Por Vanessa Adachi e João José Oliveira | Valor Econômico

Além do óbvio interesse da Boeing em liderar o segmento de jatos de até 150 lugares, a incorporação da Embraer se encaixaria na estratégia recente da gigante americana de verticalizar sua produção. Ou seja, fazer dentro de casa partes dos aviões que hoje são compradas de terceiros.

O movimento da Boeing, revelado em 2016, visa reduzir a dependência dos fornecedores, que têm tido dificuldades de acompanhar seu ritmo de produção e, talvez mais importante, se apropriar dos gordos ganhos dessa cadeia produtiva e impulsionar sua lucratividade. A estratégia é central para o esforço do CEO Dennis Muilenburg para levar a margem de lucro da Boeing em seu segmento de aviação comercial de 10% para 15%.

“Nas últimas décadas, a Boeing perdeu essa capacidade [de produzir peças] para os fornecedores. Mas a Embraer fabrica coisas que a Boeing não faz, como trens de pouso, interiores de aeronaves e os softwares de aviônica”, disse uma pessoa com conhecimento do assunto. Segundo uma outra fonte qualificada, a Embraer poderia se tornar a fornecedora dessas partes para novos projetos que a Boeing venha a desenvolver, já que mudar fornecedores de aeronaves em produção é mais complicado. “E isso aumentaria a produção nas fábricas do Brasil e ampliaria a exportação”, completou essa pessoa.

Ao mesmo tempo, a Boeing busca tornar-se menos americana para ser considerada uma companhia verdadeiramente global. Nos últimos anos, a Embraer não só internacionalizou sua produção, como absorveu partes da sua cadeia de suprimentos, duas estratégias que a tornam ainda mais complementar à Boeing.

Hoje, as partes produzidas por fornecedores representam mais da metade do preço das aeronaves vendidas pela Boeing e também por sua rival Airbus. Os fabricantes de componentes de aviões conseguem ser mais lucrativos em seus negócios do que as fabricantes dos aviões. Enquanto a margem de lucro das duas gigantes na aviação comercial tem andado ao redor de 9% a 10%, a dos fornecedores de primeira linha está mais próxima de 15%. Os fornecedores da Boeing ainda passam a contar com a receita perene de serviços de manutenção e reparos dessas peças e a americana também está de olho nisso.

Segundo a empresa de análise Canaccord Genuity, hoje essa receita de serviços responde por 56% do faturamento da GE e 40% da Honeywell, por exemplo (ver quadro). Nas fabricantes de aviões, chegam a no máximo 20%.

Muilenburg fixou uma meta de mais do que dobrar a receita de serviços da Boeing em cinco a dez anos, elevando-a a US$ 50 bilhões. Analistas têm dito que não há como atingir o objetivo sem aquisições.

“Não temos intenção de sermos verticais em tudo, mas onde podemos criar valor no longo prazo. Em alguns casos, faremos isso por parceria, em outros por aquisição, em outros casos internalizando partes da cadeia”, disse Muilenburg na última teleconferência de resultados com analistas, em 31 de janeiro.

Ele citou a compra da alemã Adient, líder mundial na produção de bancos para carros e dona da marca Recaro, para produzir assentos de aviões. Segundo reportagem de ontem do “The Wall Street Journal”, a Boeing está em conversas para adquirir outra fabricante de peças aeroespaciais, a Woodward.

Muilenburg disse na teleconferência de resultados que a Boeing vê na Embraer “uma combinação complementar de suas empresas com linhas de produtos complementares, capacidades verticais e de serviços”.

No balanço de 2017, a receita da Boeing com serviços somou US$ 14,6 bilhões – equivalente a 15,7% do faturamento anual da companhia. Mas essa unidade teve lucro operacional de US$ 2,26 bilhões – ou 4% mais que um ano antes -, com margem de 15,4%.

Com a Embraer, a Boeing também pode usar o plano de verticalizar a produção como resposta a dois desafios que enfrentam as fabricantes de aviões: consolidação de seus fornecedores e gargalos na cadeia de suprimentos.

De um lado, fornecedores estão se juntando para aumentar o poder de negociação com as fabricantes de aviões. Foram os casos da United Technologies, que anunciou a compra da Rockwell Collins – que por sua vez, em abril de 2017, já havia adquirido a Aerospace, produtora de cabines, por US$ 6 bilhões.

Outro problema é a dificuldade dos fornecedores em acompanhar o ritmo de aumento de produção das fabricantes, que bateu recordes em 2017. Depois de terem produzido e entregue 1.481 aviões ano passado, Boeing e Airbus prometem fabricar 1,6 mil unidades em 2018.

A Airbus, por exemplo, informou em janeiro que tem prontos 30 aviões A320neo que deixaram de ser entregues por falta de turbinas instaladas.

FONTE: Valor Econômico

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