F-5EM: instalação do canhão, entre outros detalhes interessantes
Nesta sétima matéria desta série que explora diversos detalhes do F-5EM, chegou a vez de mostrar um pouco do que é a razão de ser de um caça: o seu poder de fogo. Ainda que, no caso do F-5 modernizado, este tenha sido reduzido no que se refere ao armamento de tubo. O F-5E originariamente era provido de dois canhões de 20mm, mas o F-5EM precisou ter um deles retirado para abrir espaço para novos sistemas aviônicos.
A troca é justa por um lado, pois os novos sistemas permitem o emprego de armamento muito superior ao da versão não modernizada, o que amplia e muito o poder de fogo da aeronave. Mas, especificamente quanto ao armamento de tubo, de fato esse poder diminuiu em 50%. Isso deixou o canhão, que há algum tempo já é considerado o “último recurso” dos aviões de caça no combate aéreo, ainda mais claramente relegado a esse papel no caso do F-5EM – veremos um pouco mais sobre isso ao final desta matéria. Por hora, fiquemos nos detalhes.
Podemos reparar em três diferenças curiosas entre a foto do alto da matéria e a foto do canto superior esquerdo do conjunto de quatro imagens acima. Uma é a tampa inferior do compartimento com apenas a pintura do “primer” aplicada (cor esverdeada) e outra com pintura cinza sobre o primer. Questões operacionais eventualmete levam a essas pequenas diferenças – o que importa é ter os caças no ar, ainda que com uma tampa retirada de outro caça ou do estoque, sem pintura completa. O cofre de munição, logo abaixo do canhão de um dos caças, tem instruções escritas – o outro não. Por fim, no canto inferior direito das duas imagens, um dos caças tem logo atrás do cofre a cobertura do sistema de ejeção de cartuchos deflagrados, enquanto o outro mostra um espaço vazio.
As outras três fotos mostram a instalação do canhão em ângulos diferentes. Um detalhe interessante a ressaltar, na foto inferior esquerda, é o sensor de ângulo de ataque, visível logo atrás do vão aberto do compartimento do canhão. O sensor pode ser visto em outro ângulo na foto inferior direita, sob a sombra da tampa aberta. Logo abaixo dele, está a porta de acesso ao sistema de separação de emergência do canopi (que veremos mais de perto em outra matéria). Passemos das meras curiosidade aos aspectos mais práticos.
A foto acima mostra o porque do canhão M-39 A2 de 20mm do caça ser classificado como do tipo revólver. Logo à frente do ponto em que a cinta de munição se conecta à arma, podemos ver parte do tambor de cinco câmaras, rotativo. A cadência de tiro de aproximadamente 1.500 disparos por minuto é facilitada pelo sistema em que as cápsulas são carregadas no tambor, que roda eletricamente para posicionar cada projétil para o disparo. O sistema não é tão rápido quanto o tipo gatling, do conhecido canhão Vulcan que equipa aeronaves como o F-16 (ou mesmo o contemporâneo do F-5, o F-104), em que diversos canos rotacionam, mas essa cadência de tiro do M-39, embora menor que a do Vulcan, é atingida mais cedo desde o primeiro disparo – o que é uma vantagem para rajadas curtas.
Nas duas fotos acima, duas visões bem laterais e aproximadas do conjunto. Clicando na da esquerda, pode-se ler as instruções escritas sobre o cofre da munição, indicando como a cinta é disposta dentro do cofre, assim como a capacidade deste (246 projéteis) e a capacidade total somando os cartuchos na parte da cinta que fica para fora do cofre, ligada ao canhão (total de 280 projéteis).
Segundo interessante artigo publicado no site da Associação Brasileira de Pilotos de Caça (ABRA-PC), de autoria do capitão aviador Fabian Antônio Machado (clique aqui para acessar), os 280 projéteis de 20mm levados no caça garantem um tempo total de disparo contínuo (capacidade de fogo) de 9,3 segundos. Obviamente, no combate aéreo são empregadas rajadas curtas, de aproximadamente 1 segundo, quando muito – o que dá uma capacidade de se disparar umas 9 rajadas curtas.
Algo interessante a se ver, no artigo de Machado datado de 2006, é o valor da hora de vôo do de US$ 4.251,21 para o F-5. Mas aqui estamos falando de canhão. Assim, voltemos às fotos. Na imagem da direita, pode-se ver a porta do cofre de munição, aberta.
Mas se o canhão direito foi retirado para liberar espaço para aviônicos, o que é esse tubo visto à esquerda da foto acima? É uma tomada de ar auxiliar para ventilação / refrigeração. A foto acima, tirada bem de frente, deixa claro o armamento de tubo “cortado pela metade” do F-5EM, quando comparado ao F-5E. Isso faz levantar a pergunta: a capacidade do caça no tiro aéreo e no tiro terrestre foi diminuída?
Obviamente que sim, pois não há mágica nesse sentido. A capacidade de fogo (o tempo total de 9,3 segundos de fogo contínuo) permaneceu, pois os dois canhões do F-5E disparavam ao mesmo tempo. Já a potência de fogo, medida em quilos por segundo, foi reduzida à metade. O F-5E, segundo o artigo do capitão aviador Machado, referido acima, possuía uma potência de fogo de 5,6kg por segundo, com seus dois canhões. Isso já significava pouco mais da metade da potência de fogo de jatos como o A-1, com dois canhões de 30mm (11kg/s) ou o F-16 (10kg/s), este último também empregando munição de 20mm, mas num canhão com maior cadência de fogo. No F-5EM, essa potência caiu para 2,8kg/s, ou seja, pouco mais de 1/4 da potência de fogo das outras duas aeronaves citadas.
Foi o custo a se pagar para que se pudesse lançar bombas com maior precisão, substituindo com vantagens o tiro terrestre (segundo o artigo do capitão aviador Machado), e mísseis avançados, mais eficientes que o tiro aéreo. O tiro aéreo havia sido por muitos anos uma doutrina valorizada no F-5E, já que na maior parte de sua vida na FAB o caça operou mísseis de geração antiga, com relativamente baixa confiabilidade e limitações nos parâmetros de disparo – no caso, a versão B do AIM-9 Sidewinder. No tiro aéreo, um F-5 podia derrubar um alvo com uma rajada bem colocada de meio segundo (ainda segundo Machado). Já com o canhão único do F-5EM é necessário 1 segundo para se conseguir o mesmo efeito. Ou seja, o canhão tornou-se de vez um último recurso no combate aéreo na versão modernizada.
Ainda sobre a foto acima, vale a pena reparar num último detalhe interessante: próximo ao canopi e ao lado da tampa aberta, pode ser visto um objeto circular. É uma das antenas de GPS instaladas na versão modernizada do caça.
As duas últimas fotos mostram detalhes do chapeamento do nariz do caça próximo à tomada de ar auxiliar, na foto da esquerda, e do cano do canhão, à direita. O olhar mais atento vai perceber uma espécie de “porta” à frente do tubo do canhão, enquanto que na imagem da esquerda vê-se simplesmente um chapeamento uniforme. Essa porta é o defletor de gases do canhão, que é aberto no momento do disparo, acionado por um atuador sob a fuselagem.
Amanhã, na penúltima matéria desta série, veremos mais alguns detalhes interessantes da fuselagem frontal do caça.
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- Cuidado com o usado!
- … e olha só quem estava na Marginal Tietê!
- E falando em F-5, mais fotos do ‘FAB 4824′ no Domingo Aéreo 2011 da AFA
Para o quarto F-20, que já estava sendo construido na época do cancelamento do programa, eles iriam substituir os dois Colt de 20mm,por um único de 30mm.
Se pararmos para pensar, foi uma pequena façanha de engenharia fazer com que os gases do disparo do canhão não obstruicem a visão do piloto nos disparos.
Como a matéria anterior não estava recebendo comentários, vale comentar aqui que a FAB teve que fazer testes de flexão nas pontas das asas, para compatibilizar o Piranha no F-5. Foi pedido os dados a Northrop mas esta negou. Aí fizemos engenharia reversa.
Off Topic:
INFRAERO autoriza operação do A380 em SP pela Fly Emirates!
http://economia.uol.com.br/ultimas-noticias/valor/2011/09/27/emirates-ja-pode-usar-o-a380-em-guarulhos.jhtm
Abraço!
Não forneceram dados sobre a elasticidade da asa do F-5 para integração de armamento nacional, e ainda tem gente que acredita que irão passar todos os dados do FA-18E/F !!!
Nunão, boa tarde. Muito bom seu artigo e interessante a análise sobre o poder de fogo do F-5M. Como você disse, a potência de fogo (massa de projéteis disparados na unidade de tempo) foi reduzida à metade. No entanto, interessam, na realidade, apenas aqueles projéteis disparados que têm probabilidade de atingir o alvo, em determinada situação de emprego. O que se têm hoje, principalmente no emprego ar-ar, com muitas variações de visada, é uma probabilidade de acerto muito maior, devido ao novo conjunto aviônico. Nas situações controladas de um exercício de tiro aéreo, o número percentual de acertos mais que… Read more »
Em tempo: com maior probabilidade de acerto no combate, quero dizer a diferença com relação ao F-5 antigo, pois é claro que a probabilidade total é menor do que em situações controladas de exercício de tiro aéreo.
Abraço,
Justin
“Justin Case em 28/09/2011 as 13:51 e às 13h54”
Justin, muito interessante a informação que você colocou, de que com os novos sistemas de visada a probabilidade de acerto aumentou. Faz bastante sentido melhorar, e se dobrou como lhe disseram, melhor ainda.
A ideia dessas matérias é não só mostrar esses detalhes, mas abrir espaço para contribuições como essa. Valeu por compartilhar!
A todos que comentaram aqui, gostei do debate sobre os canhões. Colocarei na pauta para próximas matérias o assunto armamento de tubo para aeronaves.
Saudações!
“Marcelo disse:
28 de setembro de 2011 às 13:35”
Marcelo… a politica, a economia, a relação entre paises… tudo muda e mto rápido !!
O Japão em menos de 6 meses passou de inimigo nr 1 dos EUA para um dos maiores aliados, no pós 2gm…
Marcelo, Você já leu o teor dos contratos de aquisição de F-5 pela FAB? Neles constavam que tais dados sobre a elasticidade das asas deveriam ser fornecidos? Se não, é comum ou de praxe tais dados serem fornecidos mesmo que não conste no contrato? Os franceses forneceram tais dados relativos às asas dos Mirage? Se tivéssemos interesse nesses dados e na hipótese de ainda não terem sido enviados, eles o fariam mesmo que tal condição não estivesse no contrato, de forma natural e por pura camaradagem? Será que nós fornecemos tais dados para os clientes do Super Tucano? Como eu… Read more »
Tanto o F-5 quanto o F-18 dispõem da melhor posição possível para um canhão, que é no seu eixo central. Foi uma ótima solução de engenharia o que a Northrop fez, ainda mais estando o canhão acima do radar! Claro, deixou os “maninhos” bicudos…
“Giordani RS em 28/09/2011 as 16:51”
Giordani, você praticamente adivinhou o tema da matéria de amanhã, a penúltima da série.
Mas, apesar do bico ser grande, a matéria será um pouco mais curta.
Saudações!
O canhão tipo “revolver” ou tipo “Gatling” são basicamente a mesma coisa só que o segundo (Gatling) tem um cano pra cada câmara. Esse é o único canhão “revolver” fabricado nos EUA, que hoje fabrica somente o tipo Gatling para caças e o tipo “corrente” para veículos, helicópteros, navios, etc. Teoricamente o tipo “revólver” chega mais rápido à cadência máxima por não precisar girar uma grande massa (vários canos) a partir do zero. Questão de inércia. Já o tipo “Gatling” apesar de levar mais tempo para chegar à cadência máxima consegue ter uma cadência bem superior que o tipo “revólver”,… Read more »
Uma desvantagem dos Gatling é o maior peso em relação aos de cano simples. Tanto o GSh-301 russo quanto o Bk-27 alemão são mais leves e entregam o mesmo poder de fogo numa rajada de 1 segundo.
Mas o caça moderno com o maior poder de fogo é o Rafale. Sua potencia de fogo é mais de 50% superior aos outros concorrentes, mas as custas de ter uma arma bem mais pesada que os outros “revolver” e um pouco mais do que o M61.
Já que estamos falando de canhões, além dos canhões citados (“revólver”, “corrente” e “gatling”) que precisam de uma fonte de energia externa, ainda tem os que usam somente a energia do disparo de um cartucho para o mecanismo automático. Dentre eles há um conceito interessante que usa o princípio “Gast”, dotado de 2 canos (não giratórios) e também com alta cadência, usado em várias armas soviéticas/russas, tais como o GSh-30-2 e o GSh-23.
Senhores, Depois de todas estas matérias sobre as minúcias do F-5, fica evidente que é delírio de alguns sonhar com a construção de um caça autóctone (nativo) partindo do zero aqui no Brasil. è impressionante a complexidade do F-5, e olhe que falamos de uma aeronave projetada ainda na década de cinquenta do Séc. XX. Por mais expertise que a Embraer tenha adquirido, precisa comer muito feijão ainda para projetar e desenvolver sozinha uma aeronave como esta, o que dizer então de uma da geração 4,5, mesmo que se coloque dinheiro à vontade no projeto. A Argentina já sentiu isto… Read more »
“Observador em 28/09/2011 as 19:39”
Observador, achei muito interessante seu comentário.
Apenas discordo quanto ao F-5 ser complexo. Na verdade, ele é bem simples quando comparado a outros projetos.
E é aí que está a graça da coisa:
O ponto, pra mim, é o quanto é complexo o conhecimento para se projetar soluções simples e eficazes. É complexo fazer algo simples de se trabalhar, manter e operar como um F-5!
Caro Nunão: Talvez eu não tenha me expressado direito. Penso igual a você. O F-5 é considerado um dos maiores sucessos da engenharia aeronáutica americana. Simples de operar e manter sim, mas porque foi pensado para ser assim. Para chegar ao nível de excelência do seu projeto, é certo que foi muito trabalho. Neste sentido coloquei a complexidade deste avião. Mesmo sendo um projeto antigo, se o Brasil fosse projetar do zero uma aeronave destas, como sonham alguns, com certeza daria com os burros n’água. Se fosse fácil, até a Bolívia teria uma indústria aeronáutica. O brasileiro, que é tão… Read more »
Observador, Bem colocado, indústria aeronáutica consistente ao longo do tempo é uma tarefa árdua, que o digam nossos vizinhos argentinos, que como vc citou anteriormente chegaram a produzir dois protótipos de caça a jato desenvolvidos localmente – mas sem uma perspectiva de mais longo prazo de um projeto de indústria aeronáutica amarrada a pesquisa e ensino, como se consolidou aqui a partir de CTA, ITA etc, esse avanço impressionante ficou só nos protótipos e o projetista alemão Kurt Tank fez as malas e levou boa parte do conhecimento com ele. Ainda assim, os nossos vizinhos prosseguiram no desenvolvimento de suas… Read more »
Ok, Roberto. I
Fiquei curioso agora com o assunto mas, infelizmente, não me lembro mais da referência onde li sobre acionamento elétrico, à época da matéria.
Amigos, O que pode causar confusão é que o acionamento da espoleta de cada obus é elétrico. O carregamento de um novo cartucho é sempre resultante do tiro anterior (ação e reação). Muitos tipos de canhões incorporam cartucho pirotécnico, que é encarregado de forçar o movimento para expulsar o cartucho que falhou e recarregar um novo. Antes do voo, o primeiro cartucho é carregado pelo pessoal de solo. Em voo, se falhar um tiro, o dispositivo pirotécnico é a única solução para que o canhão volte a funcionar. Cada canhão tem suas características, mas acho que esse é o princípio… Read more »
Olá, Roberto.
Esse não é um cartucho da fita, mas um outro artefato explosivo que provoca recuo semelhante ao de um tiro dado, rearmando o canhão.
Abraço,
Justin