Lei do abate faz dez anos ainda sem derrubar aviões
Aeronáutica diz que só precisou dar tiros de aviso; tráfico adota outras formas de transporte
Evandro Éboli
A Lei do Tiro de Destruição, conhecida como a Lei do Abate, completa dez anos de vigência em julho. Criada em 1998, foi regulamentada em 2004. Mas, até agora, nenhuma aeronave foi abatida por suspeita de estar a serviço do narcotráfico nas fronteiras do Brasil.
Segundo o Comando da Aeronáutica, não foi necessário ainda qualquer disparo para derrubar um avião. Mas já foram disparados vários tiros de aviso, que são rajadas ao lado e à frente da aeronave interceptada para alertá-la de que, se não atender às ordens, pode sofrer o “tiro de detenção”, como é chamado o tiro de abate. Por questão de segurança, a Aeronáutica não informa quantos disparos de aviso já foram feitos até agora.
Entre 2006 a 2013, foram realizadas 120 missões de perseguição aérea na fronteira – de 15 a 20 por ano. São operações conjuntas da FAB com Polícia Federal, Polícia Rodoviária, Receita Federal e outros órgãos federais. A ação visa não só apreensão de drogas como de contrabando. Foram 500 horas de voo de aeronaves de alarme aéreo antecipado E-99 – com radares na parte superior -, e cerca de mil horas de voo de aviões Tucanos interceptadores. Os dados são do Comando de Defesa Aeroespacial Brasileiro (Comdabra).
“Os resultados são bastante expressivos, sendo apreendidos principalmente equipamentos eletrônicos, na casa dos milhões de reais, e várias toneladas de drogas”, afirmou o brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Júnior, comandante do Comdabra, em nota ao GLOBO.
O primeiro tiro de aviso foi dado somente cinco anos depois da regulamentação da lei. Em junho de 2009, um Super-Tucano A-29, utilizado nesse tipo de missão, abordou uma aeronave procedente da Bolívia com 170 quilos de pasta básica de cocaína. Depois de 40 minutos de contato e determinação para que o avião pousasse, o piloto do Tucano avisou que daria tiros de aviso.
O piloto boliviano gritou no rádio: “Pelo amor de Deus, não vá me matar”. Foram disparados tiros ao lado do avião boliviano, que acabou pousando em Cacoal, Rondônia. O piloto e o copiloto fugiram, mas foram presos dias depois.
Uso de rios amazônicos
O jornalista Marcelo Rech, com especialização em Relações Internacionais, Estratégias e Políticas de Defesa, Terrorismo e Contrainsurgência, diz que o fato de o Brasil estar cercado pelos três principais produtores de drogas do mundo (Colômbia, Bolívia e Peru) torna a adoção da Lei do Abate uma obrigação.
– A possibilidade de ser abatido legalmente inibe as operações, embora os narcotraficantes disponham de um serviço de inteligência espetacular e consigam introduzir muita droga no país via aérea. Mas a Lei do Tiro de Destruição é essencial como dissuasão. Desde que foi implementada no Brasil, a lei provocou uma mudança cultural nos narcotraficantes, que tiveram que migrar para outras opções como o transporte de drogas pelos rios amazônicos, também difíceis de serem vigiados – disse Rech.
Para o jornalista, há algo ainda mal resolvido na lei: a falta de amparo legal para os pilotos derrubarem uma aeronave.
– Tornou-se comum narcotraficantes usarem menores, mulheres e até famílias para transportar drogas. Pelo rádio, informam quem está no avião, e os pilotos brasileiros sabem que derrubá-lo traria um impacto negativo para o país – disse Rech.
FONTE: O Globo