EMB-110P2 da Brit Air

EMB-110 Bandeirante da Brit Air

Por Bento Mattos

Em agosto de 1969, a Embraer foi criada. O início das atividades de fabricação de aviões deu-se após a conclusão de algumas obras de infra-estrutura civil, em janeiro de 1970. A Empresa contava com 150 profissionais contratados, dentre a equipe que trabalhou no projeto do primeiro protótipo do Bandeirante no Centro Técnico de Aeronáutica (CTA).

A criação da Embraer estava fundamentada na fabricação do bimotor Bandeirante, mas logo a sua carteira de produtos aumentou, incorporando o planador Urupema, o avião agrícola Ipanema e o jato de combate Xavante.

O início da Embraer sinalizou a modernização da Força Aérea Brasileira (FAB), que operava, desde longa data, vários tipos obsoletos de aviões, a maioria oriunda da Segunda Guerra Mundial.

Freqüentemente, a FAB adquiria aeronaves estrangeiras sem armamento e um grande esforço pós-compra era necessário para armá-las. O Gloster Meteor – o segundo caça a jato da história da aviação – formava a “linha de frente” da FAB, no início dos anos 70.

Os Meteor foram substituídos pelo Mirage III, que entrou em operação na FAB em 1973, e pelo Northtrop F-5. A produção seriada do EMB 326 Xavante veio para atender à modernização do segmento intermediário de aviões de combate, necessária por conta da aquisição dos Mirage, aposentando, desta maneira, o North American T-6 e o Lockheed F-80 Shooting Star.

O T-6, que também serviu na Esquadrilha da Fumaça, foi utilizado na instrução de pilotos militares na Segunda Guerra; o F-80 foi o primeiro jato de combate operacional norte-americano.

Mirage IIIEBR F-103E da FAB em 22 de abril de 1974. Foto: A. Camazano
Northrop F-5E da FAB. Foto: Northrop

O Bandeirante também marcou a modernização da FAB em termos de avião de transporte e ligação, calibração de sistemas de aeroportos e patrulha marítima. O bimotor brasileiro substituiu o DC-3, o avião de patrulha Lockheed Neptune e o avião de transporte de pára-quedistas Fairchild C-119. O DC-3, que também fazia missões no Correio Aéreo nacional, é da década de 30; o Neptune foi projetado durante a Segunda Guerra, tendo feito o seu primeiro vôo em maio de 1945; o Fairchild C-119 voou pela primeira vez em 1947 e foi também substituído pelo DHC Buffalo na FAB.

A modernização da FAB continuou em projetos subseqüentes da Embraer, para citar apenas um exemplo, o EMB 312 Tucano, substituiu os antiquados Cessna T-37 na Academia da Força Aérea. A Embraer também dotou a FAB de aeronaves das quais ela nunca dispôs de forma efetiva, como é o caso do Super Tucano e os aviões de vigilância R-99A (EMB 145 SA) e R-99B (EMB 145 RS). A Embraer não apenas atende às suas especificações, como também propõe configurações de aeronave que podem vir a ser de interesse da FAB, um verdadeiro laboratório de ideias.

Em meados da década de 70, a Empresa propôs alternativas para substituição dos PBY Catalina e outros aviões de transporte obsoletos em uso pela FAB. As várias versões do CX, assim denominado na Empresa, eram variações com diferentes motores, tanto em número quanto em tipo, de uma configuração de asa alta com uma rampa de carga traseira.

Para marcar seu avanço nos primeiros anos de existência, em 1976, a Embraer registrou a entrega do 100º Bandeirante, do 100º Xavante e do 300º Ipanema. O primeiro avião projetado e fabricado na Embraer, e também o primeiro avião pressurizado brasileiro, o EMB 121 Xingu, realizou o seu primeiro vôo em 1976. Um outro fato significativo foi a entrega do 1.000º avião durante a visita do Presidente da República à Empresa em 3 de dezembro do mesmo ano.

EMB-500, conceito de cargueiro quadrimotor

Deitado nas Nuvens

Urupema é uma palavra de origem indígena, que segundo registros históricos, seria a designação de um pássaro na língua tupiguarani, e por isso escolhida para nomear a aeronave. O planador Urupema foi projetado por um grupo de engenheiros do CTA, entre os quais Guido Fontegalante Pessotti, na ocasião, professor do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), objetivando proporcionar aos pilotos brasileiros uma aeronave de alto desempenho capaz de competir em torneios internacionais.

A construção do planador iniciou-se em 1965 e o primeiro voo de ensaio ocorreu em 1968. Pessotti, Eckhardt Schubert e Cláudio Junqueira, formados no ITA, participaram dos voos de ensaio. Para redução do arrasto aerodinâmico através da menor seção transversal, colocou-se o piloto na posição deitada.

O IPD 6505 Urupema é um planador monoposto de asa alta, construído em madeira e sanduíche de contraplacado/espuma plástica/ contraplacado com enchimentos de isopor na asa. O planador possui bateria, rádio e horizonte artificial e foi a primeira aeronave fabricada pela Embraer. Para atender a uma encomenda do Ministério da Aeronáutica (MAer), foram construídas cerca de 12 unidades (10 de série e dois protótipos), designadas EMB 400.

Joseph Kovacs adquiriu o protótipo de ensaios estáticos, introduzindo várias modificações, entre as quais uma extensão de ponta de asa, vedação do aileron e reposicionamento do desligador. Também modificou a fuselagem dianteira, dotando-a de um novo nariz, reprojetando o “canopy”, permitindo que o piloto se acomodasse mais sentado. Muitas destas modificações contribuíram para compensar o maior arrasto causado pelo aumento da seção transversal.

Planador Urupema

Revolução Agrícola
Após o Urupema, o próximo aparelho a sair da linha de produção da Empresa foi o avião agrícola EMB 200 Ipanema, que realizou o seu primeiro vôo em julho de 1970, com o primeiro exemplar de série entregue em janeiro de 1972. Os primeiros estudos para a fabricação do Ipanema começaram no ITA, em meados da década de 70, solicitados pelo MAer, devido à preocupação com o atraso tecnológico do setor agrícola. Seguindo as linhas básicas do projeto do ITA, nasceu o Ipanema EMB 200 da Embraer com hélice de passo fixo e um motor Lycoming de 260 hp.

Em seguida, a Embraer lançou o EMB 200A com hélice de passo variável, que proporcionava ao aparelho uma série de vantagens, inclusive maior razão de subida. Em 1974, lançou no mercado o EMB 201. Ele conservava a hélice de passo variável e incorporava uma série de modificações: motor de 300 hp, rodas maiores (herdadas do Bandeirante), sistema de injeção direta de combustível, trem de pouso reforçado, cabina com maior visibilidade e capacidade de transportar carga paga de 750 kg.

Em 1975, José Renato de Oliveira Melo, um dos grandes responsáveis pelo projeto do Xingu, atualmente na Diretoria de Projetos Avançados (DAP), e Sidney Nogueira, do Programa de Especialização em Engenharia (PEE), realizaram modificações do aerofólio da asa do Ipanema para melhorar as suas características em baixa velocidade. Nogueira utilizou pioneiramente, na ocasião, um programa de cálculo computacional para determinar as características de perfis aerodinâmicos.

Ipanema, primeiro voo

Em 1975, o Ipanema se consolidou definitivamente no mercado interno. Nesse ano, o número de aviões agrícolas no Brasil quase duplicou, sendo produzidas 82 unidades do Ipanema. Em 1976, foram produzidos mais de uma centena de exemplares do avião agrícola nacional, todos comercializados no mercado interno.

Atendendo a sugestões de diversos operadores, colocadas em um simpósio de Aviação Agrícola, a Embraer efetuou uma série de modificações no EMB 201 lançando uma nova versão do Ipanema, a quarta, denominada de EMB 201A. A montagem final desta aeronave foi transferida para a Indústria Aeronáutica Neiva, em março de 1980, após a companhia haver sido absorvida pela Embraer.

A Neiva já havia sido contratada para fabricar a treliça e a Aerotec, desde o início, fabricou as asas do avião agrícola. Mais de 1.000 Ipanema foram entregues e a nova versão, o EMB 202 Ipanemão, continua sendo produzida. Algumas unidades foram exportadas para o Uruguai e Bolívia. A Neiva está oferecendo uma nova variante com motor a álcool.

A Produção Seriada do EMB 110 Bandeirante

Linha de montagem do EMB-110 Bandeirante

O segundo protótipo do Bandeirante voou em 19 de outubro de 1969 e o terceiro protótipo fez seu primeiro vôo no dia 29 de junho de 1970. Este último possuía a pintura mais estilizada e a matrícula civil era PP-ZCN. Foi vendido à Comissão Nacional de Atividades Espaciais, hoje Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), que o fez equipar com instrumentos de sensoriamento remoto.

Após a construção dos três protótipos (EMB 100), que podem ser considerados demonstradores de conceito, fez-se necessário modificar a configuração do avião para torná-lo atraente para o mercado civil e militar e permitir a sua fabricação seriada. A tarefa ficou a cargo do engenheiro Pessotti, que havia também participado do projeto e construção do Panelinha, um monomotor de decolagem curta que começou a ser desenvolvido por alunos do ITA sob orientação do Prof. René Vandaele como trabalho de graduação. Fazia parte do grupo inicial, o engenheiro José Carlos Reis, que participou, também, dos projetos dos aviões Falcão, Uirapuru e Ipanema.

Os dois primeiros protótipos do EMB-100 Bandeirante voando sobre o Rio de Janeiro

Ao final de 1971, avançava a fabricação das peças e componentes para o Bandeirante, já reprojetado, que incorporou várias melhorias que aumentaram o seu desempenho e tornaram a aeronave esteticamente mais atraente. Pessotti certa vez declarou que “não apenas foi necessário redesenhar o avião para facilitar as diferentes etapas de sua construção seriada, como tivemos também de modificar suas características originais. E as mudanças foram tão grandes que o primeiro exemplar de série quase nada conservava da aparência do protótipo original”.

O voo inaugural do “novo” Bandeirante deu-se em 9 de agosto de 1972. Designado EMB 110 (C-95 na versão militar) apresentava novo pára-brisa, novas naceles dos motores, que acomodavam por completo o trem de pouso principal, que de retrátil passava a ser escamoteável, além de uma fuselagem alongada capaz de acomodar até doze passageiros.

Em dezembro do mesmo ano, o CTA entregava à Embraer a homologação do aparelho e, em fevereiro de 1973, os três primeiros exemplares de série, de uma encomenda inicial de 80 aparelhos, eram entregues à FAB. A Transbrasil encomendou seis unidades, a FAB concordando em adiar o recebimento de parte dos aviões que havia encomendado, abrindo vagas na linha de produção para atender aos pedidos civis.

EMB-110 Bandeirante da Transbrasil

Os exemplares do Bandeirante da Transbrasil eram da versão EMB 110C, basicamente similares aos recebidos pela FAB, exceto por poderem transportar 15 passageiros em vez de apenas 12. O primeiro vôo comercial de um Bandeirante da Transbrasil ocorreu em abril de 1973. Foi um marco na história da aviação comercial brasileira: pela primeira vez, um avião projetado e fabricado no país voava regularmente numa companhia aérea brasileira.

Em 4 de novembro de 1973, a VASP tornou-se a segunda empresa aérea brasileira a operar o Bandeirante: a primeira unidade de 10 encomendas entrou em serviço na data dos 40 anos de fundação da VASP. Com o emprego de jatos de transporte no Brasil – aeronaves com maior custo operacional – no início dos anos 60, da inexistência da infra-estrutura adequada para a operação, além de baixa demanda, boa parte das cerca de 400 localidades no interior do país, antes servidas pela aviação regular, foram deixadas sem serviço aéreo.

O Sistema Integrado de Transporte Aéreo Regional (SITAR) foi criado por uma portaria do Departamento de Aviação Civil, em 1975, exatamente para suprir a demanda de transporte aéreo nessas localidades. O Bandeirante, aeronave ideal para este cenário, foi, então, comprado por todas as empresas regionais.

A crise de grandes proporções da aviação brasileira nos anos 60 foi o embrião das medidas que mais tarde conduziram ao SITAR. A crise foi causada por diversos fatores: baixa rentabilidade do transporte aéreo devido à concorrência excessiva; necessidade de novos investimentos para a renovação da frota, visando à substituição das aeronaves do pós-guerra, cuja manutenção tornava-se difícil e cuja baixa disponibilidade prejudicava a regularidade dos serviços; e alterações da política econômica do país.

EMB-110 Bandeirante no Museu da TAM

Para fugir à crise, as empresas aéreas e o Governo reuniramse para estudar mudanças na política reinante, de forma a garantir a continuidade dos serviços de transporte aéreo, mesmo que o número de empresas tivesse que ser reduzido e o Governo exercesse controles mais rígidos sobre elas. Conferências Nacionais de Aviação Comercial (CONAC) foram realizadas, que conduziram a uma política de estímulo à fusão e associação de empresas.

Iniciava-se o regime de competição controlada, em que o Governo passou a intervir nas decisões administrativas das empresas, seja na escolha de linhas, no reequipamento da frota, no estabelecimento do valor das passagens e outras medidas do gênero. Esta fase da aviação comercial brasileira conduziu ao SITAR e perdurou até o início da década de 80.

O SITAR dividiu o país em cinco regiões distintas, servidas por empresas aéreas regionais especificamente formadas: a VOTEC (centro-oeste); Rio-Sul (sul); a TAM Transportes Aéreos Regionais, empresa resultante da associação Táxi Aéreo Marília com a VASP, que lhe transferiu seus aviões Bandeirante (centro-sul); a Nordeste Linhas Aéreas Regionais, resultado de fusão da Transbrasil e do Governo do Estado da Bahia (nordeste); e finalmente a TABA, Transportes Aéreos da Bacia Amazônica (região norte). Nos anos que seguiram a criação do SITAR, as empresas que operam o sistema adquiriram nada menos que 53 aeronaves Bandeirante.

A popularidade do Bandeirante fez com ele permanecesse em produção contínua por praticamente dezoito anos, durante os quais foram fabricados e entregues 500 exemplares a clientes civis e militares, em 36 países. Várias versões foram desenvolvidas para os mercados civil e militar.

Talvez uma das mais notáveis seja o EMB 111 Bandeirulha, desenvolvido para patrulhamento e ataque marítimo. O Bandeirante tornou-se uma dos aviões mais vendidos na sua categoria e contribuiu enormemente para o desenvolvimento do transporte aéreo regional no mundo. Foi o avião que colocou a Embraer no cenário mundial de aviação e fez dela uma empresa de renome internacional.

EMB-111, P-95 Bandeirulha

O Xavante

O fim da vida operacional dos jatos Lockheed AT-33A, em uso nos principais esquadrões operacionais de caça da FAB, bem como a necessidade de aquisição de uma aeronave que fizesse a transição para a primeira aeronave supersônica da Força aérea Brasileira, que estava em fase final de seleção, levou as autoridades da Aeronáutica a iniciarem a escolha de uma aeronave de combate polivalente, que servisse também de ataque ao solo, já que os AT-6 estavam combatendo os movimentos guerrilheiros no país.

EMB-326 Xavante

Várias aeronaves foram avaliadas, porém o requisito de que a mesma tinha que ser montada no Brasil, inicialmente a partir de kits, passando a ser nacionalizada à medida que a produção avançasse, canalizou a escolha para um jato que já estava fazendo muito sucesso na Itália e em sete forças aéreas de outros países: era o jato de concepção italiana, o Aermacchi MB 326. A aeronave acomoda dois pilotos sentados em linha, além de cargas externas em seis diferentes pontos de fixação sob as asas, com uma capacidade máxima de 2.500 kg de armamento ou um casulo para equipamento de reconhecimento fotográfico.

Isso, aliado à velocidade máxima do MB 326 que é de número de Mach 0,82, amplo envelope operacional, e longa vida útil fizeram com que a escolha da FAB recaísse neste avião. O contrato com a Aermacchi foi efetivado em 1970 e a Embraer foi encarregada de assimilar a tecnologia da empresa italiana e montar um lote inicial de 112 aeronaves para a FAB. O modelo foi designado EMB 326GB Xavante pela Embraer e de AT-26 pela FAB.

A produção da aeronave teve início em ritmo acelerado e, em setembro de 1971, o primeiro avião montado no Brasil realizava o seu voo inaugural. No dia seguinte, data da Independência do Brasil, aconteceu o seu voo oficial nas cidades de São José dos Campos, Rio de Janeiro e São Paulo. A Embraer produziu 182 unidades do Xavante, dos quais 167 para a FAB, nove para o Paraguai e seis para o Togo. Onze aparelhos da FAB foram vendidos para a Argentina, em 1983. O MB 326 foi fabricado também sob licença na Austrália e na África do Sul.

Para a Embraer, a fabricação do Xavante trouxe vários benefícios: tecnologia de integração e ensaio de motor à reação; desenvolvimento de ferramental de fabricação para produção em larga escala; projeto de aviões de caça com base no Xavante (oferecidos à FAB, mas não levados adiante); elaboração de manuais técnicos. Naturalmente, estes são apenas alguns desdobramentos que o Xavante proporcionou à Embraer. Ele desempenhou um papel importante na consolidação da Empresa.

EMB-326 Xavante

FONTE: História da Embraer, 2006

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