‘O GDA não terá avião até a chegada do F-X2’
Adeus Mirage! Em 31 de dezembro, a Força Aérea Brasileira aposenta seus Mirages 2000. Caças F-5, mais lentos e com alcance menor, vão se revezar na defesa do espaço aéreo da Capital Federal
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Nota do editor: o último número da revista Aerovisão, da Força Aérea Brasileira, traz detalhes de como será a atividade em Anápolis após a desativação dos caças Mirage 2000, prevista para 31 de dezembro deste ano. Abaixo, transcrevemos o texto na íntegra, cujo original em arquivo pdf pode ser acessado clicando aqui. Em negrito, destacamos alguns trechos para fomentar o debate aqui no Poder Aéreo. O título original da matéria, assinada por Humberto Leite, é “Adeus Mirage!”, que colocamos na primeira frase do subtítulo original acima. O título que escolhemos para este “clipping” é uma frase do brigadeiro Luiz Fernando de Aguiar, que consta do último parágrafo do texto. Boa leitura!
“Chaque fois qu’un avion est beau, il vole bien”- Marcel Dassault. “Se um avião é bonito, ele voa bem”. A frase do criador do caça conhecido por sua asa em delta já anunciava: por décadas, o nome “Mirage” estaria associado a uma aeronave linda, e eficiente. Para os rivais, mortal. O lema dos projetistas: “O inimigo poderá vê-lo, mas jamais alcançá-lo”. O Mirage III, uma lenda da aviação, e posteriormente seu “irmão mais novo”, o Mirage 2000, fizeram a pacata cidade de Anápolis, a 130 km de Brasília, ser desde 1973 a casa de uma elite de aviadores brasileiros, os únicos a superarem a barreira de duas vezes a velocidade do som, uma característica necessária à missão de defesa aérea. Mas essa história acaba no dia 31 de dezembro deste ano. Adquiridos da França já usados como uma solução temporária para a aviação de caça de alta performance no Brasil após a desativação dos Mirage III, os Mirage 2000, batizados por aqui como F-2000, serão desativados.
O “Covil dos Jaguares”, como é chamada a Base Aérea de Anápolis, passará a ser guarnecida por caças F-5EM de outros esquadrões da Força Aérea Brasileira, que vão cumprir o alerta de defesa aérea mantido nas 24 horas de cada um dos 365 dias do ano. Enquanto isso, o 1º Grupo de Defesa Aérea ficará sem aviões. Com um efetivo menor, serão mantidos apenas seis aviadores, que terão a missão de se manterem preparados para futuramente estarem no grupo que irá receber a nova aeronave de combate. Para “manter a mão”, eles também vão cumprir horas de voo em caças F-5EM, que passarão a ser os únicos supersônicos em operação no Brasil.
Em questão de idade, os Mirage 2000, fabricados no início da década de 80, são um pouco mais modernos que os F-5, recebidos pela FAB a partir de 1975. Mas após a modernização realizada na Embraer, os F-5E foram elevados ao padrão F-5EM (M de Modernizado) e se tornaram tecnologicamente superiores. Eles têm agora sistemas que permitem combate além do alcance visual, comunicação de dados (datalink) e até um sistema de mira montado no capacete. Por outro lado, os F-2000 têm características superiores em áreas essenciais para a defesa aérea: têm um alcance maior, voam mais alto e são mais rápidos. Enquanto um F-5EM não passa de 1.700 km/h, ou aproximadamente 1,64 vezes a velocidade do som, um Mirage pode acelerar até 2.300 km/h, o chamado Mach 2,2.
Quando se analisa só o critério velocidade, a partir do dia 31 de dezembro o Brasil perderá uma capacidade que, no cenário da América do Sul, está presente nas Forças Aéreas da Argentina, Chile, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela. Todos estes países possuem aviões que alcançam Mach 2. A FAB reconheceu essa capacidade com a prorrogação da vida útil dos Mirage. O contrato com os franceses previa mil horas de voo para cada um dos 12 F-2000 recebidos a partir de 2006, sendo 10 monoplaces, para um piloto, e dois biplaces, para dois pilotos, utilizados em missões de treinamento. Pelo plano inicial, os jatos iriam parar no final de 2011. Com alguns ajustes, seis Mirage foram poupados para conseguirem permanecer em voo e com os seus equipamentos – radar, armamentos, sistemas eletrônicos – em pleno funcionamento até o final deste ano. Mas agora o tempo chegou ao seu limite e os caças vão sair de operação ainda sem um substituto com as características necessárias.
‘Não é o ideal. Vamos fazer o melhor possível’
O assunto acabou chegando ao Congresso Nacional. Em agosto, as Comissões de Relações Exteriores e de Defesa Nacional do Senado e da Câmara convocaram o Comandante da Aeronáutica, Tenente-Brigadeiro Juniti Saito, para uma audiência pública. Apesar de mostrar tranquilidade no cumprimento da missão, o Comandante – que nas décadas de 70 e 80 foi piloto de F-5 – não escondeu a necessidade de o Brasil adquirir um novo caça. O Brigadeiro foi enfático ao ser questionado como ficará a defesa dos céus do Brasil.”Não é o ideal. Vamos fazer o melhor possível”, declarou.
A FAB possui 46 F-5 modernizados que operam a partir do Rio de Janeiro, Manaus e Canoas (RS). A frota da aviação de caça é completada por três esquadrões de turbohélices A-29 Super Tucano e mais três esquadrões com jatos subsônicos A-1, também em processo de modernização e voltados para missões de ataque ao solo. O projeto F-X2 prevê que a futura aeronave substitua inicialmente os F-2000 e posteriormente novas encomendas sejam feitas para aposentar os F-5 e A-1, jatos que já voam na Força Aérea Brasileira desde as décadas de 70 e 80, respectivamente.
A chegada de novos caças depende agora da Presidência da República. Como assessoramento, em 2011 a Comissão Coordenadora do Programa Aeronave de Combate (COPAC), órgão do Comando da Aeronáutica, concluiu um relatório que aponta três aeronaves como satisfatórias para requisitos estabelecidos pela FAB: o Boeing F-18 Super Hornet, o Dassault Rafale e o SAAB Gripen NG (por ordem alfabética dos seus fabricantes). Com mais de 28 mil páginas distribuídas em 121 volumes, o relatório é a finalização de um processo iniciado há 18 anos, quando foram elaborados os primeiros requisitos para a compra de novas aeronaves de combate. Além de desempenho, também há considerações de aspectos como compensações comerciais, transferência de tecnologia, logística e participação do parque industrial brasileiro. “O foco principal desse projeto não é só comprar um avião de prateleira, e sim desenvolver junto com o parceiro escolhido uma tecnologia nacional”, explicou o Brigadeiro Saito.
A expectativa é que o contrato proporcione um salto tecnológico à indústria nacional. Foi o caso do próprio jato de ataque A-1, desenvolvido no início da década de 80 com uma participação minoritária da Embraer em um projeto de empresas italianas. Os conhecimentos adquiridos permitiram que a Embraer desenvolvesse a família de jatos de transporte regional que são atualmente exportados para todo o mundo. Para o F-X2, o plano é absorver tecnologias ainda inéditas por aqui, tanto em termos de estruturas quanto de tecnologia de bordo.
Mas o tempo não corre de maneira favorável aos planos de pilotos, engenheiros e economistas. O processo de aquisição de um novo caça é lento. A Tailândia, por exemplo, só recebeu em 2011 os seus primeiros caças Gripens de um contrato assinado em 2008. O mesmo ano da chegada dos F-18 Super Hornet australianos, encomendados em 2007. Antes do primeiro caça tocar o solo do país comprador, há ainda o envio de militares para treinamento no exterior, pois é necessária a formação nas novas tecnologias que uma aeronave mais moderna irá trazer.
Três esquadrões para quatro bases
“Nós vamos ter um hiato. Espero que não seja tão profundo”. A frase é do Brigadeiro Luiz Fernando de Aguiar, responsável pelo comando de toda a aviação de caça no Brasil. Ele engrossa o coro dos que acreditam que a modernização do F-5 o tornou apto para a missão neste momento. “Hoje em dia, o avião de combate é muito mais sistema, ele é muito mais armamento inteligente do que propriamente dito a plataforma”, diz.
Por outro lado, o Brigadeiro não esconde que o pior aspecto da aposentadoria dos Mirage é a realocação de forças. Os três esquadrões com F-5, do Rio de Janeiro, Manaus e Canoas (RS) vão assumir o alerta de defesa aérea a partir de Anápolis (GO) com suas próprias aeronaves. Vão ser três esquadrões para cobrir o espaço de quatro.
Todos os dias, pelo menos dois desses caças deverão estar em Anápolis, de qualquer uma das três unidades. “Pode acontecer de um dia estarmos com um F-5 de Canoas e outro de Manaus em alerta em Anápolis. Não importa”. A preocupação maior, no en tanto, é com o futuro. “Tem muita gente que pensa que se modernizou o F-5 e por isso não mais necessitamos de outro caça. Não! O F-5 chegou ao Brasil na década de 70. Continua sendo uma célula antiga, com restrições”, garante o Brigadeiro. Para ele, o importante agora é estar em condições de receber a nova aeronave. “Qualquer um dos três concorrentes a ‘F-X2’ supera em muito os Mirage e os F-5”.
Com a aposentadoria dos Mirage, o 1° Grupo de Defesa Aérea ficará sem aeronaves. “O F-5 não vai substituir o Mirage. O GDA não terá avião até a chegada do F-X2. É uma Unidade Aérea sem aeronave até a chegada do F-X2”. Boa parte do efetivo foi transferida para outras unidades. Permanecerá um grupo de seis pilotos, um Major e cinco Capitães, que vão manter a vida administrativa da unidade, cumprir horas de voos em jatos F-5 e participar de treinamentos e, no futuro, irão compor o primeiro grupo de militares a voar o novo caça a ser adquirido para a FAB. “Nós não podemos desperdiçar essa experiência que eles já têm como pilotos de Mirage”, finaliza o Brigadeiro Aguiar.
FONTE: FAB (revista Aerovisão número 238 – out/nov/dez 2013 – reportagem de Humberto Leite)
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