MiG-21 que deserdou para Israel 1 - foto IAF
O MiG-21 de Radfa num hangar subterrâneo em Hatzor logo após a chegada.

Ainda como parte dos atritos na fronteira com a Síria, na noite do dia 14 para o dia 15 de agosto de 1966 uma embarcação de patrulha israelense encalhou num banco de areia no Mar da Galileia. Sabendo do ocorrido, os sírios enviaram quatro MiG-21 para o ataque e outros dois deram cobertura. Um dos quatro atacantes foi abatido pelo fogo antiaéreo e os demais se evadiram do local. Dois Mirage do “101” foram enviados para patrulhar a área e pouco depois apareceram novos MiG-21 no céu. O líder do elemento, capitão Yehuda Koren, disparou um míssil Shafrir que se desviou do alvo. Seguiram-se disparos de canhão cerca de 800 metros (sem sucesso) e de 300 metros que acabaram derrubando o caça sírio. Esta foi a primeira vitória de Koren, piloto israelense que obteria mais de dez abates em sua carreira.

Desde então o MiG-21 tornou-se a grande ameaça ao Mirage III e pouco se sabia sobre o avançado caça de origem soviética. Mas a oportunidade de por as mãos em um avião inimigo de última geração estava próxima. Semanas antes do combate de meados de agosto o comandante da FAI (Força Aérea Israelense) havia recebido uma carta (através de fontes na Europa) de um piloto iraquiano que pretendia deserdar e levar consigo um MiG-21.

O capitão Monir Radfa era um dos poucos pilotos cristãos (ortodoxo) da Força Aérea do Iraque e estava desapontado com o seu progresso na força em função da sua origem étnico-religiosa. O serviço de inteligência israelense convenceu-se da veracidade das intenções de Radfa e montou uma operação clandestina para recuperar o piloto e a sua aeronave, assim como salvaguardar a vida dos seus familiares diretos.

MiG-21 que deserdou para Israel 2 - foto IAF
O mesmo MiG-21 de Radfa recebeu pintura nova e bastante chamativa para não ser confundido com uma aeronave inimiga. Na parte de trás da fuselagem o numeral “007”.

E um dia depois da segunda vitória aérea dos Mirage, uma inusitada cena tomou conta dos céus israelenses. Tratava-se de Mirage III escoltando um MiG-21. O grupo pousou em Hatzor.

Uma vez em solo israelense o MiG-21 recebeu as insígnias da FAI na fuselagem e nas asas, bem como o numeral “007” (bastante sugestivo!) no lugar do original, o 534. Dentre as poucas pessoas que tiveram acesso ao avião estava Dany Shaphira, aquele mesmo piloto israelense que testou o Mirage na França pela primeira vez. Reza a lenda de que Radfa questionou Shaphira antes do seu primeiro voo no jato soviético. “Você não pretende subir naquele avião e sair voando com ele amanhã?”, perguntou Rafda. “É exatamente o que eu desejo fazer”, respondeu Shaphira. “Você é maluco”, devolveu o piloto iraquiano.

Rafda tinha certa razão. Não só porque esta era uma aeronave nova, mas também porque os aviões soviéticos empregam o sistema métrico. Acostumar-se com altímetros que marcam em metros (no lugar de pés) e velocímetros que graduados em quilômetros por hora (ao invés de milhas por hora) leva certo tempo.

A condução dos ensaios em voo em segurança com o caça soviético era importante não só para a FAI. O adido militar da embaixada dos EUA em Tel-Aviv começou a perguntar quando é que ele poderia ver o avião. Na verdade Israel já estava avaliando a possibilidade de adquirir aviões de ataque dos Estados Unidos fazia algum tempo, mas apenas armamentos defensivos (como as baterias de mísseis antiaéreos Hawk) e aeronaves de apoio (helicópteros S-58) haviam sido autorizados. O MiG-21 poderia servir como instrumento de barganha. O que se sabe é que anos depois este MiG-21 foi parar nos EUA e Israel adquiriu os armamentos que precisava da América.

I texto acima foi extraído do livro “Do Shahak ao Kfir – a história dos ‘deltas’ na Força Aérea Iisraelense”, atualmente sendo escrito por Guilherme Poggio. Espera-se que o livro seja concluído e publicado no início do ano que vem. capa - do shahak ao kfir

 

 

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Edgar

Que legal Poggio, parabéns pela iniciativa do livro!!

Reginaldo Jose da Silva Bacchi

Guilherme, faço questão de ler teu livro. Espero ansioso.

Clésio Luiz

Eu quero o meu assinado 🙂
.
Poggio, você pretende abordar o boato de que os Dagger e Kfir tinham fuselagens fabricadas na França e entregues clandestinamente aos israelenses? Reza a lenda que a linha de montagem do Kfir encerrou no mesmo ano da do Mirage 5/50 francês.

Clésio Luiz

Voltando ao assunto do tópico, a IAF publicou um texto no seu site sobre essa operação. Lá o piloto que desertou o fez porque já naquela época se bombardeava alvos civis (os curdos), o que o piloto não se sentia bem fazendo, daí o motivo da deserção:

http://www.iaf.org.il/4450-46926-en/IAF.aspx

Já esse vídeo mostra quem é Dany Shappira e o piloto da IAF que escoltou o MiG-21 no espaço aéreo israelense:

https://youtu.be/xN6GW5wxGwM?t=1411

Luciano

Parabéns pela pesquisa!

Rinaldo Nery

Há um filme mto bom sobre essa história. Poggio, parabéns antecipado pelo livro. Vou adquiri-lo.
O João Moralez vai publicar um sobre o T-27. Dei minha contribuição por email. Estou devendo as fotos.

AMX

Boa tarde a todos.
O filme de que comentam, em português, tinha o título “Céu em Chamas”. O avião mostrado é o MiG-17 (ou 15, não lembro) e a “femme fatale” foi interpretada pela atriz Mariel Hemingway.
Filme com cenas muito boas.

Abraços.

Rinaldo Nery

Isso, AMX. Obrigado. Acho que vi em VHS.

Clésio Luiz

O nome em inglês é Steal The Sky (putz…) e é de 1988. Eu lembro de ter visto isso na TV, e mesmo na época achei graça quando o oficial iraquiano no filme bradava que aquele (MiG-15) era “o melhor caça do mundo”.
.
Uma pena que hoje em dia se use menos e menos cenas aéreas reais em detrimento de computação gráfica, que no fim das contas custa caro do mesmo jeito e proporciona cenas risíveis para os entusiastas da aviação. Aqui vai o trailer original em inglês. Aparentemente o filme completo também está no você tubo:
.
https://www.youtube.com/watch?v=QYPYKo-9UnQ

Fabio Colombo

Cada vez aprendendo mais.

Filme Completo aqui:
https://www.youtube.com/watch?v=inc0b2QtHso

ROTAnaRUA

No livro “Mossad – as grandes missões do serviço secreto israelense” a missão é narrada em detalhes. Se não me falha a memória, apesar da grande recompensa em dinheiro que o piloto desertor ganhou, ele acabou não se adaptando à nova vida. Não me lembro corretamente do desfecho (e o livro não está comigo no momento), mas se não me engano, ele e sua família não tiveram uma vida feliz depois da deserção.

Clésio Luiz

Ele se mudou para os EUA depois. Viveu lá até morrer.

mbp77

Poggio;
Já tem previsão de lançamento da sua obra?
Sds.
Obs.: Quero o meu assinado (2). 🙂

Delfim Sobreira

ROTA naRUA e Clésio.
.
Óbvio que Radfa não se sentiria bem em Israel. Lá os cristãos ortodoxos são palestinos, em termos de consciência trocou seis por meia dúzia.
Fez muito bem por trocar Israel pelos EUA.

donitz123

No ACIG tinha um artigo muito bom intitulado “Gone with the Wind” que relatava várias ocorrências durante a Guerra Fria da aquisição de aeronaves soviéticas pelos americanos e israelenses. Fica a dica de leitura.

Fabiano

Onde se consegue comprar esse livro?