Mesmo com o motor avariado, caça A-1 da FAB consegue retornar para a base

 

Nosso leitor Gismar P. Junior encaminhou estas fotos sobre um acidente com um caça A-1 da FAB ocorrido recentemente.

Amigos,

Estou passando pra vocês o relato (com fotos) do acidente ocorrido ontem (22 de agosto) com um colega meu que é Capitão da Aeronáutica…
Durante um treinamento ele “atropelou” um pássaro.

O motor da aeronave é um motor Rolls Royce e mesmo avariado continuou funcionando com perfeição, mostrando que realmente se trata de um motor confiável.

Abraços, segue abaixo o relato:

Gismar P. Junior

Coloco aqui, para os interessados por aviação e demais simpatizantes, uma experiência que vivenciei ontem por volta do meio dia.

Estava voando de AMX em uma missão de treinamento de ataque. Voava rápido e baixo, próximo de uns 500KT de velocidade e 300FT de altura, simulando uma incursão abaixo do radar em território inimigo. Eu, como ala, e um amigo, como líder, … ambos voando em formação linha de frente.

Em determinado momento da missão, tive que corrigir alguns dados de navegação nos computadores da aeronave e voltei minha atenção para dentro da cabine. Estou lá digitando quando, de repente, escuto um estrondo, sinto o avião tremer e uma série de luzes de alarme se acendem.

De imediato, subi e avisei o líder que algo estava errado. Logo imaginei que havia colidido com alguma coisa, mas solicitei que o líder se aproximasse e avaliasse a condição externa do meu avião. Feito isso, constatou que eu havia colidido com um pássaro.

Uma colisão com pássaro a quase 500KT é o mesmo que um impacto de um tiro de 38, mas com um projétil de uns 3kg ou mais. É uma porrada!!!! Dependendo de onde pegar, faz mais estrago que um impacto de um projétil de canhão 20 ou 30mm.

Bom, … até esse momento de avaliação dos danos estava tudo controlado, mas os problemas estavam por vir.

O pássaro bateu no nariz do avião com uma trajetória longitudinal e acertou exatamente em um ponto que saiu cortando uma série de cabos e destruindo várias caixas de dijuntores do avião. Com isso perdi o sistema elétrico principal do AMX e uma série de instrumentos ligados a esse sistema (fly by wire, controle do leme, dois geradores, freios aerodinâmicos, flaps, hud, computadores de bordo, armamento,…). Só me sobrou uma bússola, um horizonte artificial, um indicador de velocidade analógico, compensadores de emergência e rádios de comunicação, sendo estes alimentados por uma bateria de emergência com duração de apenas 20min.

Além dos problemas ligados à instrumentação, uma outra discrepância, agora relacionada ao motor, me chamou a atenção. Um dos ponteiros de indicação de RPM do motor estava zerado, assim como uma outra indicação digital de parâmetros dele que havia apagado do painel. Nesta hora, comecei a raciocinar com um possível apagamento do motor, pois aquelas caixas de disjuntores, os pedaços de metal e de fuselagem que o pássaro arrancou poderiam ter sido aspirados pela turbina.

Então, resumindo, eu estava voando com um avião que era só lata e motor.

Embora tivesse, ainda, sistema hidráulico disponível para baixar o trem de pouso, não tinha o sistema elétrico principal para acionar as principais superfícies aerodinâmicas do avião (flaps e airbrakes), sem contar na perda do fly by wire que me neutralizou o leme de direção, superfície aerodinâmica que me seria muito útil no pouso. E tinha que conseguir pousar o mais depressa possível, pois havia a desconfiança de um estado de funcionamento anormal do motor.

O fato aconteceu perto de Santa Maria, umas 30NM, mas levou uma eternidade para chegar à pista da Base Aérea daquela localidade.

Quando cheguei na vertical de Santa Maria, lembrei que o avião estava muito pesado, pois havia mais de 2000kg de combustível interno (não alijável), e o normal para pousar é com os tanques com menos de 1500kg. Ou seja, mais uma questão preocupante, pois com todo aquele combustível e mais a indisponibilidade de baixar os flaps eu teria que fazer uma final para pouso com 200KT (140kt é o normal) de velocidade para conseguir manter o avião voando. E, obviamente, o pouso seria ainda mais crítico por estar muito embalado, quase no limite dos pneus.

Neste momento, já raciocinei que os 2700m da pista de Santa Maria poderiam não ser suficientes para parar o meu avião e, muito provavelmente, iria precisar engajar, no fim da pista, o cabo de contenção (comum nas bases de caça e iguais aos de porta aviões) e a barreira (uma espécie de rede que segura a aeronave).

Vim, então, para pouso, com o líder ao meu lado me passando informação de ângulo de rampa para pouso, informação que os meus sistemas de bordo não me davam mais. Quando próximo à cabeceira, o líder arremeteu e eu prossegui.

Toquei na pista e o avião quis subir, mas segurei-o no chão. Porém, quando pisei nos freios, o avião perdeu a reta para a direita e quase saiu da pista. Consegui mantê-lo na pista, mas estava muito na lateral. A partir daí tinha duas opções: ejetar ou tentar manter na reta até engajar o cabo e a barreira. Consegui manter a reta bem na lateral direita da pista, mas não queria pisar forte nos freios, pois estava tão na lateral que fiquei com receio de dar mais uma guinada e sair de vez da pista. Tentava de leve pisar no freio esquerdo somente para voltar ao centro da pista, mas não consegui resultado que queria. Assim, o avião manteve a reta, mas não conseguia diminuir a velocidade dele usando os freios das rodas. Desta posição deslocada lateralmente comandei o hook (gancho de arrasto) e, por rádio, solicitei que acionassem a barreira.

Barreira de pé, gancho baixado, … fim de pista …, o gancho engatou no cabo e eu bati na barreira a uns 110kt. Desaceleração imediata!

Daí veio o desespero. Quando o avião parou, eu fui abrir o canopi, mas as fitas da barreira não deixavam abri-lo por inteiro. Eu, com medo de incêndio, querendo sair logo e não conseguia. Olhava para trás e os bombeiros ainda longe. Tirei uma faca que levo na bota e somente com o braço para fora da pequena abertura que consegui levantando o canopi, comecei a cortar as tiras da barreira. Logo chegaram os bombeiros e me ajudaram a cortá-las por completo e a sair da aeronave.

Foi isso. Olhem o estrago que uma porcaria de um pássaro faz!!!!

PS: Pousei com uma bomba BEX-11 debaixo da asa. Iria lançá-la no estande, mas …

FOTOS: via G. P. Junior

VEJA TAMBÉM:

Publicidade

Subscribe
Notify of
guest

26 Comentários
oldest
newest most voted
Inline Feedbacks
View all comments
helder junior

Peguem,segurem,agarrem,capturem
PEGUEM O POMBO AGORAAAAAAA!!!
kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk
No mais ainda bem que o piloto está em segurança, foi um belo estrago!

Giordani

Caraca! Isso é um furo de reportagem!
Sinal dos Tempos? Um relato público de um piloto? Ih…o pessoal da (des)comunicação vai pedir o pescoço de alguém…

Baschera

Puxa !!!
Parabéns ao piloto (ele não se identifica ??) pelo sangue frio e capacidade de raciocínio em uma hora crítica… que só não foi pior por não ter sido abatido no ar ….

Agora….. que prejú heimm… !!

Sds.

Vader

Impressionante. E um relato raro de se ler em se tratando de FAB.

Parabéns ao piloto pelo sangue frio de trazer a aeronave apesar de tudo.

Augusto

Agiu com perícia o piloto e isso mostra o seu alto nível de preparo.

Marcos

Já passei muito susto por conta de Urubú e… asa delta.
Certa vez cruzei com uma asa delta, acreditem, a 7 mil pés.

RomauBR

Concordo com vc, Giordani, e isso não é algo que eu deseje, mas acho que cabeças rolarão.

Clésio Luiz

O AMX tem uma combinação pouco comum em caças modernos, que é a soma de ailerons com spoilers nas asas, e estabilizador móvel com profundores na cauda. Pelo relato acima, ele deve ter perdido os comandos de estabilizador, leme e ailerons, ficando só com os spoilers e os profundores, que são o mínimo necessário para manter o controle da aeronave. Eu não conheço o esquema que o AMX usa para rolamento, se é via ailerons, spoilers ou uma combinação de ambos. No relato o piloto afirma não poder usar os freios aerodinâmicos. Como o AMX não possui placas móveis na… Read more »

Roberto F Santana

Off-Topic.

Nota ao colega daltonl.

Prezado, comento aqui por não ter senha do Poder naval.
Sobre o acidente do Scimitar no Victorios.O aviador não saiu da aeronave por razões desconhecidas, provavelmente por estar ferido, desorientado ou mesmo com pavor.O canopy não se fechou por ação da graviade, mesmo porque o mesmo é de ação de correr, manualmente ou mais comum, eletricamente.Poderia ainda sim alijar o canopy com ação explosiva.
O que, infelizmente não foi feito.

eriksondb

Piloto Brazuca por excelência, se arriscou de maneira muito calculada e salvou a aeronave, se fosse um piloto de Força Aérea de país rico já teria se ejetado bem antes. PARABÉNS!

Observador

Cabeças rolarão? Não vejo o porquê. Não se traçou uma única palavra de crítica à FAB; tampouco foi feita qualquer revelação de informação sigilosa. Foi um simples relato de um acidente, até certo ponto comum, provocado pela colisão com um passáro. Daí o piloto arrisca a vida para salvar uma aeronave preciosa para a força aérea, quando o fácil era ter ejetado na primeira oportunidade e, simplesmente por tornar público o episódio, vai enfrentar sanções?! Pois eu acho que pela bravura e pelo salvamento de um dos poucos aviões capazes de prover defesa armada ao nosso território, este piloto merece… Read more »

Giordani

HAL,
Vê bem o histórico da FAB…a força sempre foi fechada, a força negava(e alguns casos ainda nega) a fotografia de um simples painel num simples cockpit!!!! A força até hoje não libera vídeos de simples lançamentos de AAM…lembra do vídeo que ficou menos de 24hs no ar? Que foi sumariamente retirado do youtube? HAL, é uma informação e tanto! Ainda mais em se tratando do próprio piloto! Isso é um marco na história da comunicação da FAB! E é altamente positiva!
Esse relato(até o momento em que digito aqui) não chegou aos jornais! Furo de reportagem do PA!

Clésio Luiz

Com relação a fotos de painéis, elas poderiam revelar os códigos de rádio e transponders operados pela FAB. Se alguém da manutenção ou um piloto tiver o pequeno trabalho de zerar os mostradores, não haveria problema algum. Tanto é que recentemente apareceram várias fotos (e até vídeos) de painéis de aeronaves modernizadas, já que essas informações não ficam tão evidentes quanto antes.

Vader

Clésio Luiz disse:
3 de setembro de 2012 às 16:04

“Com relação a fotos de painéis, elas poderiam revelar os códigos de rádio e transponders operados pela FAB”

Nossa velho, se for por isso que não mostram o cockpit tamos lascados hein? Pô, ter medo de ter frequência e código transponder descobertos em pleno séc XXI é brincadeira…

Black Hawk

ainda bem que avestruzes nao voam,senao o amx tinha sido abatido!!!
brincadeiras a parte,o piloto foi sangue frio,nao ficou muito nervoso e fez tudo corretamente!!
se fosse algum menos experiente aposto que tinha ejetado!!
parabens!!

Black Hawk

caraca essa turbina e muito resistente em?
to louco!!
ficou meio avariada e mesmo assim continuou funcionando tranquilamente!!

RomauBR

Caro Observador, o colega Giordani teclou exatamente o que eu tinha em mente escrever. Qd escrevi “cabeças rolarão” foi no sentido de que esse tipo de informação é considerada como classificada dentro da força, e não como torcida de que isso aconteça. Por lá se impõe muita relevância e importância a temas banais, e o contrário com os vitais.

Clésio Luiz

Mas Vader, você concorda que nem todos os países tem equipamento de GE para pegar frequências no ar e trabalhar em cima delas, não é?

Observador

Caro Giordani,

Sim, lembro destes episódios mesquinhos, em que decisões menores falaram mais alto.

Porém, qualquer reprimenda oficial neste caso seria muito mal vista pela tropa.

Qualquer líder sabe que um soldado valente vale seu peso em ouro e, por isto mesmo deve ter direito a suas idiossincrasias e pequenas insubordinações.

Porém, sobre reprimendas não-oficiais jamais saberemos.

Assinado,
Heuristic ALgorithmic.

Mauricio R.

“Foi isso. Olhem o estrago que uma porcaria de um pássaro faz!!!!”

Minhas condolências a espécie do pássaro, falecido neste infeliz acidente.
RIP!!!

Vader

Clésio Luiz disse: 3 de setembro de 2012 às 19:16 Pô Clésio, concordar eu até concordo, mas em minha enorme ignorância imagino que uma aeronave de combate de alguns milhões de dólares, ainda que seja um A-1, e ainda que a FAB fosse a força mais incompetente do mundo (e não consta que seja) deva ter saltos de frequência sincronizados ou, no mínimo, frequências alternativas para alteração manual. Quanto ao transponder, nem sabia que aeronave de combate tinha transponder (o que me parece uma coisa bem curiosa), muito menos que ia pra combate com ele ligado, inda mais em um… Read more »

Clésio Luiz

Transponder para os civis, IFF para os militares… Quanto ao AMX, não sei as características do rádio dele. Como é um projeto dos anos 80, possa ser que seja um rádio eletrônico, com criptografia e salto de frequência, mas provavelmente não é. O exemplo do rádio foi só uma das coisas que o cockpit pode informar. Nosso desconhecimento do tipo de informação disponível na cabine de uma aeronave dessas não desqualifica as decisões da FAB. Um leigo pode olhar uma foto em alta resolução e não ver nada. Um piloto pode olhar a foto e tirar muita informação que para… Read more »

tiagobap

Poder Aéreo repercutindo aqui no sul… Mas bem que eles poderiam dar o nome da fonte corretamente. Já fiz a minha parte, e comentei lá no site da Zero Hora, dando nome do site e link da matéria.

http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/geral/noticia/2012/09/passaro-bate-em-aviao-da-base-aerea-e-quase-provoca-um-desastre-3874708.html

tiagobap

Em tempo: os comentários lá são moderados, talvez o meu não seja publicado…

Giordani

Mas é óbvio que a zero hora iria negar a fonte…óbvio…o Universo gira ao redor do umbigo deles…mas, Furo de Reportagem do PA!

Vader

Clésio Luiz disse:
4 de setembro de 2012 às 8:12

Entendi seu raciocínio, e respeito, mas não concordo. Ter medo de mostrar cockpit de A-1 pra mim é o fim da picada.

Sds.