicularmente à velocidade aerodinâmica.

Além destas forças básicas, o deslocamento das aeronaves envolve a força lateral, que atua na direção da envergadura, perpendicularmente à velocidade aerodinâmica; o momento de arfagem, em que a aeronave levanta (momento positivo) ou abaixa o seu “nariz” (momento negativo); o momento de rolamento, em que a aeronave tende a desnivelar as asas, sendo considerado positivo quando existe a tendência de a asa direita ser abaixada; momento de guinada, definido quando o “nariz” da aeronave desloca-se para a direita (momento positivo) ou esquerda (momento negativo); forças atuantes em curvas (como o peso da aeronave, a força de sustentação e o deslocamento do centro de gravidade) e, por fim (mas longe de ser o de menor importância), o fator de carga, ou a força de aceleração gravitacional que aumenta a sustentação, sendo o valor que determina a magnitude e severidade das manobras ou turbulência que a aeronave irá sofrer.

São as cargas adicionais impostas à estrutura e que aumentam ou diminuem um carregamento já aplicado. Pode ser classificado em “fator de carga limite”, quando provoca a deformação permanente em uma ou mais partes da estrutura da aeronave e “fator de carga última”, quando excede em 1.5 vezes a carga limite, assim provocando ruptura em componentes da aeronave. O fator de carga pode ser definido resumidamente como a razão entre a sustentação produzida pela asa de uma aeronave e o seu peso. Neste caso o fator de carga será igual a 1G ou 9.8m/s.

F-15E Streke Eagle com tanques conformais ao lado das entradas de ar

Tal como todas as demais forças já descritas, o fator de carga sofre influência de diversas variáveis, a exemplo da densidade e velocidade do ar, área da asa, envergadura, corda (espessura da asa) e o coeficiente de sustentação. E também apresenta fórmula para cálculo, o que não vem ao caso aqui.

Todas estas influências são consideradas no projeto de uma aeronave militar, cujos requisitos operacionais costumam ser mais exigentes em relação aos de uma aeronave civil. É a velocidade prevista para um projeto aeronáutico que vai determinar as cargas que irá suportar; e no caso de aeronaves de caça e ataque, necessariamente velozes, uma atenção especial deve ser dispensada à rigidez estrutural, a fim de evitar problemas típicos da alta velocidade, tal como a divergência estática, pela qual a estrutura da asa torna-se instável à torção a medida que o ângulo de ataque diminui devido a aplicação de cargas.

E dentre todas as estruturas de uma aeronave as asas representam o item mais crítico e exposto a todas essas forças, momentos e fatores, pois são responsáveis diretas pela capacidade de uma aeronave decolar, manter-se e manobrar em voo e aterrissar, possuindo, na maioria das vezes a função de alojar trens de pouso e tanques de combustível, além de concentrar parte das superfícies de controle (como flaps, slats, ailerons, spoilers e respectivos atuadores, que também estão sujeitos a fatores de carga).

Portanto, torna-se evidente o porquê da instalação de cargas externas (como armamentos, pods e tanques de combustível) limitar o desempenho global das aeronaves, seja em velocidade, fator de carga e manobrabilidade, limite este que se atingir o “fator de carga última” resultará na ruptura estrutural da célula. É por isso que uma das cenas clássicas que antecedem um combate aéreo aproximado é o alijamento de tanques subalares ou ventrais de combustível.

Messerschmitt Bf 110D-0
Messerschmitt Bf 110D-0

Tanques Conformais de Combustível – Um pouco de história

Agora que a influência de cargas externas (como o tanque de combustível) na dinâmica de voo foi brevemente explicada, é necessário de abordar a origem dos tanques conformais de combustível.

Os primeiros modelos deste artificio para aumentar a autonomia e o alcance (e ao mesmo tempo provocarem mínimo acréscimo de arrasto aerodinâmico, assim resultando em economia de combustível e influência desprezível na velocidade) surgiram pouco antes da Segunda Guerra Mundial quando caças bimotores Messerschmitt Me-110D-0 foram equipados com um tanque conformal de 1.050 litros com uma carenagem ventral que se prolongava de uma área pouco à frente do cockpit até o compartimento do artilheiro de ré. Verificou-se que o equipamento provocava um arrasto considerável, o que resultou na sua retirada no modelo D-1, tendo sido substituído por uma versão mais refinada, presente no Me-110 D-1/R-1.

Outro modelo de aeronave equipado com um tanque conformal de combustível, mas do lado Aliado, foi o Supermarine Seafire (versão naval do Spitfire) que possuía um reservatório de 409 litros acoplado entre as asas. Curiosamente, o tanque poderia ser alijado, característica dos tanques subalares e ventrais comuns.

Gloster Meteor Mk 8 da FAB, com tanque conformal sob a fuselagem

Antes que a guerra acabasse, o recurso migrou também para aeronaves a jato, a exemplo do Gloster Meteor (o primeiro caça a jato da FAB), cujo tanque conformal continha 796 litros. O período pós-guerra testemunhou a continuação da presença do equipamento em aeronaves inglesas, como os interceptadores English Electric Lightning (instalado na seção posterior da fuselagem, mas que também poderia receber tanques acima das asas) e Gloster Javelin (dois reservatórios acoplados embaixo da fuselagem), embora tenha também sido aproveitado em aviões militares chineses, a exemplo da aeronave de ataque Nanchang Q-5 “Fantan” (uma versão modificada do Mikoyan Gurevich MiG-19 “Farmer” soviético), cujo tanque conformal pode ser instalado no compartimento de bombas e se estende por boa parte da fuselagem posterior.

F-15E recebendo um CFT

Entretanto, o tanque conformal de combustível mais famoso de todos talvez seja o instalado nas laterais das entradas de ar do McDonnell-Douglas (agora Boeing) F-15 Eagle, designado FAST (Fuel And Sensor Tactical pack, pacote tático de combustível e sensor), que tal como a sigla indica também pode acomodar sensores. O FAST foi testado em voo no Eagle ainda no decorrer do processo de desenvolvimento da aeronave na década de 1970, mas versões mais modernas de outras aeronaves contemporâneas também sido fabricadas com o mesmo recurso, tais como os CFTs presentes nos Lockheed Martin F-16 Fighting Falcon de blocos mais recentes; o mesmo se aplica a aeronaves de concepção posterior ao “Viper”, como o Eurofighter Typhoon e o Dassault Rafale, cujo desempenho equipado com CFTs tem sido avaliado nos últimos anos.

Outro modelo igualmente mais recente, o Saab JAS 39 Gripen, representa um caso curioso quando o tema é a adoção de CFTs, pois originalmente havia uma pretensão de equipar com este recurso a evolução desta aeronave, conhecida como “Gripen 2010”. Entretanto, o modelo finalizado da proposta, Gripen NG, acabou por adotar outra solução de engenharia para aumentar o alcance, já conhecida de todos.

E, por fim, como o CFT funciona? De um modo geral, o tanque conformal de combustível é conectado às linhas (tubulações) do sistema de combustível da aeronave, de modo que todos os parâmetros do combustível armazenado naquele compartimento (incluindo temperatura e quantidade) sejam continuamente gerenciados, assim evitando, respectivamente, superaquecimento ou alterações no bombeamento do fluxo de combustível, que poderiam iniciar um incêndio ou determinar desequilíbrio no centro de gravidade da aeronave, pondo em risco a sua capacidade de se manter em voo.

Concepção do Gripen 2010 com CFTs

*Bacharel em Ciências Aeronáuticas (Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL), pesquisador do Núcleo de Estudos Sociedade, Segurança e Cidadania (NESC-UNISUL) e pós-graduando em Engenharia de Manutenção Aeronáutica (Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC/MG). Único colaborador brasileiro regular das publicações Air Forces Monthly, Combat Aircraft e Aviation News.

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