Um pouco de história: do Bandeirante ao Amazonas e dos E-Jets ao KC-390
Fernando “Nunão” De Martini (box da matéria sobre o KC-390 publicada originalmente na revista Forças de Defesa nº 14)
A história dos programas da Embraer voltados a aeronaves de transporte militar não começou com o projeto que levou ao KC-390. Afinal, a própria empresa foi criada em 1969, como estatal, com o objetivo de produzir um avião leve de transporte militar também voltado à aviação regional, o Bandeirante, desenvolvido pelo então Centro Técnico Aeroespacial (CTA, hoje DCTA – Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial).
O protótipo do Bandeirante voou pela primeira vez em 26 de outubro de 1968, praticamente 20 anos após o início da construção do CTA, que até então construíra vários outros projetos e protótipos para tipos diversos de aeronaves, porém sem se converterem em desenvolvimentos industriais. Porém, o Bandeirante foi criado para atender a uma demanda bem estabelecida, que no caso da aviação militar era a substituição de dezenas de bimotores de transporte leve Beechcraft C-45 da FAB, da época da Segunda Guerra Mundial. Como não seria possível viabilizar a produção com investidores privados, foi criada a Empresa Brasileira de Aeronáutica – Embraer, para produzir e vender a aeronave (a aprovação do decreto que criou a empresa é de 29 de julho de 1969). O primeiro protótipo renomeado EMB-100 evoluiu para uma aeronave maior, o EMB-110, e o primeiro exemplar de produção voou em agosto de 1972, já com as cores da FAB, cuja designação em serviço seria C-95.
Vieram outros programas de produção, como o Ipanema (agrícola), o jato treinador italiano MB-326 fabricado sob licença como o EMB-326 Xavante, aeronaves leves americanas da linha Piper também produzidas sob licença, sem falar nas versões aprimoradas e especializadas do Bandeirante, enquanto outro programa herdado do CTA (estudos iniciados em 1968) era desenvolvido: um substituto para os diversos aviões de transporte C-47 Dakota (versão militar do DC-3) ainda em serviço na FAB.
Apesar do Bandeirante ter substituído também esta aeronave em várias missões e unidades, previa-se também um avião com maior capacidade de carga, e o CTA desenvolveu um conceito muito parecido com o C-130 Hercules (asa alta, rampa traseira, trem de pouso principal em sponsons sob a fuselagem e capacidade de operação em pistas curtas), porém bem menor e bimotor. Chamado Marabá, também previa uso comercial, e o programa foi passado à Embraer, que realizou uma modificação importante: ao invés de dois motores turboélice da classe de 1.500hp, a empresa buscou comunalidade com o Bandeirante utilizando quatro motores PT-6 similares aos do EMB-110.
Nascia o EMB-500 Amazonas, praticamente um mini-Hercules (porém com trem de pouso principal modificado para recolher nas naceles alongadas dos dois motores mais próximos da fuselagem). Esperava-se o voo de um protótipo em 1974, e enquanto isso o projeto evoluía para versões a jato (com dois ou quatro motores turbofan na mesma asa reta, atendendo a sugestões de alguns potencias operadores civis). Porém, naquela época a FAB já havia colocado em serviço uma aeronave com capacidade realmente STOL (pouso e decolagens curtas) e capacidade de carga duas vezes maior, o canadense DHC-5 Buffalo (C-115 na FAB). Sem interesse da FAB, que acabou encontrando no Buffalo o avião ideal para o que mais precisava, e com prognósticos ruins num mercado comercial com muitos concorrentes, o projeto do que poderia ser o maior avião feito no Brasil à época (24 metros de envergadura, 20m de comprimento e peso máximo de decolagem de 12 toneladas) terminou.
O envolvimento da Embraer com aeronaves de emprego militar, nos anos seguintes, prosseguiu com a produção do Xavante e do Bandeirante, com o desenvolvimento e produção de um treinador turboélice de grande sucesso, o EMB-312 Tucano (veja edição 11 da revista Forças de Defesa), com a parceria ítalo-brasileira do jato de ataque AMX (número 9 de Forças de Defesa) e, quando já privatizada nos anos 1990, de versões para alerta aéreo antecipado e sensoriamento eletrônico da bem-sucedida família de jatos regionais ERJ-145 (que também tem exemplares empregados em transporte na FAB, assim como os antecessores turboélices EMB-120 Brasília e EMB-121 Xingu) e do EMB-314 Super Tucano, de ataque leve, contrainsurgência e treinamento.
Só após o lançamento da também bem-sucedida família de jatos comerciais E170, 175, 190 e 195, cobrindo a faixa de 70 a 124 assentos (primeiro voo do E170 em 19 de fevereiro de 2002), ressurgiu o interesse em desenvolver um jato de transporte específico para o mercado militar. E, diferentemente do Amazonas de mais de 40 anos antes, a ideia partiu da empresa e não de uma organização da FAB. Em 2004 começavam a voar os dois maiores modelos da família batizada de “E-Jets” (o E190 em março e o E195 em dezembro daquele ano) e, quase à mesma época, começaram os estudos de mercado para verificar a viabilidade de uma aeronave militar de transporte tático, pensada para aproveitar o máximo possível de componentes destes jatos. O desenvolvimento de engenharia buscou utilizar as mesmas asas (porém instaladas no alto da fuselagem), motores e empenagem do E190, além de vários conceitos empregados nos E-Jets.
Na edição 2007 da feira de defesa LAAD (Latin America Aerospace & Defense) a empresa anunciou seus planos para o avião denominado C-390, e em pouco tempo começou a divulgar concepções artísticas, além de dados que o colocavam na exata categoria de carga do Hercules C-130: dezenove toneladas. As dimensões, aproveitando as asas do E190, seriam de cerca de 30 metros tanto de envergadura quanto de comprimento. A fuselagem larga do avião de transporte, frente à mais esguia do jato comercial, era evidente pela comparação com a envergadura do E190, de 28,7m com as mesmas asas. Mas todas essas medidas estavam prestes a crescer significativamente.
Foi quando entrou em cena o potencial cliente que era visto com grande prioridade pela Embraer, a FAB. E o projeto foi refinado com o estudo dos requisitos da Força Aérea, a constante troca de informações entre engenheiros e pessoal dos esquadrões de transporte, resultando numa aeronave mais capaz do que o Hercules e já sem nenhum grande componente aproveitado dos E-Jets. A asa cresceu em envergadura e área para atender a requisitos bem mais exigentes de operação e a cauda, inicialmente convencional, ganhou a configuração em “T”.
Já em 2009, as concepções divulgadas começavam a ficar bem mais parecidas com as do modelo final, e já renomeado KC-390, denotando sua a capacidade esperada para emprego em reabastecimento em voo e a preocupação em ampliar a sua flexibilidade operacional. Nos anos seguintes, a capacidade de carga foi bastante ampliada (de 19 para 23t, chegando a 26t para carga concentrada), assim como as dimensões, que chegaram aos atuais comprimento e envergadura em torno de 35 metros. E assim se alcançou as características do protótipo que finalmente deixou o hangar em 21 de outubro de 2014, praticamente 10 anos após as primeiras ideias de um avião denominado C-390.
Excelente resumo do Fernando “Nunão” De Martini (box da matéria sobre o KC-390 publicada originalmente na revista Forças de Defesa nº 14). Senti falta de comentários a respeito dos treinadores T-6, T-25. Mas no total está muito bom! Parabéns!!!
Luiz Trindade, me corrija se eu estiver errado. De qual T-6 você fala? O único que conheço é o famoso “T-meia”, fabricado pela North-American, lá na época da 2ª GM. E o T-25 foi produzido pela Neiva, antes da aquisição dessa pela Embraer.
Eu acompanho a história da Embraer á vários anos. Realmente uma trajetória de sucesso, da única empresa brasileira que produz produtos de alto valor agregado. Se não fosse a Embraer, o Brasil seria 100% um mero exportador de commodities. Fico me perguntando sempre, se a Embraer com toda a sua excelência, conhecimento e qualidade inquestionáveis conquistados nessa sua história, vai algum dia partir para cima da Boeing e da Airbus, com uma linha de aviões maiores. Na divisão de aviação comercial da Embraer, esse seria o passo adiante, no meu entendimento. Fico me perguntando também sobre o mercado comercial de… Read more »
Flanker,
Foi esse T-meia que falei e também do T-25 universal. Mas como disse foi muita boa a reportagem sobre a EMBRAER.
Silva,
Eu acho que a Embraer tem de excelente no que ela se propõem. Partir para cima da Boeing ou Airbus é uma empreitada arriscada. E partir para asas rotativas sem expertise igualmente arriscado a não ser que se associasse a Helibrás e a mesma parasse de representar a Aeropastiale! Mas isso meu caro, são meras opiniões! O futuro dirá quais serão os próximos passos dessa empresa que deveria ser propagada pelo governo como orgulho nacional!
O artigo é sobre Embraer, por isso não tem T6 e T25.
Embraer já declarou que não pretende concorrer com Airbus e Boeing, tão pouco projetar helicópteros.
Dois livros obrigatórios em uma estante de entusiasta da aviação, principalmente, a brasileira:
‘ENCICLOPÉDIA DE AVIÕES BRASILEIROS” do saudoso Roberto Pereira e
“A DECOLAGEM DE UM SONHO – A HISTÓRIA DE CRIAÇÃO DA EMBRAER” – Ozires Silva.
Sr. Marcelo Andrade. Tentarei adquirir os dois, ou pelo menos o do Ozires Silva. Obrigado. sobre outo assunto: a FAB já transferiu alguns aviões para a MB fazer a vigilância marítima? Caso não, há alguma probabilidade? e por fim: os bandeirulhas ainda fazem este tipo de vigilância? Obrigado novamente.
Sergio:
Pergunta 1: não
Pergunta 2: creio que não tão cedo
Pergunta 3: sim
Marcelo tem vários outros livros…
Quando estiver em casa possui listar aqui.
Marcelo Andrade 3 de setembro de 2017 at 16:02
Tenho orgulho em dizer que ganhei o livro ‘História da Construção Aeronáutica no Brasil’ autografado pelo Roberto Pereira de Andrade. Eu tinha uns 15 anos e enviei uma matéria sobre o DH Mosquito ( quando a gente é moleque é mais ousado, rs ) p/ a revista Tecnologia & Defesa e ele me enviou o referido. Infelizmente ele morreu há 2 anos.
Luciano, que show, srsrs!!
Luiz, tenho outros mas a lista é enorme!!! kkkkk ,
Sergio Ribamar, tenta no site Estante Virtual, lá vc encontra livros usados em bom estado e muito em conta.
O Mercado Livre também, mas o Estante Virtual é um mercado de livrarias e sebos brasileiros com mais de 25 milhões de títulos.
Fred 3 de setembro de 2017 at 14:01
“Uma história espetacular que merece ser contada e recontada.”
Eu diria: “Uma história espetacular que PRECISA ser ‘reproduzida’ em outras iniciativas empresariais no país! 🙂
Obrigado Sr. Nunão pelas informações e Sr. Marcelo pela informações de procurar os livros. muito útil os comentários. Obrigado a todos.