Malvinas 35 anos: por que as bombas não explodiram? (PARTE 3)
por Guilherme Poggio
Há 35 anos argentinos e britânicos se enfrentaram na gélidas águas do Atlântico Sul para disputar a posse das ilhas Malvinas (Falklands, como se referem os britânicos). Foi durante esse conflito que a Força Aérea Argentina (FAA – Fuerza Aérea Argentina) entrou pela primeira vez em combate contra um inimigo externo. O batismo de fogo ocorreu no dia 1º de maio de 1982. O blog do Poder Aéreo está publicando em partes um artigo exclusivo sobre os vetores, os armamentos e as táticas empregadas pela FAA para atacar e destruir os navios da Força-Tarefa britânica. Para ler as partes anteriores clique nos links abaixo.
Parte 1- Introdução
Parte 2 – Vetores e armamentos
Parte 3 – As Táticas
Sem dispor de artefatos do tipo ‘stand-off’ e adaptados para o ambiente aeronaval os militares da FAA tiveram que se virar com as armas que dispunham para atacar os navios da esquadra britânica. A melhor opção eram as bombas de queda livre, mesmo que estas não fossem as mais adequadas.
De forma genérica (e simplificada), os métodos de ataque ar-superfície de caças-bombardeiros empregando artefatos de queda livre são dois: em mergulho ou em nível. O primeiro é o mais tradicional sendo que em condições ideais para lançamento a aeronave atacante deverá estar a 5-8 km do alvo numa altura entre 2.500-4.000 m e assim realizar um mergulho com ângulo de 30-45º.
No segundo caso (em nível) o caça-bombardeiro aproximasse a baixa altura e alta velocidade, mantendo esses dois parâmetros com pouca variação. Porém, neste perfil de ataque são empregados artefatos de queda livre com efeito retardado, seja por retardo de tempo de ignição, seja por frenagem de queda. Este efeito retardado permite que a aeronave atacante não seja atingida por fragmentos oriundos de seus artefatos lançados ou dos alvos atingidos (ver imagem mais abaixo). A exceção são as bombas incendiárias que, por não gerarem fragmentos, não expõem as aeronaves atacantes a este tipo de risco.
Há também o bombardeio em nível executado a partir de médias e altas altitudes. Este perfil é mais comum para bombardeiros típicos e contra alvos terrestres. Atualmente este perfil de ataque também é empregado por caças armados com munições guiadas em Teatros de Operação onde a ameaça é de baixo risco. No entanto, há diversas desvantagens como a falta de precisão e a exposição da aeronave atacante ao fogo antiaéreo por longo tempo.
Uma técnica de bombardeio a baixa altitude que permite o lançamento de artefatos de queda livre a distâncias consideráveis do alvo é o bombardeio de arremesso por trajetória balística ou “toss bombing”. Esta técnica permite que a aeronave atacante fique fora do alcance das defesas proximais, correndo risco menor de ser atingida por fogo antiaéreo. O método toss bombing para lançamento de armas de queda livre peca pela falta de precisão, não sendo recomendado para alvos navais.
Vale lembrar que as aeronaves argentinas daquela época não possuíam sistemas computacionais para cálculo de trajetória de artefatos de queda livre como os modos CCIP e CCRP (Continuously Calculated Impact Point / ponto de impacto continuamente calculado e Continuously Calculated Release Point / ponto de lançamento continuamente calculado). Esses tipos de modos permitem que os artefatos de queda livre sejam lançados independentemente do perfil de voo da aeronave com considerável precisão.
Não demorou muito tempo para que os estrategistas da FAA entendessem que o bombardeio em mergulho a partir de médias alturas se converteria numa verdadeira ação suicida diante de uma esquadra dotada de modernos (para a época) e diferentes sistemas de defesa antiaérea que se superpunham em diferentes camadas. Uma vez que as bombas de queda livre eram o armamento que a FAA dispunha, outra técnica de ataque teria que ser buscada no curtíssimo prazo.
Decidiu-se por uma solução que não encontrava paralelo na história da guerra aeronaval. Os aviões fariam a penetração final a alturas extremamente baixas (mais baixas que aquelas empregadas em bombardeios em nível) e lançariam suas bombas praticamente sobre o alvo a velocidades superiores a 900 km/h. No entanto, havia questões técnicas a serem resolvidas.
Dificuldades
O primeiro grande desafio dos militares da FAA foi definir a altura do perfil de ataque para o lançamento das bombas. Uma das principais ameaças eram as escoltas antiaéreas da Royal Navy e seus sistemas GWS-30 Sea Dart. Como este era um dos sistemas de armas dos contratorpedeiros da classe Sheffield (Tipo 42), a FAA contou com a ajuda da Armada Argentina.
Na década anterior à guerra a Armada Argentina havia adquirido dois contratorpedeiros da classe Sheffield praticamente idênticos aos navios utilizados pela Royal Navy. A Marinha da Argentina então passou para a FAA todas as informações sobre a curva de detecção dos radares de bordo. Verificou-se que a corrida final de ataque das aeronaves deveria ocorrer abaixo dos 50 m de altura, caso contrário a probabilidade de abate das aeronaves seria de 80% segundo estes estudos.
Em alturas inferiores a 50 m o bombardeio nivelado a altas velocidades subsônicas, quando empregado em ações aeronavais, possui características peculiares. Em primeiro lugar há que se considerar o tempo de voo entre o lançamento da bomba e o momento em que ela encontra o alvo.
Imaginando-se que a bomba seja lançada a 900 km/h (equivalente a 250 m/s) a uma distância de 500 m do alvo o tempo de voo do artefato é de aproximadamente dois segundos. Este tempo é extremamente curto, sendo inferior ao tempo normalmente empregado para que a bomba seja armada (algo entre 3 e 4 segundos).
Por questões de segurança as bombas possuem um dispositivo que impede que elas sejam armadas quando estão presas à aeronave. Comumente este dispositivo é composto por um cabo preso à aeronave que se rompe no momento do lançamento, dando sequência ao trem de fogo (ou cadeia explosiva).
Após definir a altura máxima de lançamento, o segundo grande desafio dos militares da FAA foi procurar reduzir o tempo para armar as bombas. Definiu-se que o tempo deveria ser de 1,5 segundo ou menos. Este tempo daria uma margem de segurança após o lançamento e também permitiria que a bomba se armasse antes de atingir o alvo.
O problema seguinte estava relacionado ao atraso de tempo para que a bomba explodisse. Como a bomba e a aeronave voariam com velocidades aproximadamente iguais nesta curta trajetória até o alvo, a bomba atingiria o navio no exato momento em que a aeronave sobrevoaria o mesmo. Desta maneira a aeronave seria atingida pelos fragmentos da explosão.
Empregando-se uma espoleta com retardo de tempo a aeronave teria tempo de sobra para se afastar. Pelos estudos da FAA, ocorridos entre o final de abril e o início de maio de 1982, este tempo deveria ser de oito segundos.
Mas o retardo na detonação causado pela espoleta da bomba criava outro problema. Lançadas a uma velocidade inicial entre 900 e 1.000 km/h, as bombas teriam somente algumas frações de segundo para atravessar um navio de um bordo ao outro. Além da boca (distância de um bordo ao outro do navio) estreita as escoltas britânicas possuíam cascos e anteparas formados por finas chapas de aço ou alumínio com 10 ou 12 mm de espessura (reforçadas apenas em determinadas partes como os paióis de munição).
Se as bombas não encontrassem uma superfície suficientemente resistente (como os motores diesel, turbinas, geradores ou determinados paióis) para interromper a trajetória elas terminariam por explodir fora do navio. Não havia muito que fazer nesse caso a não ser empregar bombas mais leves (e, por tanto, com menos energia) e procurar lançá-las próximas de ângulos de 45º em relação ao eixo longitudinal do alvo.