Ozires Silva: ‘Estamos criando uma verdadeira tragédia para o nosso futuro’

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Ozires Silva

 

Governo deveria ser o catalisador do sucesso da sociedade, e não o “atrito”, diz fundador da Embraer; “onde estão os nossos líderes? Já esta provado que não estão em Brasília”

SÃO PAULO – O bordão “Brasil é o país do futuro” nasceu com uma visão promissora para o País, mas logo tornou-se o “lugar comum” para concluir a ideia de que não conseguimos evoluir em certos aspectos e ficamos esperando por um futuro que nunca chega. E se depender das políticas adotadas pelo nosso governo no campo educacional, estamos fadados a ficar cada vez mais atrasados do resto do mundo. Essa visão é de ninguém menos que Ozires Silva, 85 anos, fundador da Embraer (EMBR3) e que “venceu na vida” principalmente graças aos esforços pessoais nos estudos – o que torna essa análise ainda mais preocupante.

“A magia da transformação passa pela educação. Basta ver o que aconteceu com a China e a Coreia do Sul nas últimas décadas. Aqui não temos isso: o Governo Federal não tem e nunca teve um plano para mudar isso. Estamos criando uma verdadeira tragédia para o nosso futuro e para as gerações de nossos netos”, disse Ozires em almoço palestra promovido pela OEB (Ordem dos Economistas do Brasil), realizado no começo de julho no Terraço Itália, em São Paulo.

Por cerca de 40 minutos, ele explicou por que o Brasil está ficando – e deverá ficar – cada vez mais para trás na esteira da evolução do mundo e apontou como a falta de líderes em Brasília é determinante para nos manter nesse atoleiro. Como um ótimo contador de histórias, Ozires ainda narrou toda a trajetória da Embraer, desde a fundação até a posição mundial de destaque, comovendo os ouvintes mas ao mesmo tempo mostrando o quão difícil é criar tecnologia dentro de um país tão acostumado a produzir commodities.

Confira abaixo os principais destaques do discurso de Ozires Silva:

A magia da educação e a “herança maldita” do Brasil
A magia da transformação passa pela educação. Basta ver o que aconteceu com a China e a Coreia do Sul nas últimas décadas. Em 1988, eu, juntamente com outras personalidades mundiais da época, fomos chamados por Peter Druker, que havia sido contratado pelo governo chinês para criar um projeto de conquista do mercado mundial. Hoje vemos onde ela chegou. Isso mostra a importância de ter líderes, pois eles que guiarão as pessoas a fazerem algo em conjunto que resultará em um bem comum.

Aqui no Brasil não temos isso: o Governo Federal não tem e nunca teve um plano para mudar isso. Estamos criando uma verdadeira tragedia para o nosso futuro e para as gerações de nossos filhos. Sem dúvida nenhuma não chegaríamos onde chegamos [com a Embraer] sem educação. Inovação é fundamental. O problema é que o Brasil não está preparado para assumir os riscos de criar algo novo. Se não assumirmos isso, o futuro de nossos filhos estará em risco.

Nossos líderes não estão em Brasília
No passado, os líderes mudaram o mundo. E continuarão fazendo isso. Dai eu pergunto: onde estão os nossos líderes? Já esta provado que não estão em Brasília. O governo brasileiro não tem funcionado como um catalisador do sucesso da população, ele tem sido um atrito. Os líderes são sempre necessários. Então, seja um deles: ao invés de esperar alguém, seja você a mudança. Precisamos confiar em nós mesmos.

A “triste” semelhança entre brasileiros e chineses
Os países emergentes estão encontrando seu caminho, hoje em dia produtos coreanos e chineses estão no mundo todo, mas nosso produto não. Não há produtos brasileiros nas ruas e cidades do mundo. O Brasileiro é igual o chinês: o chinês só compra produto chinês; o brasileiro também. Oportunidades estão aí e precisam ser aproveitadas, mas sem marca e sem propriedade intelectual não vamos evoluir.

Vendemos barato, compramos caro; como fechar a conta?
O mundo está menor, cada vez mais globalizado, mas não estamos aproveitando as novas tecnologias que surgem. São raras as inovações no Brasil, e uma das razoes é a dificuldade de levantar capital de risco para aplicar e gerar valor, e não apenas aplicar para gerar retorno financeiro. Os empreendedores precisam disso para ter sucesso. Mas infelizmente ainda somos uma terra de commodities. Estamos vendendo barato e comprando caro. No longo prazo, essa conta fecha?

MAB - 6 - EMB-110 Bandeirante
EMB-110 Bandeirante

Embraer: do sonho de criança ao “dia de sorte”
Em 1945, quando tinha 14 anos, eu e o Zico [amigo de Ozires que ajudou a idealizar a Embraer, mas que morreu em 1955 em um acidente aéreo] frequentávamos o Aeroclube da minha cidade natal, Bauru. Nós discutíamos por que os aviões do aeroclube tinha que ser todos importados dos EUA. Em 1906 Santos Dummont deu seu primeiro voo, então por que 40 anos depois não tínhamos nossos próprios aviões? Além disso, o Brasil sempre foi um país continental e estava em crescimento, o que criava a necessidade de mobilidade. Havia também sinais de globalização, ou seja, poderíamos fazer aviões no Brasil e vender em outros lugares.

Como não havia graduação em aeronáutica, entramos na FAB (Força Aérea Brasileira) via concurso em 1946. Em 1950, foi criado o ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica), onde poderíamos ter a base de estudo. Mas eu só consegui a bolsa para ser engenheiro em 1962. Me formei aos 32 anos. Agora que eu tenho a qualificação correta, não podia ficar de braço cruzado: no ano seguinte, montei uma equipe de engenheiros para colocar de pé a seguinte ideia: criar aviões que poderiam atender a demanda regional de voos. Muitas cidades menores não tinham a infraesturtura para receber aviões muito grandes, e por isso essas cidades estavam perdendo serviço regular mesmo com o crescimento da economia do País como um todo. Nosso projeto era provar ser possível um avião pousar numa pista pequena.

Sofremos com a baixa credibilidade: o estrangeiro não queria colocar dinheiro nesse projeto, enquanto o governo rejeitou a ideia de uma sociedade mista e disse que algo desse porte tinha que ficar com a iniciativa privada. Até que surgiu o que eu gosto de chamar de “dia de sorte”: era domingo, 20 de abril de 1969. Presidente da República [Artur da Costa e Silva] estava indo para Guaratinguetá e havia uma comitiva enorme para recebê-lo, mas por causa de uma neblina, ele teve que ir pra São José dos Campos. Eu e minha equipe estávamos trabalhando naquele domingo. Então como não tinha ninguém lá par recebê-lo, eu tive que fazer isso sozinho. Era a minha chance de de fazer uma “lavagem cerebral”e convencê-lo a criar uma estatal de fabricante de aviões. E ele acreditou: em 19 de agosto de 1969, foi criada a Embraer.

Hoje, voamos em 90 países, e o curioso é que foi esse o número que “chutei” em 1969 quando o presidente me perguntou quantos países eu achava que teriam interesses em nossos aviões.

FONTE: InfoMoney

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