Quando os primeiros caças Saab Viggen começaram a ser entregues à Força Aérea Sueca em 1971, já se pensava em sua substituição em meados dos anos 1990. O rápido desenvolvimento de novos materiais de baixo peso e alta resistência, bem como a miniaturização dos componentes eletrônicos, levantou a questão se a próxima geração de caças precisaria ser tão grande como o Viggen. Não seria possível poduzir um caça mais leve e menor, mantendo as mesmas capacidades?

Menor e mais ágil

Em meados dos anos 1970, surgiram os primeiros rascunhos de um substituto mais leve e menor do jato SK 60/Saab 105. Como no SK 60, a missão secundária pretendida era de ataque ao solo.

A idéia era fabricar um avião que era primariamente um treinador, mas que tivesse capacidade de complementar o Viggen em certas missões.

O substituto do SK 60 começou como uma iniciativa privada, com o objetivo de apresentar à FMV uma opção para ocupar o lugar do SK 60. O projeto era identificado como B3LA ou projeto 1806.

Ao mesmo tempo foi feito um projeto modificado do SK 60, o Saab 105-80, mantendo a configuração de assentos lado-a-lado, com asas modificadas, novos motores (GE J85 ou Turbomeca Larzacs) e aviônica melhorada.

Gradualmente a Força Aérea e a FMV interessaram-se pelo B3LA, cujas características estavam de acordo com os novos estudos táticos em vigor.

Com base nos estudos do Comandante Supremo de 1974, um novo cenário tático era previsto, no qual aeronaves de ataque marítimo eram previstas, mas não tão importantes quanto na década de 1960, quando o Viggen foi desenvolvido.

Agora era possível preencher a maioria das missões da Força Aérea com um novo tipo de caça leve. A guerra prevista para o final dos anos 1980 não era mais o encontro maciço de forças concentradas em grandes batalhas decisivas, mas sim um grande número de unidades pequenas e móveis enfrentando-se em escaramuças numa longa fronteira.

Os requisitos táticos previam um alto grau de capacidade para encontrar e combater alvos camuflados e defendidos à noite e de dia, com alto grau de sobrevivência no ar e no solo.

A concepção do B3LA era muito parecida com a do AMX ítalo-brasileiro e de fato uma grande quantidade de informações foi trocada pela Itália e Suécia até 1978, quando o projeto foi cancelado. Do cancelamento do projeto B3LA, nasceria o projeto do Gripen. Para mais detalhes sobre o B3LA, clique aqui.

Começando com uma folha de papel em branco…

Em fevereiro de 1980, os requisitos preliminares para um sucessor do Viggen foram definidos e em novembro daquele ano foi decidido que o  General Dynamics (agora Lockheed Martin) F-16 seria usado como “benchmark” para performance, peso e capacidade de carga.

Uma RFP (Request for Proposal) foi enviada para a Northrop, General Dynamics e McDonnell Douglas, seguida por um pedido à Saab para um estudo em linha com a RFP.

Quando o sucessor do Viggen foi planejado, a ideia era fazer um avião multimissão, já que esse era o conceito original do Viggen, mas com a tecnologia da informação disponível na época não foi possível realizá-lo.

Desde o começo todos os esforços foram focados no desenvolvimento de uma única plataforma capaz de cumprir as missões de interceptador/caça, ataque e reconhecimento, realizadas por quatro versões do Viggen.

Preferivelmente, o piloto poderia mudar sua missão ainda em voo, dependendo das armas transportadas nos pilones.

Por exemplo, depois de realizar uma missão de ataque, a aeronave poderia atuar como caça em operações de defesa aérea ou ainda realizar missões de reconhecimento.

Produto caseiro ou compra de prateleira?

Fabricar uma aeronave na Suécia não foi uma escolha automática, mesmo com o pedido de estudos feito à Saab, já que a FMV estava considerando seriamente o F-18 Hornet e o F-20 Tigershark.

No início de 1981, uma especificação técnica foi formulada e em abril do mesmo ano uma RFP formal foi enviada à Saab, que formou um consórcio sueco, o Grupo Industrial JAS, com a Volvo, Ericsson e FFV (agora Celsius) Aerotech.

Antes disso, em abril de 1979, o relatório do MFK79 (Comitê da Indústria Aeroespacial Militar) foi apresentado, mostrando que 12.000 pessoas na Suécia trabalhavam na indústria aeroespacial e que a compra de uma aeronave militar no exterior iria devastar a indústria local. A maioria dos 12.000 empregos seria perdida a médio prazo.

Em novembro de 1981, o Comitê de Defesa de 1978 apresentou seu relatório, que dizia que a defesa aérea era essencial para as Forças Armadas e que uma indústria aeroespacial local capaz de projetar aeronaves era muito importante para a segurança nacional e independência.

Mais tarde, o Comandante Supremo também disse que preferia uma solução local, desde que a indústria tivesse maior responsabilidade a aceitasse parte do risco financeiro do projeto.

Isto foi acordado e quando o Parlamento deu o sinal verde para o contrato, havia a condição para o preço fixo das primeiras 30 aeronaves e termos e condições conhecidas para um lote subsequente de 110 aeronaves.

Roll-out e primeiro voo

O primeiro Gripen foi revelado em 26 de abril de 1987 à imprensa e convidados. Um ano e meio mais tarde, em 9 de dezembro de 1988, o piloto de testes chefe da Saab Stig Holmström decolou com o primeiro protótipo, 39-1, num voo de 5 minutos, sem problemas.

Dificuldades no software de controle de voo

No dia 2 de fevereiro de 1989, durante uma aproximação para o pouso, o protótipo de Gripen começou a oscilar com os ventos e após tocar na pista, tombou para a esquerda, capotou várias vezes e desintegrou-se.

O piloto, um experiente profissional de testes da Saab, Lars Radeström, sobreviveu com alguns ferimentos leves.

A sorte é que todo o acidente foi filmado por uma equipe de TV Sueca, que estava fazendo um programa sobre a rotina diária de um piloto de testes.

Um investigação do acidente foi levada a efeito e foram efetuadas mudanças no software de controle de voo e na administração do Programa.

Em 4 de maio de 1990, 15 meses depois da queda do primeiro, o segundo protótipo (39-2) levantou voo. Em 8 de junho de 1993, a primeira aeronave de produção 39.102, foi entregue para a FMV e a Força Aérea, numa cerimônia em Linköping.

Em 8 de agosto de 1993, a aeronave fez sua primeira aparição em público, no Stockholm Water Festival.

A aeronave novamente caiu, depois de algumas passagens baixas, quando começou a se comportar estranhamente. O piloto, novamente Lars Radeström, conseguiu se ejetar.

Em 18 de agosto de 1993, um relatório preliminar concluiu que a queda foi causada por uma série de “inputs” no controle que o sistema “fly-by-wire” não conseguiu interpretar e transformar corretamente os movimentos das superfície de controle.

Estes “inputs” fizeram a aeronave oscilar fora de controle – o termo técnico para isso é Pilot-Induced Oscillation (PIO).

O relatório do acidente concluiu que não havia nada de errado com o sistema de controle de voo e que a probabilidade de uma certa combinação de movimentos do manche em tempo limitado era negligenciável e não precisava ser compensado.

A comissão JAS

Em 16 de setembro de 1993, o Ministro da Defesa Anders Björck, membro do Partido Moderado (os Conservadores da Suécia), nomeou uma comissão investigativa com o mandato explícito para conduzir uma revisão crítica e não tendenciosa de todo o Programa JAS 39 Gripen.

A Comissão preencheu este relatório em meados de dezembro de 1993 e deu o sinal verde para o programa:

“Diante o conhecimento obtido na revisão do projeto JAS que a Comissão realizou, o julgamento agregado da Comissão é que o programa JAS atingirá os alvos determinados pelo Governo em todos os detalhes essenciais”.

Protótipos do Gripen
Protótipos do Gripen. O avião número 1 foi perdido em acidente.

No ar novamente

Em 29 de dezembro de 1993, os testes de voo começaram novamente depois de 18 semanas de paralização, quando Claes Jensen, piloto de testes chefe, levantou voo no segundo protótipo, 39-2. Aquele era o voo número 1.024.

Na primavera de 1994, as entregas de produção da aeronave continuaram, com as primeiras aeronaves sendo entregues para treinamento das equipes de solo.

A última aeronave do primeiro lote de 30 aeronaves foi entregue em 13 de dezembro de 1996.

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Samuel B. Pysklyvicz "Jaguar"

Excelente materia Galante.
espeparando o proximo Post

Galileu

uhum boa mesmo, Viggen devia ter vindo pra cá na época, como sempre, uma pena!!

Joker

Perfeito Galante!

Vader

Excelente post, parabéns ao Aéreo.

Ricardo_Recife

Muito bom! Um país sempre pensa a frente. Quando os primeiros Drakken estavam saindo da fabrica, a Força Aérea Sueca já estava pensando no Viggen e o mesmo se deu a frente. Não deveríamos estar pensando em FX-2 mais, isto já deveria ter sido resolvido, contudo a palhacada do dia 07/08/2009 detonou tudo. Deveríamos estar discutindo o FX-2025 e não torcendo pelo enterro de tudo isto.

Mauricio R.

Apesar dos problemas, como esses caras da Saab fazem parecer fácil conceber, projetar, construir e colocar em serviço um jato de combate de alto desempenho. Na Grã Bretanha era um drama, uma burocracia intrometida, comitê disto, comitê daquilo, e no fim espionavam p/ a ex-URSS. Nos EUA é tá caro, ficou mais caro, tá mais caro ainda, ou então desta vez vamos construir no Texas pq da outra foi na Flórida. Na França é fácil mas nem tanto, pq é tdo Mirage. Na Russia depende de qual é o OKB favorito do momento. E na China PRC é do que… Read more »

Alexandre Galante

Pois é Mauricio, a simplicidade das soluções encontradas para o Gripen é digna de nota. Não reinventaram a roda, usaram o F-16 como benchmark, os dados obtidos com o B3LA e uma pitadinha de F-20.

RJ

Como os suecos são bons de foto! Até a foto do Skol-60 tá linda!

Ivan

“O futuro das organizações – e nações – dependerá cada vez mais de sua capacidade de aprender coletivamente.” . .(Peter Senge). Acredito que o Suecos pensam de maneira parecida, na forma que projetaram e construíram o Gripen, que estam tocando o projeto NG e como entraram no nEUROn. Parece que os Russos devem estar tentando algo do gênero no Pak-Fa ao lado da Índia. E, por incrível que pareça, até os todo-poderos “americanus” buscam alguma ação coletiva no JSF. Isto sem falar na Embraer, exemplo de sucesso não apenas no Brasil, mas no mundo, que busca pareiros reais e transnacionais.… Read more »

Justin Case

Ivan,

O que você falou dos suecos vale perfeitamente para os franceses.
Abraço,

Justin

“Justin Case supports Rafale”

Ivan

Justin,

Infelizmente não.

Digo isso com grande pesar, pois, em que pese não gostar do estilo do Sérge Dassault, sou um grande admirador do pai, Marcel Dassault, um dos gênios da história da aviação.

A opção francesa foi pela independência a qualquer preço, na contramão da globalização inexorável e do crescimento vertiginoso dos custos e da velociade da tecnologia.

Sinceramente uma pena.

Grande e respeitoso abraço,
Ivan, o Antigo.

“Ivan supports thinking together”

Justin Case

Ivan,

A fase da independência a qualquer preço já passou para os franceses.
Essa busca de parceria no Rafale, no Neuron, é demonstração disso.
O “a qualquer custo” para aviões de caça de primeira linha extrapolou a capacidade de qualquer país.
A transferência (ou compartilhamento) de tecnologia é questão de sobrevivência industrial (“sharing” de mercado e de custos de desenvolvimento).
Isto vale para russos, americanos (um pouco menos), franceses ou quem tenha tecnologia para transferir.
Essa é a idéia.
Abraço e boa semana,

Justin

“Justin Case supports Rafale”

Justin Case

Amigos,

Para pensar ou para rir:
A furtividade ativa usaria princípio semelhante àqueles fones de ouvido com supressor de ruído que distribuem nos vôos internacionais?
Abraços,

Justin

“Justin Case supports Rafale”

Ivan

Justin, Infelizmente discordo. Digo isso com grande pesar, novamente, pois acompanho seu sincero apreço pelo Rafale. Eu inclusive, desde 1986 quando saiu uma nota com uma foto do Demonstrador Rafale (ainda com turbinas GE F-404), acho que é um belíssimo caça. O discurso externo do Sarkozy é um, as declarações do seu ministro Hervé Morin é outro. Nas entrelinhas se percebe que a atitude francesa não mudou, que eles pretendem ainda ser o líder na Europa (contra o conceito de liderança compartilhada) e ter associados e não sócios (associado participa do risco e não da decisão). Só um detalhe, francófilo… Read more »

Nick

Bela matéria, Galante 🙂 O Gripen realmente poderia ser considerado uma atualização do conceito do F-5E e F-20 . Um caça capaz de bater de frente contra SU-27s/30s mas a custos mais aceitáveis. Sua versão mais avançada (E/F na Suécia) não ficará devendo nada aos Su-35BMs, Eurofighters, Rafales, Falcons e SuperHornets. Por outro lado, os Suecos já estão pesquisando um Stealth Gripen. Se tornará realidade ou não ainda é cedo, talvez com pelo menos uma ou duas parcerias seria um caça que se encaixaria perfeitamente na FAB, ainda mais a FAB podendo passar algumas especificações para o TO Brasileiro. Caro… Read more »

Edmar

Caros Amigos.:

Bela Matéria!

Uns 72 caças “Saab Gripen JAS 39” (60 monoposto e 12 biposto) já iria muito bem para a FAB.

Daria para equipar 6 esquadrões e teriamos aviões mais modernos dos que o atuais.

Charleston

Sr. Galante, Muito bom o site, a democracia dos comentários, a profundidade dos debates. Gostrai de perguntar se existe alguma objeção a imitarmos os anos 60/70 e termos apenas uma pequena leva de RAFALE, apenas para a tao falada superioridade aérea, e, ao mesmo tempo, incentivar as empresas nacionais a entrar de vez no projeto do Gripen NG, com a compra significativa de elementos para a FAB e MB? Se estamos tão bem na foto, não poderia, a exemplo da OI, VALE, PETROBRÁS, BB, etc., termos a engenharia financeira de adquirir o controle acionário da SAAB, ou uma significativa participação… Read more »

Drcockroach

Muito boa materia e comentarios (ateh chegar ao meu 8) ); como sempre pedimos +, aguardo do Draken, a “force” anda na familia… 🙂

[]s!

Alfredo.Araujo

Esse tal de JAS39 tentou matar o Lars Radeström 2 vezes !!!
hahaha

Tito

Belo avião, bela matéria. 🙂

Parabéns ao Blog.

GHz

Galante,

Crítica construtiva (ou “fazendo o papel do chato”).
Não ficaria melhor “negligenciável” do que “negligível” (negligible)?

[[ ]]
GHz

Alexandre Galante

Obrigado pelo copy-desk, GHz!

Salomon

Quanto tempo até alguém falar que o Brasil deveria comprar os remanescentes?

Rodrigo de Jesus Garcia Terra

excelente texto

Felipe Fernandes

Ótima publicação.