Saab Global Eye

Saab Global Eye

Por Sérgio Santana*

Às 11:00 hs (horário local) de 3 de janeiro deste, a aeronave “SE-RMZ”, segundo protótipo do Saab GlobalEye, decolou das instalações do fabricante sueco em Linköping para um voo de 2h54m. O voo inagural daquele que é descrito como “o primeiro sistema de vigilância aérea verdadeiramente multifuncional” ocorreu em 14 de março de 2018, quando o “SE-RMY” voou por 1h46m.

Um pouco de história

Na verdade, o GlobalEye representa a terceira geração de sistemas aerotransportados suecos de vigilância aérea, cujo conceito inicial nasceu das recomendações do estudo “Luftförsvaret Inför Nästa Sekel” (“Da Defesa Aérea para o Próximo Século”, publicado em 1977), que sugeriu o desenvolvimento de um radar que proporcionasse longo alcance e vigilância constante, sendo compacto o suficiente para ser montado em uma aeronave de caça. Esta solução foi rejeitada até que em 1982 uma moção movida pela parlamentar Margaretha af Ugglas propôs que este radar fosse embutido em uma antena dorsal instalada em uma aeronave de transporte turboélice.

Três anos depois a então Saab Ericsson recebeu das Forças Armadas suecas a encomenda para o desenvolvimento de um radar de varredura eletrônica ativa para as funções de alerta antecipado e controle, o primeiro do seu tipo. O voo inaugural do sistema batizado PS-890 Erieye e instalado no Fairchild-Swearingen Metro III “883”, ocorreu em 1991, com a campanha de ensaios em voo se estendendo até 1993, quando a Real Força Aérea sueca encomendou seis sistemas a serem instalados a bordo do turboélice Saab 340, que foram entregues em 1997 e denominados Saab S-100B Argus (em referência a Argus Panoptes, gigante da mitologia grega caracterizado por cem olhos espalhados pelo corpo, simbolizando a vigilância permanente).

Esta foi a primeira geração do radar Erieye, caracterizada principalmente pela varredura da antena, limitada a 120 graus de cobertura em cada lado, e pela ausência de operadores dos sistemas, os dados eram enviados por datalink às estações terrestres.

Saab 340 AEW&C
Saab 340 AEW&C – Foto: Alexandre Galante

A geração seguinte do sistema surgiu com o projeto SIVAM no começo dos anos 1990, quando o Erieye, instalado nos hoje denominados E-99 da FAB (versão modificada do Embraer EMB-145LR) teve aumentada a sua cobertura para 300 graus e passou a contar com operadores a bordo, característica que foi aproveitada nas aeronaves suecas, redesignadas S100D, estando também presente no único exemplar do tipo operado pela Força Aérea do México (igualmente um Embraer EMB-145LR modificado), onde é apelidado de “Fortaleza”.

Curiosamente, requerimentos específicos da OTAN resultaram não apenas em operadores a bordo como nos modelos já mencionados, mas também em uma pequena ampliação da capacidade de varredura dos radares Erieye instalados nos quatro EMB-145H operados pela Força Aérea da Grécia, que possuem 360 graus de cobertura, devido a progressivos avanços no processamento dos sinais da antena.

E-99 do Esquadrão Guardião – Foto: Nunão

Surge o conceito GlobalEye

O GlobalEye foi anunciado em novembro de 2015, durante o show aéreo de Dubai, tendo sido descrito como “Swing Role Surveillance System” (Sistema de Vigilância com Capacidade de Alternância de Funções) baseado na aeronave executiva Bombardier Global 6000.

Aeronaves de Vigilância possuem funções primárias definidas: podem detectar outras aeronaves (como os já mencionados Embraer E-99/H e Saab S100B/D); alvos se deslocando no solo (como o Embraer R-99, o Northrop Grumman E-8C JSTARS ou ainda o Raytheon Sentinel R.1) ou no mar (a exemplo dos Lockheed P-3 Orion, Boeing P-8 Poseidon e Ilyushin Il-38 Coot). Eventualmente, podem tem equipamentos para executar Inteligência Eletrônica (tal como os E/R-99 e o Boeing E-3 Sentry) e radares com modos operacionais para detectar simultaneamente alvos movendo-se no ar, no solo e na água (o russo Beriev A-50 é um exemplo dessa capacidade).

Entretanto, uma coisa é possuir um radar com modos para atuar desta forma outra coisa, completamente distinta, é ser equipado com dispositivos projetados para atuar contra alvos de natureza distinta entre si. É aí que reside o pioneirismo do Global Eye.

Para as suas missões ele conta três equipamentos: os radares Erieye ER, SeaSpray 7500E e o sensor infravermelho FLIR Systems Star Safire 380HD.

O primeiro dispositivo é uma evolução do radar PS-890 Erieye, que teve substituído o Arsenieto de Gálio na composição dos seus 192 módulos transmissores/receptores pelo Nitreto de Gálio. Junto com avançadas técnicas de processamento de sinais o novo Erieye agora é capaz de detectar veículos terrestres, além de alvos aéreos de todos os tipos (incluindo até mesmo aqueles classificados como de “baixa visibilidade”, VANTs e mísseis de cruzeiro em variadas faixas de altitude e velocidade) e embarcações de todos os tamanhos, até mesmo uma moto náutica ou bote inflável ou ainda um mero periscópio.

O fabricante afirma oficialmente que a nova versão possui um aumento de 70% sobre o alcance do radar original, daí a sigla ER, “Extended Range”, alcance extendido. Considerando que o modelo anterior do Erieye tem alcance instrumentado de 450km e alcance máximo de 509km, um cálculo simples permite deduzir que o Erieye ER possui alcance de 765km e 865km em ambas as condições, respectivamente.

No que concerne a modos operacionais, o novo radar apresenta o modo de Indicador de Alvos Móveis Terrestres em adição aos modos Marítimo, Alerta Antecipado Estendido, Rastreio e Varredura, Aéreo, Agilidade de Frequência, Exibição de Seção Cruzada do Radar, Busca Estabilizada no Solo ou na Plataforma já existentes. Em se tratando da capacidade de detecção simultânea de alvos não há nada oficialmente confirmado; entretanto é bem provável que esteja acima dos mil alvos obtidos detectados pelo radar Erieye instalado nos EMB-145H gregos. Curiosamente, o Erieye ER apresenta varredura reduzida a 300 graus.

Já o radar naval SeaSpray 7500E, construído pela empresa italiana Leonardo, aumenta a potencialidade do modo Marítimo do Erieye ER. Instalado em um compartimento na parte inferior da fuselagem à frente do alojamento do trem de pouso principal é também do tipo Varredura Eletrônica Ativa, apresentando cobertura de 360 graus e atuando na Banda X, com os seguintes modos operacionais: rastreio e varredura automática; identificação de rastreio integrada ao AIS (sistema de identificação automática, presente em navios de determinadas categorias); emprego simultâneo de dois modos operacionais; vigilância de superfície com busca de longo alcance, prioridade de rastreio e modo de alvos pequenos; navegação baseada em mapa terrestre real; detecção meteorológica; detecção de turbulência; detecção de radiofarol com transponder de busca e salvamento; classificação e imageamento de alvo com abertura sintética invertida e caracterização do alcance; mapeamento do solo com abertura sintética localizada, de alta resolução, por faixa do terreno, de área ampla com resolução média, detecção de mancha de óleo e detecção de iceberg; detecção de alvos móveis no solo e em voo. O radar apresenta alcance máximo de 592km e detecção simultânea de 300 alvos.

Leonardo Seaspray 7500E

Por fim, o Star Safire 380HD é descrito como possuindo um imageador termal atuando na região média do espectro infravermelho e vários equipamentos opcionais que podem incluir um designador de alvos a laser com 25 km de alcance e câmeras de alta definição. Embora o alcance do equipamento não seja divulgado é fora de questão que está bem além dos 92 km oferecidos pelo AN/AAQ-22 Star SAFIRE II FLIR, instalado no EMB-145SA mexicano e no R-99 da FAB.

Obviamente que um sistema com tamanha concentração de equipamentos representa um alvo de alto valor que necessita de um sistema de auto-proteção compatível com a sua importância.

Considerando isto o GlobalEye está equipado com uma suíte de sensores e dispensadores de contramedidas projetada pela própria Saab, composta pelos dispositivos RWS-300, RWS-310, MAW-300 e BOP-L.

O RWS-300 atua como um alerta simultâneo contra variados tipos de radares que estejam direcionados contra a aeronave, possuindo probabilidade de interceptação de sinais próxima a 100%, por meio de quatro antenas que fornecem cobertura de 360º. As frequências cobertas abrangem 0.7–40 GHz para radares de pulso e 0.7–18 GHz para sinais de onda contínua.

Por sua vez, o RWS-310 é composto também por quatro sensores projetados para fornecer alerta contra emissões múltiplas de raio laser no espectro de 0.5-1.7 mícrons direcionadas para o GlobalEye. O sistema fornece classificação e indicação de direção de dispositivos designadores de alvos a laser, telêmetros laser e equipamentos de laser empregados para guiar mísseis, possibilitando que o piloto execute manobras evasivas para romper a linha de visada do operador do míssil.

O MAW-300 é um alerta de aproximação de míssil, igualmente com quatro sensores espalhados pela aeronave, cada um fornecendo 110º de cobertura, que se estende para abaixo da própria aeronave. Cada sensor detecta e processa dados relativos a múltiplos alvos e os integra em tempo ao sistema de navegação inercial da aeronave para compensar mudanças em movimento, atitude e altitude. O seu tempo de reação é otimizado ao manter constante o tempo para o impacto do míssil, não importando o alcance deste, de modo a assegurar a eficácia dos flares lançados. O equipamento, composto por sensores que podem ser acoplados à fuselagem da aeronave apresenta probabilidade de alerta próxima aos 100%.

Por fim, as contramedidas BOP-L também são comandadas por um modo específico no Controlador de Guerra Eletrônica, a partir da identificação de ameaça, que vai determinar a combinação de chaff/flare a serem ejetados. Outra possibilidade de emprego das contramedidas ocorre de acordo com os dados carregados na biblioteca de ameaças da aeronave. A ejeção de chaff/flare pode acontecer de modo semi-automático ou manual, a cargo do piloto da aeronave e as cargas podem ser ejetadas em caso de emergência.

Todas as funções do GlobalEye são coordenadas pelo novo sistema de Comando e Controle 9AIRBORNE MMS, que conecta a aeronave a uma complexa rede de radares (como o Giraffe), de caças (como o Gripen), mísseis anti-aéreos (como o BAMSE) e outros sistemas, através de datalinks dedicados como o Link 11 e Link 16. E podem ser comandadas por qualquer um dos cinco displays dos operadores, que também possibilita planejamento e avaliação de missão. Além das estações de trabalho, a tripulação de missão conta com área de descanso com seis assentos, galley e lavatório, facilidades indispensáveis para missões que duram mais de 11 horas.

O GlobalEye, montado no Bombardier Global 6000, apresenta velocidade máxima de Mach 0.89 (944 km/h), Mach 0.88 (933 km/h, cruzeiro de máxima performance) ou Mach 0.85 (901 km/h, cruzeiro típico). Decola em 1.974 metros e pousa em 682 metros e possui teto de serviço de 15.545 metros e é propulsada por dois turbofans Rolls-Royce BR710A2-20, cada um gerando 6.690kg de empuxo.

As versões do GlobalEye

O GlobalEye da Saab vem em três configurações diferentes, para atender às necessidades específicas do cliente. A configuração principal fornece uma capacidade completa de AEW&C para vigilância aérea, marítima e terrestre. Uma outra configuração adiciona maior capacidade marítima e terrestre ao padrão de linha de base, através de um radar de vigilância marítima extra e outros sensores eletro-ópticos. Uma terceira configuração, ainda baseada na configuração principal, fornece capacidade de Inteligência de Sinais (SIGINT) aprimorada com novos sensores para Inteligência de Comunicações (COMINT) e Inteligência Eletrônica (ELINT).

Como ficou evidente o GlobalEye concentra numa só aeronave potencialidades que costumam estar em modelos específicos. Assim, a aquisição de um sistema como esse possibilita a redução de custos de aquisição, operacionais (treinamento de tripulações de voo e de missão e peças sobressalentes), um item cada vez mais crítico em tempos de orçamentos de defesa racionalizados ano a ano.

Saab GlobalEye dos Emirados Árabes Unidos, otimizado para ELINT e SIGINT
Saab GlobalEye dos Emirados Árabes Unidos, otimizado para ELINT e SIGINT

*Bacharel em Ciências Aeronáuticas (Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL), pesquisador do Núcleo de Estudos Sociedade, Segurança e Cidadania (NESC-UNISUL) e pós-graduando em Engenharia de Manutenção Aeronáutica (Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC/MG). Único colaborador brasileiro regular das publicações Air Forces Monthly, Combat Aircraft e Aviation News.

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