Entrevista com Gilberto Câmara, ex-diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais

 

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Herton Escobar

vinheta-clipping-aereoO Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) “está no fundo do poço”, segundo seu ex-diretor Gilberto Câmara, que pediu demissão do cargo há um ano. Não só o Inpe, diz, como vários outros institutos e universidades federais que se esforçam para produzir ciência e tecnologia, mas não conseguem, por causa de uma legislação “arcaica”. Indignado, Câmara escreveu um artigo para o Jornal da Ciência, publicado na edição online em 22 de maio. Na sequência, conversou com exclusividade com o Estado.

O que o senhor quer dizer com “fundo do poço”?

Que o Inpe perdeu a capacidade de cumprir suas missões porque os meios necessários são limitados pelo sistema de administração direta e pelo controle da Advocacia-Geral da União (AGU), Controladoria-Geral da União (GGU) e do Tribunal de contas da União (TCU), em que predomina a regra do “não pode”, e funcionários são contratados para a vida eterna.

O Inpe opera nesse sistema há muito tempo, o que mudou?

O sistema ficou muito mais apertado. Até certo tempo atrás, havia certa tolerância, por exemplo, em relação à captação de recursos externos via fundações e ao uso da lei de licitações para compra de bens tecnológicos. Mas essa tolerância está cada vez menor.

Quando as dificuldades começaram?

De uns cinco anos para cá, quando a AGU passou a interpretar leis de forma mais estrita. A posição é que qualquer recurso que entre nas universidades tem de ir para o orçamento da União e ser gasto segundo a lei de licitações. Essa posição liquida as instituições, tirando delas o mínimo de autonomia que existia.

Como ser mais eficiente?

O certo seria cultivar um sistema de mérito, só que isso é impossível na administração direta. Há incompatibilidade entre cultura de mérito e sistema baseado no controle dos meios – por exemplo, com licitações baseadas em menor preço e contratação de funcionários vitalícios. Não dá para comprar satélite como se compra carro, comparando três modelos e escolhendo o mais barato. Quero contratar pessoas por tempo determinado, não funcionários para o resto da vida.

O que o senhor quer dizer com cultura de mérito?

Uma cultura de mérito pressupõe que quem recebe recurso recebe para produzir determinado resultado. O sistema atual é totalmente antagonista à cultura de mérito necessária à produção de conhecimento. A exceção é São Paulo, porque a Fapesp julga fins, não meios. AGU/CGU e TCU não estão nem aí para resultados.

Qual seria a solução?

Essencialmente, um novo regime administrativo para institutos e universidades – e o melhor regime para isso hoje é o de organização social (ÒS). Não é o melhor que poderíamos criar, mas é o melhor que temos.

Quais são os reflexos no Inpe?

Há paralisia total nas decisões. Todos os editais do CBERS (Satélite Sino-Brasileiro de Recursos Terrestres), por exemplo, estão sendo feitos pela Agência Espacial Brasileira, porque a AGU disse que o Inpe não pode mais contratar para o programa CBERS.

Os serviços prestados pelo Inpe estão ameaçados?

O risco é mais sutil. Serviços continuarão a ser prestados, mas não serão melhorados. A previsão do tempo não deixará de ser feita, mas a capacidade do Inpe de melhorar essa previsão está comprometida. O mesmo vale para o monitoramento da Amazônia: não vai acabar, mas não vai melhorar. Em resumo, o sistema está bichado.

FONTE: estadao.com, via resenha do EB

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