O AT-26 Xavante, conforme visto (e voado) por Franco Ferreira
O texto abaixo é de autoria do nosso amigo Gustavo Adolfo Franco Ferreira, tenente-coronel aviador reformado da FAB, especialista em Segurança de Voo e colaborador de Forças de Defesa. Destacamos aqui, na forma de artigo, o texto que os leitores do Poder Aéreo já haviam visto em forma de comentário, para assim compartilhar com mais pessoas essa experiência. Boa leitura!
Vou começar pelo Wikipedia (Aermacchi 326):
“O Aermacchi MB-326 é uma aeronave monomotora a jato para o treinamento militar desenvolvida pela companhia italiana Aermacchi, tendo seu primeiro voo ocorrido em 10 de dezembro de 1957. Nesta época, vários modelos de caças supersônicos entravam em operação em todo mundo e a Aermacchi percebeu o potencial de mercado para uma aeronave de treinamento a jato para fazer a conversão operacional dos pilotos para os novos caças. Concorreu neste mercado com o Cessna T-37 e o BAC Jet Provost. Foram construídas no total 778 unidades do MB-326 para treze países. / Fabricado sob licença na Austrália, Brasil e África do Sul, o MB-326 alcançou sucesso por seu baixo custo de produção e operação, sendo uma aeronave versátil, ágil e manobrável. Por estas qualidades, foram também desenvolvidas versões para ataque ao solo.”
Na FAB, apareceu em 1965. Descrevi assim (em Venturas, Aventuras etc. – tomo 1):
“A outra visita
Lá pelo fim do ano, numa sexta-feira, decretado o fim dos T-6 para instrução avançada, o DPEAer recebeu a visita comercial de uma comitiva da Força Aérea Italiana, chefiada pelo comandante da Academia deles, mas composta por mercadores da AerMacchi. Os cadetes foram instruídos a não se atrasarem para o FeBeAPi(1).
O comandante do DPEAer dominava a fila do gargarejo. Passaram um filme sobre o AerMacchi 326. Parecia u’a máquina diabólica – toda pintada de laranja à feição do Bell X-1. O comandante – o mesmo do meu “almoço festivo” de poucos dias antes – virou-se para trás e perguntou a alguém: “- Cadê a hélice?” Isto já bastava para fazer acabar a reunião, mas ele esmerou-se: “’- Ah! É turbina, não é?’” Vergonha.
Depois, montado no Brasil, transformou-se no Xavante, a que os aviadores da caça diziam ser um avião de caça!”
Não era um avião de caça… Era um treinador, especialmente desenhado para facilitar a conversão a jato-puro dos pilotos mais antigos da Alitalia. O ano era 1965.
O Xavante foi usado, na FAB, para adaptação dos pilotos recém-egressos da Academia na doutrina da aviação de caça. Da mesma forma como, muitos anos antes, haviam usado os T-6 para este mesmo fim. Era um treinador macho, mas não passava de um treinador!
Este é o cenário da época das revoluções sociais. A utilidade do momento eram aeronaves capazes de voar por longosperíodos, manterem-se sobre os alvos por largo espaço de tempo e intervir em ponto, não em áreas. Eram os tempos dos aviões de “contra insurreição.” Também era o tempo das turbinas PT-6. Inventaram um T-6 equipado com uma destas… Não saiu do papel. O Mustang chegou a ser produzido como o Cavalier. Ninguém comprou. Para a substituição dos T-6, compraram os T-37 “de prateleira”. A segunda metade da década de 60 também conhece a desativação dos F-8 (interceptador usado como caça-bombardeiro – fadiga nas longarinas das asas). A
caça acabou.
É aí que entra em cena Ozires Silva, o primeiro da foto acima. O Bandeirante já voava. O Urupema já ganhava todas as competições de planadores. O Ipanema já colaborava com a agricultura. Faltava tecnologia de fabricação dos caças de verdade. Ozílio – o terceiro da foto – “arejou” a nascitura EMBRAER com a ótica da livre inciativa.
Os F-5E – estes reavivariam a caça – só chegariam uma década depois. Era indispensável arranjar alguma coisa para os caçadores não “perderem a mão.” Compraram o direito de fabricar os Aermacchi 326, a que chamaram de T-26 – Xavante. Depois, quando puseram os casulos de metralhadora .50 debaixo das asas, trocaram o prefixo para AT-26. A EMBRAER ainda fabricou, por encomenda, os profundores de grande maioria dos F-5E que a Northrop produzia.
Em novembro de 1975, retornei à Pátria, depois de passar dois anos colaborando na Embaixada Brasileira em Washington. Vim parar em São Paulo, no mesmo lugar de onde tinha saído, no QG4. Tinha ganas de voar. A BASP abrigava dois Esquadrões: O ETA-4 e o EMRA-4. Recebeu-me Ajax Augusto Mendes Correia, então Comandante do EMRA-4 (Quarto Esquadrão Misto de Reconhecimento e Ataque). Voavam H-1D (e H-1H), Xavantes T-26 e Regentelos. Fui classificado no QP (quadro de pilotos) dos Xavantes.
Durou pouco, muito pouco, minha permanência neste QP, não mais que seis meses. E foi por culpa minha.
Participei de um voo que me foi memorável. Era uma navegação noturna a Recife, com retorno imediato. Cumbica – Salvador – Recife – Salvador – Galeão – Cumbica. Entre Salvador e Galeão, fomos ao FL 430. Céu completamente aberto e lua nova – breu impressionante. O avião se comportava como se estivesse deslizando num colchão de espuma. Sobre Nanuque, no Espírito Santo, foi possível ver, a um só tempo, os clarões produzidos pela iluminação de Salvador, na cauda, de BH no quadrante direito, de Vitória à esquerda. Exatamente na proa, o do Rio de Janeiro e um pouco à direita do clarão do Rio, as nuvens sobre São Paulo iluminadas por baixo. É absolutamente extasiante!
No último voo(2) do curso acidentei o Xavante no pouso em Pampulha. Incompetência. Não justifica nem explica. Foi assim:
Fiz o procedimento de pouso com a cadeira abaixada e namorando o painel a pequena distância. No ponto crítico levantei a cadeira e os olhos para ver a pista como um todo. A pista de Pampulha tem uma grande depressão que nasce na cabeceira Oeste e se acentua no centro. O que me apareceu foi a segunda metade da pista, como se eu estivesse muito alto na trajetória do glide slope. Foi aí que eu cometi a enorme besteira? Reduzi todo o motor.
O motor Viper leva entre 12 e 15 segundos para acelerar de idle até full-power.
Depois de reduzir o motor todo, concentrei-me na cabeceira de aproximação. Surpresa! Eu não estava alto; estava quase rasante! Havia sido iludido pela pista desnivelada; e o motor já estava todo reduzido! Enchi a manete mas estava a menos de dez segundos do pouso. O instrutor (será que era o Soldatelli?) dizia que ia dar; que ia ser possível pousar.
Da mesma forma como eu já tinha visto muitas vezes antes, nesta oportunidade, também, faltaram dez centímetros. O pneu direito aplainou um cupim com quarenta centímetros de altura existente no deserto de aproximação. O avião tocou na primeira laje da pista (dez ou quinze metros adiante) e estava caído para o lado direito. Tirei o avião da pista e cortei tudo. A parte superior da perna-de-força direita tinha um calombo acima da fixação do amortecedor. Não havia nenhum outro dano, exceto para o meu ego ferido de morte!
Três horas depois chegou um Regente trazendo uma perna nova. Eu e o Soldatelli (?) voltamos no Regente. O tenente que havia levado o mecânico trocou a perna-de-força e trouxe o Xavante e o sargento de volta, no fim do dia.
O então Major Ajax não falou nada. Dois dias depois fui vê-lo outra vez. Ele já sabia que eu tinha pedido, por vergonha, transferência para o ETA 4. Deixei de ser seu subordinado para ficar sendo, só, seu amigo.
Notas:
(1) FeBeAPi – Festival de Besteira que Assola Pirassununga – Reunião semanal do comandante com oficiais e cadetes.
(2) Treinamento desarmado de ataque ao solo – CB a BH rasante/abastecimento / BH a Varginha rasante com 4 passes sobre o aeródromo / retorno high para Cumbica.
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