‘The Wind Rises’, animação sobre Jiro Horikoshi antes de criar o Zero
Na semana passada, tive a oportunidade de assistir na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo a uma surpreendente animação japonesa, o longa-metragem “The Wind Rises” (Kaze tachinu), filme mais recente do diretor Hayao Miyazaki, mais conhecido por essas bandas pelo fantástico “A viagem de Chihiro” de 2001 (Oscar de animação em 2003).
Digo surpreendente porque a temática já causa um certo espanto: a animação é inspirada na juventude de um projetista aeronáutico, profissão nem sempre ligada a heróis de filmes. Mas estamos falando de Jiro Horikoshi (1903-1982), o projetista-chefe da equipe que criou caças de estrondoso sucesso para a expansão japonesa sobre a China no final da década de 1930 e sobre grande parte do Pacífico Sul nos primeiros anos da Segunda Guerra Mundial, os Mitsubishi A5M “Claude” e A6M “Zero”. E estamos falando também do diretor Hayao Miyazaki (nascido em 1941), que tem a aviação no próprio nome de família (a Miyazaki fabricava partes de aeronaves na Segunda Guerra) e que já tratou da temática em outras obras.
O roteiro, baseado num Mangá (quadrinho japonês) une dados e fatos reais, numa sequência cronológica bastante rigorosa quanto ao projeto das aeronaves em que Horikoshi trabalhou, com a mais pura ficção sobre a vida pessoal do protagonista. Esta traz uma boa dose de romantismo, abordando desde a adolescência até pouco mais de 30 anos de idade, com uma história de amor bem tocante.
Mas o que certamente vai agradar ao entusiasta da história da aviação são as cenas do filme dedicadas à aeronáutica e baseada na cronologia dos projetos da Mitsubishi das décadas de 1920 e 1930 (embora nestas partes se incluam trechos de pura ficção, com sonhos fantásticos do protagonista, em que ele “dialoga” com o projetista italiano Caproni). A genialidade de Horikoshi é mostrada logo no início de sua vida profissional, em soluções criadas para tentar “salvar” o projeto do caça 1MF2 de 1927, ainda como assistente, embora suas inovações tivessem que esperar por outros projetos para efetivamente vingarem.
O Japão é mostrado como um país com tecnologia ainda incipiente na área aeronáutica, tendo que correr contra o tempo para alcançar outras potências, em meio à pobreza de boa parte da população, desastres naturais como o terremoto de Kanto de 1923, na época em que Horikoshi ainda era um estudante de engenharia aeronáutica, e a crise de 1929. Atrasos de desenvolvimento e contrastes que são mostrados no filme, recorrentemente, quando cada protótipo cada vez mais avançado, saído da Mitsubishi para seu primeiro voo, tinha que ser carregado ao longo de vários quilômetros por um carro de bois, até o campo de provas.
Do Mitsubishi 1MF2 (veja Desafio Poder Aéreo 153) ao 1MF10 (Desafio Poder Aéreo 152), a evolução das aeronaves e da tecnologia, em boa parte adquirida em viagens de estudo ao exterior e licenciamentos, mas com grau cada vez maior de soluções criadas no Japão, é mostrada claramente. E isso não só nos projetos em que Horikoshi inicialmente se envolve e depois lidera, como também nos de seu amigo Honjo, que no filme é mostrado como responsável por inovações nos bombardeiros da Mitsubishi (inicialmente com tecnologia calcada na Junkers alemã, visitada por Horikoshi e Honjo, porém depois incorporando ideias japonesas).
Os atrasos vão sendo vencidos, não sem dificuldades, como no caso dos acidentes e erros envolvendo esses dois protótipos citados (no filme, Horikoshi admite que seu 1MF10 era um “pato”, mas que seu próximo projeto seria um “ganso”) , ao passo que o Japão vai tomando as decisões que terminam por envolver todo o Oriente numa guerra.
A parte aeronáutica do filme busca dizer que as ideias de vários anos de Horikoshi seriam enfim concretizadas no projeto do Mitsubishi KA-14, com suas asas de gaivota invertidas, empenagens com curvas inspiradas em espinhas de peixes, e leveza estrutural duramente calculada por madrugadas a fio, em que cálculos que levavam a poucos gramas de economia, em cada peça, eram multiplicados por dezenas e dezenas de peças para gerar vários quilos a menos no produto final. O KA-14, após testes e modificações (quando as asas adquiriram um desenho mais reto), tornou-se o A-5M, que garantiu a superioridade aérea japonesa sobre a China a partir de 1937 e abriu caminho para o A6M Zero.
Não espere, porém, encontrar o A6M Zero destacado no filme: o caça criado pela equipe chefiada por Horikoshi, e que se tornou a grande lenda da Segunda Guerra no Teatro de Operações do Pacífico, tem uma participação quase discreta, ainda que bela, bem ao final do filme, em meio a mais um sonho do protagonista com o italiano Caproni. Como pano de fundo, os desastres da guerra quando esta chegou de vez aos céus do Japão.
Por essas e outras cenas, críticos se dividiram ao analisar o filme, que estreou no meio do ano nos cinemas japoneses. Apesar de muitas críticas favoráveis, parte das opiniões desfavoráveis acusou o filme de militarista ou de ajudar a promover uma nova ideologia expansionista japonesa. Já outros criticaram o filme por ser muito pacifista! Sem falar nos grupos antitabagistas, que reclamaram da enorme quantidade de cenas onde personagens fumam um cigarro atrás do outro.
The Wind Rises está no momento iniciando sua exibição nos EUA para participar da próxima competição do Oscar. A distribuição nos Estados Unidos é da Disney / Touchstone, e espera-se que a animação entre em circuito mais amplo no início do ano que vem. Se voltar aos cinemas brasileiros em oportunidades melhores do que as poucas e extremamente concorridas sessões desta 37ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, não perca.
Apesar de várias cenas ficcionais e românticas do filme de 126 minutos deixarem o ritmo bastante arrastado em alguns trechos, deve-se lembrar que essas partes costumam agradar ao público não necessariamente interessado em aviões. Foi possível ver, no cinema, casais se abraçando mais forte e algumas lágrimas sendo enxugadas ao longo das cenas mais tocantes do par romântico formado pelos jovens Jiro e Nahoko.
Assim, se a sua companhia para as salas de cinema costuma torcer o nariz para temáticas de guerra e de aviões, pode levá-la sem medo, pois as belas imagens, os sonhos fantásticos do protagonista, a história de amor e os momentos de humor (principalmente a cargo do chefe de Horikoshi) deverão agradar. Já para os entusiastas, minha opinião é que a paixão que realmente se sobressai em “The Wind Rises” é pelos eternos desafios e pela extrema beleza da aviação, independentemente de serem produtos voltados para paz ou para a guerra. Abaixo, o Trailler do filme.
VÍDEO E IMAGENS: Divulgação
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