Malvinas 35 anos: por que as bombas não explodiram? (PARTE 8)
Há 35 anos argentinos e britânicos se enfrentaram na gélidas águas do Atlântico Sul para disputar a posse das ilhas Malvinas (Falklands, como se referem os britânicos). Foi durante esse conflito que a Força Aérea Argentina (FAA – Fuerza Aérea Argentina) entrou pela primeira vez em combate contra um inimigo externo. O batismo de fogo ocorreu no dia 1º de maio de 1982. O blog do Poder Aéreo está publicando em partes um artigo exclusivo sobre os vetores, os armamentos e as táticas empregadas pela FAA para atacar e destruir os navios da Força-Tarefa britânica. Para ler as partes anteriores clique nos links abaixo.
Parte 1- Introdução
Parte 2 – Vetores e armamentos
Parte 3 – As Táticas
Parte 4 – Espoletas
Parte 5 – O primeiro ataque
Parte 6 – ‘Bomb Alley’
Parte 7 – O dia da Pátria
Esforço hercúleo
A rendição das forças argentinas ocorreu no dia 14 de junho quando as tropas britânicas retomaram a capital da ilha. Não havia mais nada que a Força Aérea Argentina (FAA) pudesse fazer a não ser extrair duras lições do conflito.
A história da retomada das Ilhas Malvinas pela Argentina foi uma surpresa não só para as Forças Armadas da Grã Bretanha, mas também para a Força Aérea Argentina (FAA). Chamada às pressas para um combate que nunca havia sido vislumbrado pelos seus comandantes, ainda assim a FAA realizou um brilhante papel no conflito.
Com a esquadra de alto mar atracada nas bases navais argentinas (exceção feita aos submarinos) e uma aviação naval diminuta (porém altamente profissional e dotada de alguns equipamentos de ponta), coube a FAA o peso do protagonismo. Um papel que ela não poderia deixar de exercer, mesmo sem conhecer o ambiente aeronaval (ver mais detalhes na parte 1).
É nítida a evolução da Força Aérea Argentina ao longo do conflito. O esforço para transformá-la numa “máquina demolidora de navios” foi hercúleo. Empregando somente os equipamentos que dispunha, a FAA soube se adaptar às dificuldades que se apresentaram.
O primeiro grande passo foi o estabelecimento de novas táticas. Para que os pilotos tivessem a mínima chance de executar o ataque e sobreviver ao mesmo, foi definida uma tática que não encontrava paralelo na história da aviação. Voar a alturas extremamente baixas e altas velocidades subsônicas durante a corrida final de ataque.
Dez anos antes das Malvinas, pilotos norte-vietnamitas atacaram navios da Marinha Norte-americana durante a Guerra do Vietnã também com bombas de queda livre. No entanto, não há evidências de que os norte-vietnamitas tenham executado os ataques a alturas extremamente baixas como aquelas executadas pelos pilotos argentinos (abaixo de 50 m).
Além disso, a ação norte-vietnamita carecia de refinamentos táticos e detalhes técnicos considerados pelos argentinos. Por exemplo, o fato de um dos MiG-17 norte-vietnamitas ter sido supostamente abatido por um míssil Terrier (os norte-vietnamitas afirmam que a aeronave voltou à base) demonstra que os pilotos desconheciam o perfil de engajamento desse armamento e não voaram colados ao mar para evitar o rastreamento/travamento.
Por outro lado os militares da FAA, graças à ajuda dos seus colegas da marinha, definiram muito bem os padrões de altura de voo baseado na curva de detecção dos radares Tipo 909 das escoltas antiaéreas. A validação dos estudos se mostrou correta em pelo menos uma das oportunidades quando o contratorpedeiro HMS Conventry (Tipo 42) disparou um míssil Sea Dart a esmo contra dois A-4 voando colados às ondas. O radar de bordo não pôde definir uma solução de tiro (não travou no alvo), pois o retorno dos sinais dos aviões era mascarado pelo retorno da superfície do mar e da massa de terra ao fundo. Mesmo sem travar no alvo a tripulação disparou o míssil e este seguiu uma rota errática sem ameaçar os jatos argentinos.
O segundo passo foi a adaptação das armas existentes para as táticas estabelecidas. As armas existentes no inventário da FAA mais apropriadas para os desafios postos eram as “bombas burras”. Nem mesmo as bombas frenadas por paraquedas se adaptavam ao perfil de ataque proposto. Portanto, foi necessário modificar o tempo para que as espoletas se armassem e o tempo para que as bombas fossem detonadas.
Em alguns casos, como o tempo para armar as bombas MK-17, a solução veio rapidamente. Aliás, a própria instalação de bombas MK-17 em jatos Skyhawk e Dagger foi uma solução gerada no meio do conflito (as bombas MK-17 eram parte integrante do sistema de armas dos bombardeiros Canberra).
Em outros casos foi necessário acionar o parque industrial militar do país. O exemplo da modificação das espoletas espanholas Kappa III é bastante emblemático. Para converter um mecanismo mecânico em eletrônico, incluindo o tempo de ensaio e o estabelecimento de uma linha de produção, foram gastos apenas duas semanas! Esta é uma vitória sem precedentes para um país de recursos limitados e para uma Força Aérea que foi apanhada de surpresa.
O resultado de todo o esforço da FAA e seus militares no intuito de atacar a esquadra britânica pode ser comprovado em estatísticas. Dos sete navios britânicos afundados ou destruídos pelos argentinos, a FAA foi responsável por cinco deles. Outros 15 foram avariados ou colocados fora de combate. Desde a Segunda Guerra Mundial os britânicos não perdiam tantos homens em combate por dia de guerra como ocorreu nas Malvinas. E os ataques aos navios foram responsáveis por mais da metade das vítimas fatais, sendo que os ataques da FAA somaram perto de uma centena de mortos.