Sobre aviões e produtividade
Em post recente sobre a aquisição duma empresa norte-americana pela Embraer discutiu-se muito sobre a produtividade e sobre o custo de mão-de-obra no Brasil e nos Estados Unidos. Para dar mais luz ao tema, trouxe um fragmento do livro “A decolagem de um sonho”, escrito por Ozires Silva detalhando a criação da Embraer.
Nele o autor, fundador e ex-presidente da companhia, relata a sua experiência quanto à decisão de se fabricar (sob licença) no Brasil aviões da Piper Aircraft. Muito esforço foi dedicado para equiparar a produtividade no Brasil com a produtividade da Piper norte-americana para os mesmo produtos. Mesmo assim os desafios estavam muito além da capacidade da Embraer em reduzir o “gap”.
Segue o texto (páginas 354-356)
Um aspecto sempre tinha sido do nosso maior interesse. Queríamos compreender como era possível nos Estados Unidos empregar-se um número tão reduzido de homens-horas por quilo de estrutura fabricada. Durante nossas discussões com a Piper, quando da colocação dos dados básicos no contrato, ficamos realmente surpresos com a pequena quantidade de mão-de-obra requerida para montar cada avião. Os números americanos, baseados na própria experiência industrial da linha de produção, eram basicamente a metade do que conseguíamos no Brasil.
Buscávamos explicações e, contudo, em todas as visitas que fazíamos as linhas de produção americanas, não somente da Piper, mas também da Cessna e da Beech, encontrávamos mais ou menos os mesmos métodos de trabalho, sem grandes diferenças no que se refere à automação da montagem. Apesar de todo esforço colocado para compreender as diferenças entre os métodos empregados pelas duas empresas, as únicas explicações possíveis vinham do nível cultural e de treinamento dos operários e da maior eficiência global do sistema de vida norte-americano em relação ao nosso.
Por essa razão decidimos enfatizar ao máximo o treinamento do pessoal para que, no resultado final, tivéssemos a possibilidade de chegar perto dos índices de performance da nossa parceira. Ao nosso departamento de pessoal foi solicitado preparar adicionalmente cursos de elevação de nível que funcionassem como uma espécie de supletivo educacional, que acabou por ter grande aceitação entre nossos empregados. Através desse mecanismo muitos deles lograram conseguir melhores níveis de escolaridade que foram reconhecidos pelo sistema educacional, dando-lhes oportunidade de fazer outros cursos de progresso pessoal.
Contudo, a despeito de todo esforço do nosso pessoal, nunca conseguimos igualar o número de horas, por avião produzido, que Piper ostentava na produção dos seus aviões. Esse aspecto particular de nossas linhas de produção, para frustração nossa, não afetava somente a Embraer. Tivemos inúmeras oportunidades de discutir o problema com dirigentes de outras empresas brasileiras, também fabricantes de artigos licenciados de produtores norte-americanos, e o resultado observado era o mesmo. Enfim, da nossa experiência, parece que isso está mais ligado à cultura local do que efetivamente aos métodos de trabalho implementados pelas empresas. Creio que a explicação é simples demais para ser aceita sem análises mais profundas, e, no momento em que a produção e a comercialização internacionais ser globalizam, os fatores detectados em nossas linhas de fabricação podem tornar-se cruciais na capacidade competitiva do país.
A partir dessas referências decidimos nos filiar ao centro das Indústrias do estado de São Paulo (da Fiesp – Federação das Indústrias do estado de São Paulo) para encontrar um fórum mais amplo para troca de ideias e conseguir mais dados sobre o assunto para trabalhar no sentido de encontrar solução a fim de superar essa desvantagem que, por todos os modos, não deveria subsistir, sob pena de reduzir drasticamente a competitividade da produção nacional.
No Brasil, sempre que colocamos esses aspectos em discussão, as pessoas buscavam argumentos técnicos para justificar a disparidade dos dados confrontados. Uns diziam que eram os métodos de trabalho, outros argumentavam a favor dos custos de capital no Brasil serem significativamente mais caros que nos Estados Unidos, requerendo assim mas intervenção humana dos operários, que não era solicitada naquele país. Entretanto, após muito pensar e discutir, prefiro concluir que a cultura da sociedade, e agindo de forma diversa perante os problemas em geral, gera maior ou menor eficiência do sistema produtivo. O fato de o Brasil ser realmente um país de decisões demoradas e complicadas afeta, sem dúvida, a eficiência com que o sistema produtivo nacional trabalha.
Isso tudo gera uma grande frustração, pois um povo mais pobre, como o nosso, na realidade deveria ter o direito de comprar produtos mais baratos, produtos com maior eficiência e, por consequência, mas acessíveis. No entanto, vivemos numa situação inversa. Nos Estados Unidos, em geral os custos de produção são menores e por esta razão, os americanos, melhor remunerados que os brasileiros, conseguem sempre os mesmos produtos a preços mais baixos. Um paradoxo que trabalha contra nós, os brasileiros.