Embraer KC-390: um avião que carrega o desafio de conquistar muitas bandeiras
Fernando “Nunão” De Martini e Alexandre Galante (matéria publicada originalmente na revista Forças de Defesa nº 14)
Na manhã de 21 de outubro de 2014, uma fila de jornalistas seguia um caminho delimitado entre dois grandes hangares das instalações da Embraer em Gavião Peixoto, no interior de São Paulo, rumo a uma área reservada no pátio onde a empresa apresentaria seu novo avião. Ao lado daquele caminho, e separados dos jornalistas inicialmente por cones, depois fitas, seguidas de cercas metálicas, caminhavam centenas de funcionários da Embraer, com camisetas azuis alusivas às diversas aeronaves nas quais trabalham, nos dias úteis como aquela terça-feira.
Quase no pátio em frente aos hangares, porém, houve uma rara confluência naquela separação em grupos (imprensa, funcionários, autoridades civis e militares brasileiras e estrangeiras), que seria o padrão de todo um dia dedicado a marcar aquela ocasião de forma diferente para cada público. Num pequeno espaço junto à entrada da imprensa na área, algumas dezenas de funcionários se aglomeravam, separados dos demais, misturando-se um pouco à imprensa enquanto esta passava. Havia uma diferença em relação aos outros trabalhadores da fila separada, pois eles traziam bandeiras de vários países, nas mãos, e expressões que misturavam concentração e orgulho, nas faces, por terem sido selecionados para uma importante missão. Dali a poucos minutos, deveriam destacar a todos os públicos presentes a verdadeira intenção da empresa com sua nova aeronave militar: fazê-la voar sob as bandeiras de vários países do mundo.
E foi o desfile de 32 desses funcionários, carregando aquelas bandeiras de países dos quatro cantos do mundo, que se mostrou como a cena mais chamativa e de maior simbolismo da cerimônia relativamente simples que precedeu a saída, do grande hangar de montagem final, do primeiro protótipo do jato de transporte militar da Embraer, o KC-390. Afinal, outros protocolos preliminares já eram esperados, como a execução do Hino Nacional, o discurso do ministro da Defesa, assim como o anúncio dos nomes das autoridades presentes. Para os mais atentos aos significados dos rituais e tradições às quais estes remetem, não passou despercebido que a passagem de todas aquelas bandeiras precedia a apresentação de um sucessor do ícone do início da empresa, mais de 40 anos atrás: um avião chamado Bandeirante.
Da empresa criada pelo governo para produzir e vender o Bandeirante, desenvolvido no final da década de 1960 no então Centro Tecnológico da Aeronáutica como substituto dos transportes leves Beechcraft C-45 da FAB (Força Aérea Brasileira), a Embraer se apresentava naquela terça-feira como uma das quatro maiores indústrias aeronáuticas mundiais, capaz de desenvolver o KC-390, maior aeronave já produzida no país, para substituir um avião de incontestável sucesso como o C-130 Hercules. E não só os Hercules da FAB, mas também os de diversas forças aéreas do mundo, caso uma parte significativa daquelas bandeiras em desfile passe a representar clientes efetivos.
Após o desfile de bandeiras, a primeira visão do KC-390
Falamos em maior avião já construído no Brasil. A aparição da aeronave em meio à fumaça verde e amarela, lançada quando se abriram as portas do grande hangar que abriga a linha de montagem final, comprovou que o avião tem porte adequado às pretensões do fabricante. As portas corriam para as extremidades do hangar, mas demorou para que a abertura atingisse toda a envergadura do jato e permitisse sua saída. Pelo ângulo enviesado em que estava posicionada a imprensa, numa das laterais do hangar, o bordo de ataque da asa direita do KC-390 se mostrava a cerca de 90º dos olhares e câmeras, apesar do seu enflechamento. A impressão nesse primeiro olhar foi de que, caso as asas fossem retas como as do C-130H ao invés de enflechadas, a envergadura seria ainda maior que a deste último.
A Embraer não se mostrou, naquele dia de apresentação (roll-out) do KC-390, inclinada a dizer explicitamente que seu novo avião tem como foco principal concorrer com o C-130 no mercado, ainda que esta seja uma conclusão óbvia. Só a impressão ao ver o avião pela primeira vez, após tantas outras oportunidades em que estes autores viram e entraram nos Hercules da FAB e de outras forças aéreas, comprova que o novo jato de transporte da Embraer foi planejado para isso, o que transparece na comparação das dimensões de ambos. A envergadura do KC-390 é de 35,05m (lembrando mais uma vez que as asas são enflechadas), frente aos 39,70m do C-130H de asas retas, versão hoje empregada pela FAB. Já o comprimento é maior: 35,20m para o KC-390 contra 29,30m do C-130H. A altura de ambos é praticamente a mesma: 11,84m contra 11,90m, pois têm derivas bem altas. Comparado ao modelo mais novo do avião fabricado pela gigante norte-americana de defesa Lockheed Martin, o C-130J-30 de comprimento estendido (o modelo J comum tem as mesmas dimensões do H), o KC-390 continua maior por algumas dezenas de centímetros (35,2m contra 34,69, segundo dados da Força Aérea dos Estados Unidos – USAF).
A primeira impressão de porte acima das expectativas foi mantida quando os presentes (menos os pacientes funcionários que permaneceram atrás das cercas metálicas) foram autorizados a ver o avião de perto, após aguardarem o final do banho de champanhe dado pelo ministro da Defesa Celso Amorim e pelo comandante da Aeronáutica Juniti Saito, seguido de brinde junto aos executivos da Embraer.
Mais “parrudo” que o Hércules
Andar pela primeira vez ao lado do KC-390, desviando de militares e civis de várias partes do mundo fotografando-se em inúmeras “selfies” ao redor do avião, sem esconder sorrisos (a segunda vez naquele dia em que públicos distintos se misturaram um pouco mais), foi uma oportunidade de relembrar caminhadas ao redor de aeronaves C-130. A impressão geral é que, excetuando-se as áreas do nariz e da cabine, onde o KC-390 mostra o afilamento típico de jatos, o avião da Embraer se mostra bem mais “parrudo” que o Hercules. Em certos ângulos, parece até “gordinho”, com sua fuselagem larga. As dimensões internas divulgadas confirmam essa impressão, na parte que mais importa num avião de transporte militar: o compartimento de carga.
O compartimento tem 18,5m de comprimento (incluindo a rampa de 5,80m, sobre a qual a carga também pode ser transportada, como veremos à frente, e que se soma aos 12,7 metros do piso à sua frente) e 3,45m de largura, com altura de 2,95m em sua parte frontal e 3,20m na posterior, esta última medida adequada ao ângulo de entrada de veículos altos pela rampa relativamente longa, a qual permite que esse ângulo também seja pouco acentuado. Já os modelos C-130H e J, também conforme dados da USAF, possuem compartimento de carga de 12,31m de comprimento básico (que somado à curta rampa de 3,12m chega a um total de apenas 15,43m), 3,02m de largura e 2,74m de altura, todas estas medidas inferiores às do KC-390. No caso do C-130J-30, a principal diferença é que o comprimento básico do compartimento de carga é de 16,90m, embora esse comprimento maior signifique apenas mais espaço e não muito mais carga em relação ao máximo levado pelas versões menores, subindo de 19,09 toneladas para 19,95t, números consideravelmente mais modestos que as 23 toneladas que o KC-390 pode levar de forma distribuída, em pallets, ou 26t de forma concentrada.
A “corcunda” sobre a fuselagem na área de encaixe das asas, bem destacada quando se vê a aeronave a algumas dezenas de metros de distância, é responsável por livrar mais espaço para a altura do compartimento de carga (diferentemente do Hercules, cujo projeto básico de décadas atrás, apesar de todos os méritos que mantém o avião competitivo ainda hoje, faz com que as asas “roubem” espaço no compartimento). Mas a presença da aeronave bem à frente dos olhos convida a andar mais próximo dela e a observar seus detalhes e dimensões, bem de perto.
‘Walkaround’ no KC-390
Andando ao redor do KC-390 em meio aos convidados para a cerimônia, o mais comum era perceber olhares para cima, surpresos. Expressões boquiabertas, especialmente quando os olhares focavam a região da alta empenagem em “T”. Lá encontramos, observando justamente os detalhes da cauda e do extenso conjunto de rampa / porta traseira, o brigadeiro do ar Carlos Baptista de Almeida Jr, hoje à frente da DIRMAB (Diretoria de Material Aeronáutico e Bélico), e que antes comandou por um ano o COMDABRA (Comando da Defesa Aeroespacial Brasileira), após dois anos presidindo a COPAC (Comissão Coordenadora do Programa Aeronave de Combate), esta última justamente a organização da FAB que coordena projetos como o KC-390. A partir de nossa conversa informal, em que trocamos nossas impressões sobre aquele momento, pedimos ao brigadeiro que nos escrevesse a respeito de sua própria visão sobre aquele dia (veja texto mais adiante).
Pouco mais à frente de onde conversávamos com Baptista estava o seu sucessor na presidência da COPAC, brigadeiro do ar José Augusto Crepaldi Affonso, dizendo a outros profissionais da imprensa a síntese do que representa o KC-390 para a instituição que deverá operá-lo em breve: “O KC-390 representa para a Força Aérea Brasileira e para a indústria nacional o ápice, o coroamento da nossa capacidade de emitir requisitos e principalmente a capacidade da nossa indústria nacional de desenvolver um produto aeroespacial de última geração”. A afirmação de Crepaldi se soma às declarações do mesmo dia do tenente-brigadeiro do ar Juniti Saito, comandante da Aeronáutica, que também tivemos a oportunidade de presenciar admirando detalhes da aeronave em meio a todos os presentes: “É um produto que vai marcar para sempre a capacidade da indústria brasileira. Eu só posso parabenizar aqueles que trabalharam em prol desse projeto como a COPAC, o Alto-Comando da FAB e os engenheiros da Embraer. O KC-390 será a espinha dorsal da aviação de transporte da FAB. Ele poderá operar tanto na Amazônia quanto na Antártica. As turbinas a jato conferem bastante agilidade à aeronave, que cumprirá todas as missões, mas muito mais rápido e melhor.”
Quando caminhamos na direção do nariz da aeronave, foi impossível não notar as grandes janelas do KC-390 (no sentido da altura), que provavelmente ocupam área semelhante à das diversas pequenas janelas superpostas que formam a inconfundível cabine do Hercules. Porém, como essas janelas do avião da Embraer são maiores individualmente, acabam dando uma impressão de porte menor da aeronave para quem concentra os olhares nessa área, pois a memória visual se acostumou a ver janelas bem menores na área da cabine de jatos comerciais da própria empresa. Mas ao ver o avião “pessoalmente”, bem de perto, e com pessoas ocupando a cabine de pilotagem para dar a noção desse tamanho, qualquer impressão nesse sentido se desvanece num instante. Ele é claramente maior, principalmente por dentro, que o já lendário C-130. E o desafio que tem pela frente é também se mostrar melhor, como espera o comandante da Aeronáutica.
Um mercado com uma bandeira conquistada e dezenas a conquistar
A Embraer já divulgou em diversas ocasiões que visa conquistar uma fatia do mercado de substituição de aviões militares de transporte entre 5 e 20 toneladas de carga. Trata-se de um segmento em que praticamente metade da frota é composta de aviões C-130 com duas a três décadas de serviço acumuladas, e cujo principal substituto vem sendo até o momento, e com muito sucesso, as próprias versões mais modernas do Hercules.
Desde pelo menos 2007, poucos anos após surgirem as primeiras ideias sobre o KC-390 (ainda chamado de C-390 e de características mais modestas, como explicado no breve histórico que publicaremos em outro post), a empresa divulga resultados de estudos que realizou e vem atualizando ao longo do tempo, mas com poucas variações quanto às conclusões: o novo jato disputará oportunidades de substituir aproximadamente 700 aeronaves em serviço, operadas por pouco mais de 70 países, num conjunto de cerca de 2.800 existentes no mundo nessa faixa de capacidade de carga.
Na entrevista coletiva concedida após a apresentação do KC-390, depois que os jornalistas foram devidamente retirados do pátio do “roll-out” da aeronave (vários deles fazendo o possível para continuar mais um pouco por ali), os executivos Jackson Schneider (presidente e CEO da Embraer Defesa & Segurança) e Paulo Gastão (diretor do programa KC-390) reiteraram essa perspectiva de mercado de 700 aeronaves de transporte militar, a serem substituídas nos próximos 15 a 20 anos no mundo, no qual o novo avião tem condições de competir.
Mas foi devidamente destacado o fato de que, entre as bandeiras que desfilaram na cerimônia daquela manhã, várias eram de países do Oriente Médio (ou seja, com delegações presentes ao evento) e que o jato tem gerado interesse entre forças aéreas daquela região, um mercado considerado muito importante para a aeronave. Países da África, especialmente os de língua portuguesa, também são considerados clientes potenciais, com uma expectativa bastante positiva de negócios, segundo os executivos. Embora as parcerias industriais com outras nações (assunto abordado na próxima seção) já estejam bem estabelecidas e o espaço para novas seja restrito, a Embraer ainda está aberta a negociações a respeito, caso algum possível cliente tenha esse requisito.
Um avião competitivo que incorpora um novo conceito na sua categoria
A empresa acredita que o avião será competitivo no mercado pelo novo conceito que incorpora ao segmento médio (comandos fly-by-wire, velocidade superior, menor custo ao longo do ciclo de vida e maior capacidade de carga), e os dois executivos mantiveram firmemente sua posição, apesar da insistência da imprensa, de não nomear explicitamente o Hercules como o concorrente, apesar do mercado ver o avião da Lockheed Martin como o evidente alvo. Por isso mesmo, não quiseram revelar o que se está oferecendo ao mercado como preço unitário, pois cada cliente demanda uma negociação específica, e esse tipo de dado é considerado segredo comercial – afinal, qualquer informação pode ser de utilidade para um concorrente (ainda mais no caso de uma aeronave nova, que inicia sua luta pelo mercado).
Limitaram-se a reconhecer que hoje o destaque no mercado é o Hercules, ressaltando que a Embraer respeita essa aeronave, mas vê o KC-390 como um novo conceito para esse mercado, apresentando-o desta forma aos potenciais clientes. Vale acrescentar que em 2012 um acordo de cooperação foi feito com a gigante aeroespacial americana Boeing, focado principalmente em marketing. A ideia é que a Boeing contribua futuramente para explorar mercados de outros países que não são visados no momento pela Embraer, segundo Schneider.
Os dois executivos preferiram não revelar metas sobre a porcentagem que acreditam conquistar desse mercado de 700 aviões (embora no passado tenha circulado a informação de que a empresa pretendia atingir 20% desse total, ou 140 unidades). E, completando o conjunto de informações não reveladas, também alegaram segredo comercial para não dizer a quantidade vendas que “pagaria” o projeto, nem quantos meses leva a produção de cada exemplar ou a cadência máxima planejada.
Colocamos a palavra “pagaria” entre aspas, pois se trata de um investimento do Governo Brasileiro (por meio do Ministério da Defesa e da Força Aérea Brasileira), e não de investimento da própria empresa e de acionistas/investidores/parceiros, a ser amortizado. Ainda assim, Schneider e Gastão destacaram que a FAB receberá royalties por cada venda externa do avião, pois o projeto é de sua propriedade intelectual, como retorno pelo valor investido – embora este também precise contabilizar benefícios tecnológicos, militares e operacionais, sem falar nos empregos de alta qualificação gerados, movimentando a economia no país.
Alocações de recursos em tecnologia de defesa não dependem sempre de serem “pagos” pelo próprio produto de forma direta, pois estão entre os investimentos que mais geram retorno, em diversas frentes, para cada unidade monetária empregada – desde que bem empregada. Nas contas da empresa, hoje o programa do KC-390 já gera 1.500 empregos diretos e cerca de 7.500 indiretos no Brasil. No futuro próximo, na fase de produção em escala maior (a partir de 2018) outros 1.100 empregos diretos se somariam, além de outros 5.500 indiretos. O programa envolve, no Brasil, perto de outras 50 empresas além da Embraer, a maior parte de pequeno e médio porte.
O Brasil é, obviamente, a primeira bandeira conquistada entre tantas que se pretende com o avião. Desde o anúncio da intenção de compra pela FAB, em 2008, passando pelo contrato de desenvolvimento e industrialização em 2009, pela formalização dessa intenção em 28 exemplares em 2010, pelo projeto detalhado em 2012 até o contrato de compra desses 28 aviões, em maio deste ano, consolidou-se a encomenda brasileira, para a qual se está investindo 4,6 bilhões de reais em desenvolvimento e 7,2 bilhões na produção dos 28 jatos, com um aditivo de 72 milhões para 2 protótipos. O contrato prevê entregas dos exemplares de série entre 2016 e 2023, além de pacote de apoio logístico, incluindo peças sobressalentes e manutenção. Mencionamos questões de cadência máxima de produção, mas fica evidente neste prazo de sete anos, para entrega de 28 aviões, uma cadência mínima de 4 entregas ao ano, em média, somente para a FAB (uma aeronave por trimestre).
Dois anos de voos de testes para atingir a certificação de operação inicial
Com os dois protótipos, a frota que a FAB pretende operar chegará a 30 aviões. O primeiro deles foi justamente o apresentado em 21 de outubro, ao qual se somará em breve o segundo, já em montagem nas instalações de Gavião Peixoto que incluem diversos edifícios, hangares e galpões dedicados aos vários programas da área de Defesa e Segurança da Embraer. Ambos farão a campanha de testes de voo em duas fases de certificação, a inicial (IOC) e a final (FOC) para operação da aeronave.
A IOC compreende dois anos de voos de testes para desenvolvimento e certificação tanto militar quanto civil para operação inicial (não confundir com versão civil – trata-se de certificação para cumprimento de normas aeronáuticas civis). O prazo para atingir a IOC corresponde ao da entrega prevista do primeiro exemplar de produção para a FAB: 2016. A campanha de ensaios em voo prosseguirá, após 2016, até se atingir a FOC, que é a certificação final de todas as capacidades de operação, quando então esses dois protótipos deverão ser convertidos para a versão de produção da FAB (por exemplo, com retirada de toda a instrumentação de ensaios, entre outras mudanças que se fizerem necessárias conforme os testes, para padronização com os exemplares de produção). Na ocasião, os dois protótipos se somarão aos 28 aviões encomendados pelo Brasil, cujas últimas entregas estão previstas para 2023.
Além desses dois protótipos para testes e certificação em voo, mais dois serão destinados exclusivamente a ensaios estáticos e de fadiga no solo (nos quais os componentes são levados aos seus limites), sem voar. Além deles, diversos bancos de prova para ensaios (grosso modo, correspondendo a “pedaços” da aeronave) serão empregados para testes específicos, como os de resistência ao impacto de aves, provas dos sensores de alerta radar, de alerta de lançamento de mísseis etc. Até o momento, os prazos de desenvolvimento estão sendo cumpridos e os custos mantidos dentro do orçamento, segundo a Embraer.
Falando em fabricação, cinco unidades da Embraer no Brasil estão envolvidas em diversas etapas de produção e montagem de partes da aeronave, nas cidades de São José dos Campos (na sede – SJK e nas unidades Eugênio de Melo – EGM e Embraer Liebherr Equipamentos do Brasil – ELEB), Botucatu (BOT) e Gavião Peixoto (GPX), todas no estado de São Paulo (mais à frente, abordaremos as partes fornecidas por parceiros internacionais). Resumidamente, os itens produzidos no Brasil pela Embraer, também responsável por diversos trabalhos de engenharia, compreendem:
- Montagem final e partes estruturais (GPX)
- Painéis das seções dianteira e traseira I da fuselagem (BOT)
- Pilones dos motores (EGM)
- Trens de pouso (ELEB)
- Compósitos (SJK)
Gastão e Schneider ressaltaram algumas das diversas capacitações que a produção dessas partes representaram para a empresa, como tecnologias de manufatura por usinagem de alta velocidade, envolvendo peças de grande tamanho, assim como o uso de materiais compostos (compósitos) avançados e de novas máquinas de montagem automática. Além disso, há todo o conhecimento de projeto obtido com o maior avião produzido pela empresa até hoje (e pelo Brasil), com a complexidade e exigências de uma aeronave militar desse porte, indo além do que era o mercado usual da Embraer, e com o desenvolvimento e integração (do início ao fim) do sistema de controle de voo do tipo fly-by-wire e de outros sistemas de alta tecnologia.
Na unidade de Gavião Peixoto, que desde a inauguração de sua pista de cinco quilômetros (2001) e das primeiras instalações (2002) parece não parar de crescer, com uma construção nova surgindo praticamente a cada ano, as atividades ligadas ao KC-390 envolvem nada menos do que oito edifícios, desde seis relativamente “menores”(comparados à grande dimensão do conjunto) dedicados a pintura, testes estruturais, logística, interiores, preparação de voo e testes de voo, até os dois enormes hangares que se sobressaem em toda a planta, um dedicado à montagem estrutural e outro, o maior deles (inaugurado em maio deste ano), que abriga a linha de montagem final.
Bandeiras de países parceiros no protótipo e outras intenções de compra
Falamos do Brasil como a primeira bandeira, da parte industrial feita aqui e das encomendas firmes da FAB, além das perspectivas sobre as várias dezenas de pedidos que se pretende conquistar. Entre essas possíveis novas bandeiras, há algumas já “reservadas” por serem de cinco países que assinaram intenções de compra. Três deles são os principais parceiros internacionais do programa, e por isso os desenhos de seus pavilhões adornam os dois lados da fuselagem dianteira do protótipo, logo abaixo do brasileiro: Argentina, Portugal e República Tcheca.
Argentina
A Argentina tem intenção de adquirir seis exemplares e participa do programa com partes fabricadas pela FAdeA (Fábrica Argentina de Aviões). A intenção de compra foi anunciada em 2010 e o ingresso no programa industrial deu-se no ano seguinte, resultando no fornecimento das seguintes partes:
- Porta da rampa de carga
- Cone de cauda
- Armário de eletrônicos
- Portas (4) do trem de pouso dianteiro
- Carenagens dos atuadores dos flaps
- Painéis dos spoilers
A porta localizada à ré da rampa de carga é a maior das partes fornecidas pela FAdeA, uma peça que se abre para dentro da aeronave para acesso ao compartimento (recuando para o teto da área que não é utilizada como espaço útil e serve para sustentação da empenagem, no caso a seção II da fuselagem traseira fornecida pelos tchecos). Para a produção dessa grande porta, a empresa argentina ampliou sua capacidade de conformar materiais compostos e de tratar termicamente peças de alumínio, com investimento em maquinário de alta velocidade.
República tcheca
Praticamente na mesma época da Argentina, a República Tcheca anunciou a intenção de compra de duas aeronaves e o acordo para participação industrial de sua principal empresa aeronáutica, a Aero Vodochody. As partes fornecidas pelo país são:
- Fuselagem traseira (seção II)
- Portas e escotilhas (laterais, da tripulação, de emergência)
- Rampa de carga
- Partes fixas dos bordos de ataque das asas
- Componentes das asas
Destas, vale destacar o tamanho e a importância da rampa de carga, considerada pela Embraer um diferencial da aeronave. Apesar de não ter sido aberta na apresentação (teria sido ótimo, mas é certo que haveria necessidade de isolar a área para que os convidados não entrassem pela mesma, pois estava ocupada de equipamentos de testes), é possível perceber nas fotos de páginas anteriores e concepções gráficas desta e das próximas o seu tamanho, em conjunto com a porta fornecida pela Argentina. A rampa vai até o início dos “sponsons” que abrigam o trem de pouso principal, abrindo-se para a entrada e saída de carga, soldados, veículos e equipamentos.
Trata-se de uma rampa consideravelmente longa em relação ao comprimento do avião, o que traz duas características importantes dentro do novo conceito do KC-390 para ser competitivo no mercado (e mais flexibilidade e ganho operacional aos clientes), como destacaram Schneider e Gastão: uma delas é, no caso de carregamento de veículos de maior porte e com grande distância entre eixos, um ângulo de subida mais fácil para a entrada dos mesmos. Outra é a capacidade de carregamento de cargas (pallets) sobre a própria rampa, o que amplia de cinco (estes sob o piso do compartimento) para sete pallets 463L a quantidade que se pode transportar.
Aqui vale destacar que, quando se trata do transporte de veículos, a capacidade máxima concentrada de carga do KC-390 é de 26 toneladas, pois os mesmos se constituem como “carga máxima concentrada”. Ou seja, o fato de serem veículos, com concentração de peso e possibilidade de serem acondicionados o mais próximo possível do centro de gravidade (CG) da aeronave, permite que esse peso máximo de 26 toneladas seja transportado de forma concentrada, na melhor posição. Já a “carga paga máxima” da aeronave, que é de 23 toneladas, refere-se ao carregamento de cargas distribuídas ao longo do compartimento (como os pallets).
Portugal
Falando em carga, a maior parte desta estará abrigada na fuselagem central da aeronave, que é responsabilidade de outro parceiro do programa: Portugal. O país entrou como parceiro em 2010, anunciando a intenção de adquirir seis aviões e assinando em 2011 o contrato que inclui o fornecimento das seguintes partes pelas empresas OGMA (Indústria Aeronáutica de Portugal) e o Centro de Excelência da Embraer em Évora, com participação da EEA (Empresa de Engenharia Aeronáutica) na engenharia de desenvolvimento:
- Painéis da seção central da fuselagem
- Sponsons (carenagens) que abrigam o trem de pouso principal
- Portas do trem de pouso principal
- Profundores
- Painéis de asa e de cauda (em Évora)
É importante destacar que em 2004 a Embraer (juntamente com a europeia EADS) ganhou o consórcio para adquirir a OGMA, o que permitiu à empresa brasileira expandir a presença na Europa, estando o controle acionário com a Embraer. A parte da OGMA na produção da seção central da fuselagem (com engenharia da empresa brasileira) se destaca por esta ser uma das maiores seções que compõem a aeronave, com 10,5 metros de comprimento, enquanto os sponsons e portas do trem de pouso principal têm como características o aspecto robusto, sendo construídos com materiais compostos e ligas metálicas. Os profundores e sponsons produzidos na OGMA têm engenharia da EEA, uma empresa criada pelo Governo de Portugal, o qual também tem participação na OGMA. Já o Centro de Excelência da Embraer em Évora, constituído pela fábrica de compósitos (com 31.800m2) e pela fábrica de metálicos (37.100m2) inauguradas em 2012, produz painéis de asa e de cauda.
Outros dois países têm intenções de compra do KC-390, embora sem participação industrial no programa: o Chile e a Colômbia. Os chilenos, primeiros a formalizarem a intenção em meados de 2010, pretendem adquirir 6 aviões, enquanto a Colômbia, que também anunciou sua intenção naquele ano, é o potencial cliente exterior de mais aeronaves pretendidas: 12 exemplares. Somando todos os jatos que esses dois países e os três parceiros industriais tencionam adquirir, chega-se a 32 intenções de compra.
Somadas às 28 encomendas firmes da FAB e aos dois protótipos que esta deverá incorporar à frota, o total de entregas a esses seis países (incluindo o Brasil) tem potencial para chegar a 62 exemplares. Evidentemente, uma intenção não é uma aquisição e, desde os anúncios de cada um desses governos, já se passaram alguns anos sem novos interessados anunciados formalmente (apesar de forças aéreas como a da Suécia demonstrarem interesse, no contexto do recente contrato assinado pelo Brasil para adquirir os caças Saab Gripen suecos – e, de fato uma delegação da Suécia estava presente no roll-out). Também não houve ainda a transformação das intenções em pedidos firmes. A expectativa da Embraer é que tanto a apresentação realizada quanto o primeiro voo , marcos fundamentais no desenvolvimento de uma aeronave para o mercado, potencializem os esforços de venda entre os 32 países que mandaram representantes ao Brasil para conhecer o avião.
Fornecedores internacionais consagrados para ajudar a conquistar bandeiras: o motor
Um avião militar como o KC-390 é recheado de sistemas e subsistemas que precisam ser decididos bem antes de um programa de produção iniciar, congelando a configuração da aeronave. Os principais foram definidos há cerca de três anos, no segundo semestre de 2011, após extensos processos de seleção entre fornecedores do mercado mundial.
A escolha desses equipamentos é de extrema importância para oferecer a clientes um “pacote” completo e integrado na forma de um avião – evidentemente, forças aéreas podem buscar customizações para padronizar seus jatos com equipamentos empregados em outras aeronaves que tenham em serviço, mas o fato dos principais componentes “originais de fábrica” já representarem itens integrados e com ganhos de escala sempre pesam nas decisões de compra, e quanto mais consagrados são esses sistemas, mais atrativo fica o produto.
Pode-se dizer que cada escolha levou em conta essas vantagens, e duas delas chamaram mais a atenção do mercado quando anunciadas, por se tratar dos equipamentos que mais impactam na operação rotineira de um avião e representam parcelas importantes do custo: os motores e a suíte de aviônica.
Em julho de 2011, a Embraer anunciou a escolha da IAE (International Aero Engines) como fornecedora dos motores, com o modelo V2500-E5, versão oferecida especialmente para o KC-390 e derivada de uma família de propulsores com mais de 6.000 exemplares entregues no mundo, voando em aeronaves de cerca de 200 clientes. O outro concorrente cogitado, da mesma categoria de 30.000 libras de empuxo, era o CFM56. A IAE é um consórcio multinacional de motores aeronáuticos formado pela Pratt & Whitney (EUA), Pratt & Whitney Aero Engines International GmbH (Suíça), pela Japanese Aero Engines Corporation (Japão) e pela MTU Aero Engines (Alemanha). A família V2500, cujo primeiro exemplar entrou em serviço em 1989, é conhecida por equipar boa parte dos jatos comerciais de corredor único da Airbus (A319, A320 e A321).
O modelo V2500-E5 oferece 31.330 libras de empuxo e é considerado um desenvolvimento da versão civil A5 (empregada na maior parte dos aviões comerciais citados acima), com algumas modificações para as necessidades militares e específicas do KC-390, otimizando a instalação na aeronave. A IAE realiza a montagem do V2500-E5 nas instalações da Pratt & Whitney em Middletown (Connecticut, EUA), seguindo para a UTC Aerospace Systems – Aerostructures (Foley, Alabama) para instalação das naceles, reversores de empuxo e outros equipamentos, formando um conjunto completo enviado à Embraer.
Uma das perguntas recorrentes sobre o KC-390 costuma ser a resistência de motores a jato quando a aeronave é empregada em pistas não preparadas ou contaminadas com objetos soltos, quando comparados a aviões turboélice.
O engenheiro Gastão Mota informou que, por um lado, a instalação alta do motor (a parte mais baixa de sua nacele fica a mais de dois metros do solo, como pudemos comprovar pessoalmente junto à aeronave) e outros cuidados de projeto relacionados ao trem de pouso dianteiro e às suas portas, para evitar que pedras lançadas pelas rodas atinjam a área dos motores, minimizam bastante o risco de FOD (dano por ingestão de objeto estranho pela turbina).
Por outro lado, o motor turbofan V2500-E5 tem alta razão “bypass”, o que significa que a maior parte da massa de ar que passa pelo fan (ventilador da parte dianteira do conjunto) de 63,5 polegadas é fria, ou seja, não entra no núcleo (core) quente do motor, que tem diâmetro consideravelmente menor (sendo que o comprimento total do motor é de 126 polegadas, segundo dados da IAE). Assim, mesmo que um detrito seja sugado, a maior probabilidade é que ele acompanhe a massa fria de ar, sem entrar no núcleo. A razão bypass informada pela IAE é de 4,7.
Ao longo dos primeiros meses de 2014, a IAE entregou seis motores para a Embraer, os três iniciais antes mesmo do prazo estabelecido e outros três, instrumentados, no mês de maio, todos visando o emprego nos testes de voo. A certificação civil dos motores foi recebida em agosto do mesmo ano (certificados pela FAA americana), e mais exemplares têm entregas planejadas à Embraer para as aeronaves de produção.
Aviônica Rockwell Collins, tradicional fornecedor na aviação comercial
Assim como se procurou um motor de reconhecido sucesso comercial e com serviços de apoio bem estabelecidos no mundo, na aviônica a decisão seguiu caminho semelhante, aproveitando a experiência da empresa na área de jatos comerciais e executivos. Após a análise de concorrentes que incluíam a AEL Sistemas (empresa brasileira controlada pela israelense Elbit e instalada em Porto Alegre-RG, fornecedora de boa parte da aviônica dos atuais aviões de combate da FAB), prevaleceu em maio de 2011 a ideia de que a suíte aviônica deveria ser de fornecedor consagrado mundialmente na aviação comercial, com um pacote moderno e vasta rede de assistência e de manutenção já estabelecida: a Rockwell Collins, com o seu novo sistema Pro Line Fusion.
A parte mais visível do Pro Line Fusion é o conjunto de cinco telas coloridas e multifuncionais de 15 polegadas, chamadas DU, quatro no painel e uma no console central, esta última junto ao sistema de gerenciamento de voo (FMS). A parte não visível são os dois DMC (gabinete modular da unidade concentradora de dados), que funcionam como “cérebro” do sistema. Vale lembrar que o Pro Line Fusion também equipa jatos executivos da Embraer (o novo Legacy 500) e tem como destaques a redundância, a flexibilidade de configuração de apresentação dos dados, simbologia intuitiva, além da arquitetura com capacidade de crescimento, reunindo todas as vantagens operacionais que a aviação civil tem comprovado em sistemas do tipo, porém num formato também militarizado: compatibilidade com óculos de visão noturna (OVN / NVG), interface com computadores de missão para apresentar os dados críticos para surtidas específicas, como o lançamento de paraquedistas e cargas em que o ponto para lançar e altitude são computados para aumento da precisão, recursos aos quais se somam comunicação via satélite e outros. Também estão integrados ao sistema dois visores ao nível dos olhos (HUD, estes fornecidos pela AEL).
Voltando ao espaço da aviação civil, no qual uma aeronave militar voa a maior parte das missões em tempo de paz, os sistemas de navegação integrados ao Pro Line Fusion permitem operar nos ambientes modernos que vêm se consolidando nos últimos anos, como separação vertical mínima requerida (RVSM), navegação de área (RNAV) e sistemas que evitam colisões no tráfego (TCAS).
A entrega do software para ensaios de voo do Pro Line Fusion para o programa KC-390 foi anunciada em setembro deste ano, dentro do prazo previsto, marcando a primeira aplicação militar do sistema, e para isso a Rockwell Collins estabeleceu no Brasil (em São José dos Campos) uma equipe de engenharia e gestão dedicada ao programa do jato militar da Embraer. Outros marcos importantes ocorridos anteriormente, nessa relação industrial, foram o anúncio da decisão de produzir no Brasil as caixas de controle e painéis dos sistemas aviônicos, em março de 2013, dentro de um acordo de compensação industrial e tecnológica negociado com a FAB no valor de quase 140 milhões de dólares (que prevê transferência de tecnologia em projetos de interesse da Aeronáutica), cuja assinatura deu-se em novembro daquele ano, com vigência até 2036. Na Embraer, foi montado um RIG (sistema instalado em terra) da aviônica Pro Line Fusion do KC-390 , com o objetivo de desenvolver e testar as diversas funcionalidades, replicando o painel e console central da aeronave.
Sistemas de autoproteção da AEL
Falamos acima na AEL. A empresa baseada no Rio Grande do Sul, mesmo sem ficar com a suíte aviônica que coube à Rockwell Collins, recebeu uma considerável parcela de sistemas para desenvolver e fornecer (definição no final de 2011), com integração ao Pro Line Fusion. O item principal é o computador de missão, onde funciona o software que integra os sistemas de missão, como datalink (enlace de dados), radar, o já citado sistema de cálculo do ponto de lançamento de cargas e os sistemas de autoproteção e contramedidas (SPS e
DIRCM, integrados). Estes últimos são fornecidos pela AEL, atendendo aos requisitos exigentes de sobrevivência em missões de lançamento de cargas, assalto aeroterrestre e infiltração/exfiltração de tropas. O SPS aumenta a consciência situacional da tripulação, permitindo detectar e reagir às ameaças, sendo integrado ao DIRCM (contramedidas direcionais para mísseis guiados por infravermelho) que utiliza um laser de última geração, baseado em fibra óptica, que gera um feixe de energia na direção da cabeça de busca do míssil, visando interferir no seu curso a uma distância segura.
Outros itens fornecidos pela AEL são o HUD – visor ao nível dos olhos – que fornece as informações de voo aos pilotos sem que seja necessário mudar a atenção para o painel (o que é fundamental em diversos momentos da missão e nas operações de pouso e decolagem) e o EVS – sigla em inglês para sistema de visão aprimorada, que permite pouso sob baixa visibilidade, aumentando a capacidade de operação segura sob condições adversas. Sensores instalados em janela logo acima do radome do KC-390 capturam imagens exteriores reais e em infravermelho, que são projetadas no HUD para o piloto “ver” o ambiente externo de forma sintética. O sistema também permite gravação da visão do piloto sobreposta às informações geradas pelo HUD, para análise das missões. Pode-se dizer que, assim como o motor e a suíte aviônica, os itens fornecidos pela AEL também trazem uma marca de reconhecimento internacional, da controladora Elbit de Israel.
Destacamos alguns itens de fornecedores reconhecidos entre os melhores do mercado mundial, mas diversos outros também trazem esse “selo de qualidade”. Destacam-se o radar T-20 Gabbiano da Selex Galileo, com modos ar-ar, ar-solo, de mapeamento de terreno e de abertura sintética (SAR), incluindo a inversa (ISAR); sistemas de controle ambiental da Liebherr; sistemas de rodas, freios, retração e extensão do trem de pouso da Messier-Bugatti-Dowty, do grupo Safran, que também fornece o sistema de geração de energia de emergência, o PAWS (sistema passivo de alerta de aproximação) da israelense Elisra, dentre diversos outros.
Vale ressaltar também o sistema de reabastecimento em voo (REVO) da também consagrada Cobham, composto pelos casulos modelo 912 instaladas sob as asas (empregadas em diversas aeronaves reabastecedoras) e demais itens relacionados, incluindo o probe sobre a fuselagem dianteira que permite que o próprio avião seja reabastecido em voo. Sobre REVO, vale falar um pouco mais na seção a seguir, pois a existência do “K” na denominação KC-390 já denota a importância da missão para a aeronave.
Levantando a bandeira da flexibilidade de missões
Ao invés de versões separadas como seria com um C-390 dedicado a carga, mas sem provisão de sistema de REVO, e um KC-390 com essas provisões, a Embraer está fornecendo a aeronave dentro de um conceito de flexibilidade em que ela já sai preparada, de fábrica, para ser configurada para diversas missões nos esquadrões operadores, dentro de seus próprios hangares. Evidentemente, isso agrega custos ao avião básico, mas os ganhos de escala podem deixá-los dentro de patamares aceitáveis e, principalmente, os ganhos de flexibilidade representam um diferencial importante para compradores, representando economia ao operador que pode substituir mais de um tipo de aeronave por um só modelo de avião multifuncional. E a mais importante provisão de fábrica (com todos os cabeamentos e linhas de combustível necessárias) é a capacidade de tornar o avião de transporte em reabastecedor, de forma modular, no sistema “probe and drogue” (com mangueira e cesta).
O cliente pode adquirir as naceles, o probe e os tanques de combustível paletizados para transporte no compartimento de carga (até duas unidades, fornecidas pela Sargent Fletcher, podem ser levadas pelo avião para somar 14 toneladas de carburante à capacidade de 23,2t dos tanques de combustível das asas) na quantidade que julgar necessária frente à frota que vai operar. O KC-390, configurado para REVO, atende a especificações que nasceram da experiência da FAB, tendo mangueira de 33 metros para minimizar a turbulência gerada pelo reabastecedor, cestas intercambiáveis para reabastecimento de aviões e de helicópteros, e taxa de transferência de combustível de aproximadamente 450 galões por minuto. Quanto à aeronave em si, mesmo sendo um jato capaz de velocidades de 470 nós (cerca de 850km/h), o KC-390 foi projetado para manter velocidades mais baixas, adequadas ao reabastecimento de helicópteros, entre 120 e 140 nós (216 a 252 km/h).
Outras missões para as quais a aeronave pode ser facilmente (segundo a Embraer) configurável no próprio esquadrão operador, são de assalto aéreo / infiltração aérea (lançamento de paraquedistas pela rampa ou portas laterais traseiras e seus equipamentos), combate a incêndios (com kit de lançamento de líquidos), evacuação aeromédica (com até 74 macas, 8 atendentes e 7 cilindros de oxigênio) e busca e salvamento (SAR). Para esta última, uma configuração possível para grande autonomia inclui dois tanques paletizáveis, um kit SAR (incluindo bote, víveres etc para serem lançados), pod eletro-óptico / infravermelho e rádio SAR, além de postos para quatro observadores, à frente dos quais podem ser instaladas janelas em bolha substituindo (num procedimento simples de troca) as janelas normais.
Vale acrescentar que, para missões na linha de frente ou em ambientes hostis, além dos sistemas de autoproteção e contramedidas já citados a aeronave dispõe de blindagem contra projéteis de 7,62mm ou .50, estrutura tolerante a danos, redundância em sistemas críticos e sistema embarcado de geração de gás inerte (OBIGGS). Evidentemente, há a missão principal para a qual o avião foi criado: o transporte de cargas em missões militares. O trunfo que traz para a sua categoria é o desempenho de um jato, capaz de maior produtividade do que um turboélice – mais velocidade, permitindo mais missões num mesmo período de tempo e mais carga entregue (tanto por missão quanto no total). Mas para isso se traduzir em ganho operacional, não basta ser um jato, é preciso também ter disponibilidade e confiabilidade.
É nesse sentido que o projeto da aeronave visa, segundo a Embraer, um custo menor ao longo do ciclo de vida do que seus concorrentes do mercado (e ainda que os executivos da empresa prefiram não citá-los, é evidente que o avião a superar nesse sentido é o Hercules), incorporando conceitos modernos de manutenção, como monitoramento de estrutura e de falhas, além do uso de diversos sistemas COTS (de prateleira, ou facilmente disponíveis comercialmente). Os principais parâmetros perseguidos pelo projeto foram disponibilidade de frota de 80%, confiabilidade para cumprir as missões (mission reliability) de 95%, e mais tempo entre as inspeções programadas e menor duração destas. No caso das intermediárias (A check), o intervalo planejado é de 600 horas de voo ou 12 meses, com realização dos trabalhos entre 1 e 3 dias. Já no caso do chamado “C check” de 6.000 horas de voo ou 60 meses, se espera tempo de realização de 8 a 12 dias, segundo a Embraer.
A preparação para o primeiro voo
Para pôr à prova todas essas ambições de projeto a seu primeiro operador (a FAB) e potenciais clientes foi iniciada, após o roll-out, uma nova fase do programa: a preparação para o primeiro voo marcado ainda para 2014. Para isso, o avião já foi apresentado bastante completo, segundo os executivos da Embraer (externamente, percebe-se itens como PAWS, DIRCM e EVS já instalados, por exemplo, sendo as ausências mais notadas os pods/casulos de reabastecimento, mas vale relembrar que estes são “kits” e não itens “de série”). Schneider e Gastão também asseguraram ser este o caso da parte interior, apesar da cabine da aeronave só ter sido apresentada para as autoridades (mais uma das atividades separadas para cada público, daquele dia). A cabine de pilotagem (cockpit) já está completa e a área de carga repleta de instrumentação para capturar os dados dos primeiros ensaios em voo, afirmou Gastão. Os próximos passos antes do voo inaugural são a verificação final dos sistemas e testes de integração, de motores, de vibração no solo, e inspeção de autoridade de certificação para liberar o voo.
Finalizando, vale a pena destacar outra cena marcante daquele dia, mas que a imprensa só viu mais tarde, por imagens divulgadas pela própria empresa. Isso porque ela ocorreu quando os jornalistas convidados já se dirigiam ao voo de volta a São Paulo (no caso dos que de lá foram e voltaram, a convite da Embraer, num jato E175 com interior novo em folha e prestes a ser entregue à companhia americana United Express). Deixamos em suspenso, desde um dos primeiros parágrafos deste texto, o destino da longa fila de funcionários da Embraer que se dirigiu separada imprensa em direção ao pátio onde o KC-390 fez seu “roll-out”, e que se concentraram atrás de uma cerca metálica. Pacientemente aguardaram que autoridades, delegações internacionais (e seus 32 companheiros de trabalho selecionados que carregaram bandeiras das mesmas) além dos jornalistas circundassem a aeronave em ambiente claramente festivo, ainda que todos estivessem a trabalho.
Quando a imprensa e os convidados de todo o mundo deixaram o pátio chegou a vez deles: um mar de camisetas azuis pôde enfim cercar o KC-390 e celebrar a ocasião histórica tanto para as câmeras que registraram o momento, com os fins esperados de divulgação, quanto para suas próprias câmeras pessoais, celulares e, principalmente, olhares. Pessoas que trabalham com ferramentas reais ou virtuais para que o novo jato cumpra o objetivo traçado, pela própria Embraer em conjunto com os requisitos da FAB, de estabelecer novos padrões de capacidade e desempenho para o segmento, competindo certamente com a versão moderna (e que prossegue com boas vendas) de uma já lendária aeronave militar, nesse mercado extremamente difícil do século XXI.
Nos próximos meses e anos, o KC-390 terá que provar, em sua campanha de certificação, que tem condições para conquistar mais encomendas e voar sob diversas bandeiras pelo mundo. E boa parte da responsabilidade de tornar isso possível está nas mãos dessas pessoas, tanto quanto do pessoal comercial que viaja pelo mundo promovendo o KC-390, para fazer com que este carregue mais longe a bandeira da indústria aeronáutica do país, especialmente na desafiadora área de defesa.
O resultado da competência baseada em conhecimentos, habilidades e atitudes
Participar da cerimônia de apresentação do KC-390, a maior aeronave já construída pela Embraer e motivo de orgulho para todos os brasileiros, foi um privilégio.
Foi um evento que pode ser sintetizado em apenas uma palavra: competência, aqui entendida como a transformação de conhecimentos, habilidades e atitudes em um resultado prático.
A partir dos conhecimentos acumulados e desenvolvidos pela Embraer, parceiros estratégicos e fornecedores, vimos surgir uma aeronave que excede diversos dos exigentes requisitos estabelecidos pela Força Aérea Brasileira para um avião de transporte militar de médio porte.
Com habilidade, projetistas, gerentes e autoridades, públicas e privadas, superaram dificuldades, decidiram com acerto e oportunidade e mantiveram suas convicções iniciais de chegar a um produto moderno e eficiente, que será certamente um sucesso comercial.
Sem dúvida, é hora de parabenizar a todos que, de alguma forma, participaram deste longo caminho.
Sonhar, conceber, projetar e construir esta maravilha tecnológica exigiu, antes de tudo, atitudes, que foram assumidas por pessoas de diversas instituições.
Também neste aspecto, sinto-me um privilegiado. Conheci muitos destes profissionais que sonharam e transformaram este sonho em realidade, como os gerentes do programa, coronel Sérgio Carneiro – pela FAB e engenheiro Paulo Gastão – pela Embraer, ambos formados pelo Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), que há mais de sessenta anos vem formando excelentes engenheiros para o Brasil, principalmente para o setor aeroespacial.
Ao repetir o feito do inventor Alberto Santos Dumont, Patrono da Aeronáutica Brasileira, nosso povo novamente comprova ser capaz de responder a quaisquer demandas, bastando para isso que se lhe apresente os desafios, assuma as prioridades e disponibilize os recursos, tudo isso amparado por atitudes compatíveis com um país que deseja um maior protagonismo no concerto das nações.
Brigadeiro do ar Carlos Baptista de Almeida Jr.
KC-390: características e capacidades gerais divulgadas |
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82,6 toneladas |
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Dois motores turbofan IAE V2500-E5, |
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470 nós (próximo a 850km/h) / 0,80 Mach |
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36.000 pés (cerca de 11.000 metros), |
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23,2 toneladas |
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14 toneladas |
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1.380 nm (milhas náuticas) / 2.556km |
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2.780nm / 5.148km |
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3.350nm / 6.204km |
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4.640nm/ 8.593km |
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23 toneladas métricas (compartimento de carga com 18,5m de comprimento, 3,45m de largura e altura de 2,95m) |
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26 toneladas métricas (caso típico de transporte de veículo blindado) |
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80 soldados; 66 paraquedistas; 74 macas; 7 pallets 463L; 3 veículos Humvee; 1 helicóptero Blackhawk; 1 veículo blindado LAV-25; entre outras |
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FONTE: Revista Forças de Defesa nº 14, terceiro/quarto trimestre de 2014