Na foto, o J 29 Tunan, primeiro caça europeu com asas em flecha, e o JAS 39 Gripen, de gerações com 40 anos de diferença. A Suécia é um dos poucos países do mundo que sempre produziu seus caças a jato, destacando-se pela inovação dos projetos

Os mais famosos aviões de caça da história costumam ser os produzidos pelas grandes potências militares, desde o início da aviação de combate, nas primeiras décadas do século XX. Só que uma pequena porém altamente inovadora nação, a Suécia, coleciona alguns “clássicos” dos caças da era do jato. Como explicar isso?

A Suécia é um país orgulhoso da sua história, e que sempre procurou manter a neutralidade diante dos grandes conflitos mundiais, como a Segunda Guerra Mundial.
Porém, uma postura de neutralidade não significa estar despreparado para a guerra. Pelo contrário: para se garantir a posição de neutro, é preciso ter forças armadas preparadas para impor respeito a outros países que questionem essa postura e busquem envolver o país numa guerra. Na Suécia, essa tarefa nunca foi fácil, pois suas fronteiras são extensas, a população é relativamente pequena (cerca de 9 milhões de pessoas em 2012) e seu produto interno bruto não se compara ao das grandes potências. A ameaça de invasão e de aniquilação de seu povo esteve quase sempre presente ao longo da história do país.

Para agravar a situação, durante a Guerra Fria a Suécia teve que investir em sua defesa para dissuadir a União Soviética, que tinha intenções expansionistas claras, com grande probabilidade de invadir seu território. Como barrar o grande e poderoso “urso”? Surpreendentemente, e contra todos os fatores adversos, desde o pós-guerra a Suécia produziu uma série notável de caças que se destacaram pelo design, simplicidade e inovação, além da elevada capacidade de combate.

Saab J 32 Lansen

Os aficionados mais novos podem não conhecer, mas os mais antigos lembram do belo Saab Lansen, equivalente ao também elegante Hawker Hunter inglês. Sem falar no revolucionário duplo delta Saab Draken, que já na década de 1960 usava link de dados e foi considerado equivalente ao Mirage III francês.

A Svenska Flygvapnet (Força Aérea Sueca) teve que usar a criatividade para que seu pequeno orçamento bastasse para proteger um grande país (para os padrões europeus) com pequena população. Os suecos sempre souberam que, no primeiro dia de guerra com a União Soviética, suas bases aéreas provavelmente seriam neutralizadas.

Saab J 35 Draken

Assim, desenvolveram a estratégia de dispersão, desdobrando suas unidades aéreas pelo país, empregando rodovias como pistas de pouso e decolagem e usando as grandes florestas de coníferas como camuflagem, para ocultar edifícios de comando e comunicações e depósitos de combustível e munições.

O caça Saab J35 Draken era um interceptador excelente, com grande desempenho no combate aéreo, mas não tinha todas as características adequadas para desdobramentos em estradas, por causa das elevadas velocidades de aproximação e necessidade de pistas extensas das primeiras gerações de caças em delta (ainda que o inovador “duplo delta” da aeronave já buscasse um certo equilíbrio entre o desempenho em voo e nos pousos e decolagens).

Ao mesmo tempo, para otimizar os recursos disponíveis, pensava-se não só num caça, mas numa família: versões otimizadas para missões de ataque, reconhecimento, defesa aérea e treinamento operacional, derivadas de uma mesma aeronave. Esta também precisaria operar em bases avançadas e com apoio reduzido, em pistas e estradas com trechos cobertos de neve, decolando e pousando curto.

Saab J 37 Viggen

A solução veio na forma do Saab J37 Viggen, cujo primeiro protótipo voou em 8 de fevereiro de 1967. Foi o primeiro caça europeu dotado de canards, que aprimoravam a manobrabilidade e, com a incorporação de partes móveis, permitiam uma aproximação para pouso curto na atitude mais vantajosa: o Viggen conseguia pousar numa pista de 400 metros, usando também o reversor de empuxo da turbina Volvo Flygmotor RM-8, versão militarizada e com pós-combustor da Pratt & Whitney JT-8D-22, usada nos jatos B727.

Quanto à decolagem, esse conjunto permitia deixar o solo usando somente 500m de pista! O jato, quando entrou em serviço, usava a última tecnologia em radar e mísseis ar-ar, graças ao auxílio norte-americano, que tinha grande interesse que a Suécia fosse capaz de dissuadir e se possível deter, pelo menos por alguns dias, o avanço soviético no Norte da Europa, em caso de uma Terceira Guerra Mundial.

Foram desenvolvidas quatro versões da mesma aeronave básica, para as missões citadas no parágrafo anterior, e o desempenho do jato só não foi melhor porque não existia ainda a tecnologia FBW (“fly-by-wire”) de estabilidade relaxada, que só viria a ser empregada no seu substituto, que começou a ser estudado em 1979.

 

O desenvolvimento do Gripen
O substituto do Viggen deveria ser um caça com moderada carga alar, empregando material composto na sua construção e um radar multimodo. Ele também deveria ser capaz de substituir as quatro versões do Viggen, não em versões específicas, mas como uma única aeronave multimissão.

Além disso, deveria ser um avião mais leve e mais barato, para poder ter alguma chance de exportação, porém a carga de armamento e o raio de ação deveriam ser os mesmos do Viggen. Estudos indicavam que o avanço da tecnologia permitiria atingir os objetivos de projeto e que um caça leve com grande capacidade seria possível.

Nasceu então o JAS 39 Gripen, e um consórcio foi formado pela Saab-Scania, Volvo Flygmotor, Ericsson e FFV Aerotech para projetá-lo e produzí-lo. O primeiro Gripen foi revelado em 26 de abril de 1987 à imprensa e convidados. Um ano e meio mais tarde, em 9 de dezembro de 1988, o piloto de testes chefe da Saab, Stig Holmström, decolou com o primeiro protótipo do novo caça, 39-1, num voo de 5 minutos, sem problemas.

Como no caso do Draken e do Viggen, foi buscado no exterior um motor capaz de ser licenciado, desenvolvido e otimizado pela Volvo. Dentre as possibilidades estudadas foi escolhido o motor GE F404, que equipava o F/A-18 Hornet.

  

Quatro protótipos do Saab Gripen. O primeiro deles, com indicativo – 1, foi perdido em acidente por causa de defeito no software de controle de voo, posteriormente corrigido

O Gripen acabou usando a mesma configuração de delta com canards do Viggen, com a diferença destes serem totalmente móveis. A tecnologia FBW empregada era da Lear Astronics norte-americana, muito sensível e que precisou de ajustes após dois acidentes causados por “Pilot-Induced Oscillation” (PIO), ou oscilação induzida pelo piloto. No final, com as mudanças no software das leis de controle, o Gripen foi declarado estável.

Em 8 de junho de 1993, a primeira aeronave de produção, denominada 39.102, foi entregue à FMV (administração sueca de defesa) e à Força Aérea, numa cerimônia realizada na cidade de Linköping, berço da Saab. O último exemplar do primeiro lote de 30 caças foi entregue em 13 de dezembro de 1996.

Em 3 de junho de 1992, o Parlamento Sueco concedeu à FMV a aprovação para encomendar um segundo lote de 110 aeronaves, incluindo o desenvolvimento e produção de 14 modelos bipostos JAS 39B. Esse segundo lote era equipado com aviônicos atualizados e novo hardware no sistema de controle de voo, sendo que os dois processadores dos displays do cockpit foram combinados numa só unidade. Os caças do segundo lote também tinham provisão para o novo sistema de comunicação tático TARAS, introduzido na Força Aérea Sueca na virada para o século XXI.

Em 16 de junho de 1997, um terceiro lote de Gripen foi encomendado, sendo 50 monopostos e 14 bipostos, aumentando o número total de aeronaves para 204. Um segundo contrato foi assinado em separado em 1997, para o desenvolvimento e introdução de um nova APU (Auxiliary Power Unit). Novos requisitos ambientais e de ruído foram a razão do desenvolvimento, bem como a redução de custos de manutenção. A nova unidade foi introduzida nos caças que estavam na linha de produção e também retroativamente nas aeronaves já produzidas. A nova APU também é conhecida como APESS (Auxiliary Power and Engine Starting System).

As modificações do Gripen C/D tornaram o caça atraente para exportação

Modificações nas aeronaves e as versões C/D suecas e de exportação
Como resultado do desenvolvimento posterior da nova APU e de outros sistemas, a Força Aérea Sueca decidiu modificar toda a frota de caças Gripen, visando tornar a manutenção mais racional. Modificar as 140 aeronaves já entregues para o padrão do lote 3 seria muito custoso, então decidiu-se modificar as últimas 20 aeronaves do lote 2 para o padrão do terceiro lote.

Três pacotes de modificações foram definidos para os aviões já entregues, e foram gradualmente incorporados. As primeiras 120 aeronaves (incluindo 14 bipostos) foram designadas JAS 39A e JAS 39B. As demais 84 (14 bipostos) foram designadas JAS 39C e JAS 39D. Na mesma época, bem-sucedido desempenho do Gripen na Svenska Flygvapnet atraiu a atenção internacional.

Saab Gripen C e D junto a um Saab 340 AEW&C

Em 1995, foi assinado um acordo entre a Saab e a British Aerospace para o desenvolvimento e marketing de uma versão de exportação do Gripen. Vários acordos foram assinados para tornar o Gripen adequado para o mercado de exportação. A British Aerospace contribuiu com sua experiência de adaptação de aeronaves ao padrão OTAN e o conhecimento de operação de aviões em clima tropical e desértico. Em 1996, o ECGD (Export Credit Guarantees Department) do Reino Unido assinou um acordo com o EKN sueco (Swedish Export Credits Guarantee Board) e SEK (AB Svensk Exportkredit), para as garantias de exportação e financiamento do caça Gripen.

Cockpit do Gripen C

O modelo de exportação é caracterizado pelas seguintes mudanças:

  • Toda a instrumentação do cockpit em padrão inglês
  • Conexões de combustível e pilones de armamento em padrão OTAN
  • Sonda de reabastecimento em voo
  • Adição de OBOGS (On Board Oxygen Generating System – sistema embarcado de geração de oxigênio)
  • Painel digital (glass cockpit) com novas telas em cores – o Gripen foi primeiro caça qualificado para operar sem mostradores analógicos
  • Célula e sistemas adaptados para climas quentes, com refrigeração melhorada para piloto e computadores
  • Novo rádio CDL 39 (comunicação e data link) compatível com rádios da OTAN
  • IFF da OTAN e ILS

As versões C e D da Força Aérea Sueca são muito semelhantes às exportadas, com apenas algumas diferenças devido a questões específicas do cliente. A parceria britânica da British Aerospace ajudou a tornar o avião um sucesso de exportação e hoje ele voa também nas cores da África do Sul, Hungria, República Tcheca e Tailândia.

Gripens da Tailândia

Em 2014, foi confirmada a renovação do contrato de leasing dos 14 caças Gripen da República Tcheca, para operação até 2026, sendo que Hungria (que também opera 14 aeronaves) já havia renovado o seu em 2011. Espera-se que a Tailândia adquira mais 6 aeronaves C/D para ampliar sua frota para 18 exemplares, o que manteria esse padrão do Gripen ainda em produção.

Apesar de apostar na nova geração E/F (Gripen NG, do qual falaremos com mais detalhes à frente) para ampliar a exportação do caça, a Saab não deixa de oferecer as versões C/D a potenciais compradores, conforme os requisitos do cliente. Assim, tanto ofertas de compra ou aluguel da versão atual quanto de aquisição da nova geração podem estar nas propostas da empresa para vários clientes em potencial, como Malásia, Bélgica, Botswana, Estônia, Finlândia, Indonésia, Letônia, Lituânia, Peru, Filipinas, Portugal e Eslováquia.

A Saab estabeleceu a meta de vender entre 350 e 400 unidades do Gripen, especialmente da nova geração, nos próximos 20 anos, o que representaria 10% do mercado acessível aos suecos.

As armas do Gripen C
Gripen de testes em configuração pesada de bombas

Um projeto multimissão com grande capacidade no combate aéreo
O projeto aerodinâmico do Gripen combina asa delta com canard, com 20% da célula feita de compostos de fibra de carbono. O desempenho do caça foi otimizado inicialmente para missões de interceptação, com foco em velocidade, aceleração e taxa de giro.

Para isso, o sistema de controle de voo totalmente computadorizado (“fly-by-wire”) foi combinado a uma configuração canard-delta e estabilidade relaxada. São cerca de 40 computadores que controlam cada momento do voo, auxiliando também o piloto com os controles, navegação e cálculo de tiro.

O conjunto permite ao avião uma excepcional capacidade de “dogfight”, além da capacidade de combate na arena BVR (Beyond Visual Range – além do alcance visual). Os canards também são usados como freios aerodinâmicos na aterrissagem, dando ótima capacidade de pouso curto, sem a necessidade de reversor de empuxo (quanto a freios aerodinâmicos do tipo convencional, há dois deles na fuselagem traseira).

O Gripen também foi projetado para facilitar a manutenção e o preparo para as missões. Em tempo de guerra, um grupo de conscritos comandados por um oficial pode fazer o “turn-around” em 10 a 15 minutos (dependendo da missão e armamento), o que significa rearmar, reabastecer e realizar os cheques necessários, sendo que os computadores da aeronave também fazem o rastreamento da situação operacional, indicando a necessidade de reparos.

VEJA EM PRÓXIMO POST: o Gripen NG, de Nova Geração

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