Sem um satélite próprio, o País depende de estrangeiros para proteger suas riquezas, fluir informações militares e até controlar o tráfego aéreo

Claudio Dantas Sequeira

Apesar dos avanços e recuos, uma das prioridades do governo brasileiro é reaparelhar as Forças Armadas. Pelos planos, em breve o Brasil ganhará um submarino de propulsão nuclear para patrulhar a costa, em especial a região do pré-sal, um grupo de caças de quinta geração para proteger o espaço aéreo do país; e armamentos de última geração para equipar os soldados que monitoram a porosa fronteira brasileira. Como em qualquer país com um poderio militar moderno, o plano do governo prevê que toda a comunicação entre as três forças seja feita via satélite, permitindo a troca rápida e segura de informações. Na teoria, a estratégia de defesa brasileira parece não ter falhas graves e obedece aos procedimentos das melhores forças armadas do mundo. Na prática, no entanto, existe um nó difícil de ser desatado e que, em tese, compromete todo o investimento bilionário que o País se prepara para fazer.

Ao contrário das principais nações desenvolvidas e emergentes do mundo, o Brasil não tem controle nem ao menos sobre um dos quase mil satélites que estão em órbita no mundo hoje. A Índia, por exemplo, tem seis deles dedicados a ela e a China, outros 60. Hoje, todas as informações brasileiras que trafegam pelo espaço – sejam elas militares, governamentais ou de empresas privadas nacionais – passam por satélites privados, controlados por uma única empresa, a Star One, do bilionário mexicano Carlos Slim. Na prática, o Brasil é um simples locador de um retransmissor espacial que tem como função principal gerar lucros para o seu dono. Em uma situação de conflito, seja ele militar ou econômico, em última instância o locador tem o poder de simplesmente cortar o sinal do satélite, fazendo com que todo o moderno aparato militar que o País pretende adquirir se torne completamente inútil.

Desde que o Brasil perdeu o controle sobre seus satélites, com a privatização da Embratel em 1998, nenhum caso semelhante ocorreu. Mas o que preocupa especialistas brasileiros em segurança é a mera possibilidade de que isso venha a acontecer. “Não há como negar, é uma ameaça à segurança nacional”, diz o engenheiro José Bezerra Pessoa Filho, do Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE) e ex-diretor da Associação Aeroespacial Brasileira (AAB). Sua opinião é compartilhada por diversos analistas e autoridades. “São informações fundamentais para a proteção de milhares de pessoas”, afirma Thyrso Villela, diretor de Satélites, Aplicações e Desenvolvimento da Agência Espacial Brasileira (AEB).

A dependência a satélites estrangeiros não é um problema restrito à área militar. O governo também depende da boa vontade alheia, ao custo de vários milhões de dólares, para obter dados meteorológicos vitais para a prevenção de desastres naturais como enchentes, furacões e tempestades tropicais. Ficam ameaçadas também a transmissão de dados bancários e as comunicações sobre tráfego aéreo, que em poucos anos terá de ser feito via satélite, conforme determina o padrão internacional. Algumas vozes argumentam que os contratos comerciais firmados pelo governo com empresas de satélites, como a Star One que comprou a Embratel, contêm salvaguardas que garantem a prestação do serviço. Nesse sentido, o descumprimento das cláusulas contratuais prevê multas milionárias. No entanto, numa situação extrema, seja de guerra ou de catástrofe natural, quem vai pagar a fatura pela perda de vidas humanas? O histórico recomenda cautela.

Ao menos em duas ocasiões o Brasil sofreu os efeitos da dependência. Em 1982, durante a Guerra das Malvinas, um dos satélites meteorológicos que fornecia imagens para o governo foi reposicionado pelos Estados Unidos e deixou de fornecer informações sobre o clima em todo o Hemisfério Sul durante dois meses. Em 2005, por conta do furacão Katrina, os americanos precisaram usar toda a potência de varredura de seus satélites para rastrear o fenômeno, reduzindo a frequência das imagens da América do Sul e do Brasil. “Se fossemos atingidos naquela época por um evento da magnitude do ciclone Catarina, que varreu a região Sul em 2004, ficaríamos no escuro”, afirma Villela, da AEB.

A história de dependência começou com a privatização do sistema Telebrás, em 1998. A Embratel, que operava os satélites BrasilSat, passou às mãos da americana Verizon e depois da América Movil, do magnata mexicano Carlos Slim, dona da Star One. Embora fossem satélites comerciais, o governo brasileiro detinha dois transponders de banda X, exclusivos para comunicações militares, instalados nesses satélites. Com a privatização da estatal, todo o controle passou para as mãos privadas.

Há, logicamente, salvaguardas pelas quais a operação desses satélites é feita somente por brasileiros. Mas os militares não têm controle sobre esses equipamentos, não podem desligar o satélite ou mudar sua posição. “As salvaguardas servem para mitigar o problema da soberania”, reconhece o coronel da reserva Edwin Pinheiro da Costa, chefe da seção de Telemática do Ministério da Defesa e responsável pelo Sistema de Comunicações Militares (Siscomis). Vale lembrar que a Verizon foi arrolada nos EUA numa polêmica sobre fornecimento de dados telefônicos de seus clientes ao FBI e a agências de inteligência do governo.

Uma das diretrizes da Estratégia Nacional de Defesa (END) é o desenvolvimento do Satélite Geoestacionário Brasileiro, o SGB. Para tirar o projeto do papel é preciso empenho político e recursos financeiros. Uma das tentativas é construir um foguete próprio capaz de lançar o satélite brasileiro. As primeiras tentativas terminaram com a destruição da Base de Alcântara, no Maranhão, após a explosão de um protótipo. O mais próximo que o Brasil chegou para voltar a ter satélites próprios foi uma minuta de intenções para firmar uma parceria com a França. No entanto, as negociações para que o acordo saia estão paradas há dois anos. Enquanto isso, todo o sistema de comunicações do País continua nas mãos do bilionário Carlos Slim.

FONTE: Isto É

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edcreek

Ola, Ai esta mais um ponto vital, levantado, e ainda dizem que quem diz que somos dependente do grande irmao e alarmista.Ao primeiro problema, transfere ou corta as imagens do Sul, de for uma escaramursa com vizinho entao, esquece. E pensar que eles negaram varios componentes para satelites locais e tivemos que comprar do judas Framces e do pessimos pos-vendas Russos. Tenho link no escritorio do orgao oficial do Brasil reclamando. Para quem gosta de falar da bondade Americana que eles cuprem tudo e tal pode cotinuar, vao dizer que e normal…..E um direito deles americanos, mas passa longe de… Read more »

Cesar

O programa espacial fica travado com situações bisonhas, como o impasse em Alcântara com comuniddes quilombolas.

Estratégia por aqui é ter assento permanente no CS da ONU, é com essa bobagem que o nosso governo se preocupa. Membro permanente com a nossa situação militar atual, é motivo de piada, tem que evoluir muito.

Luiz Padilha

Resumindo: Obrigado FHC. Show de bola a privatização da Embratel.

Rogério

Bom, é culpa da privatização da Embratel? Do FHC? “Duzamericanu-mal”? Talvez tds tenham razão, o país simplesmente rifou suas estatais em um momento de crise, algumas coisas foram boas (Embraer, telefonia e a siderurgia), outras ruins (centrais elétricas).

Seja como for o pais que não investe na educação, o país que não consegue verba para a compra de cadernetas de presença de alunos do ensino básico, não conseguirá subnuc, satélite, caças, FAs, assento permanente no CS, N A D A.

Seremos colônias sempre.

Nick

Precisamos de 3 a 4 satélites militares para navegação, comunicação e vigilância e para ontem. Quanto custa cada?

[]’s

Soyuz

Maldito FHC, este vilão abominavel de filmes de bang bang italiano, o responsável mor por todos os problemas estruturais brasileiros.

Já que este é um espaço sobre aeronáutica, aqueles que acham que a privatização depõe contra interesses nacionais, porque não se arriscam a escrever alguns parágrafos sobre o porquê a privatização da Embraer foi danosa ao Brasil?

Antonio M

A privatização não tem nada a ver com o problema crõnico do Brasil que é planejamento. Alguém se lembra dos ‘planos de expansão” das companhias telefõnicas? De anos em anos abria tais planos e filas enormes se formavam para preencer fichas de cadastro e ter sorte de conseguir uma linha dentro do nº que seria oferecido e se não conseguisse, teria de esperar outro plano ou comprar no mercado. SP teve uma bolsa de telefones e uma linha custar em torno de R$ 6 a 8 mil era norma. A mais cara chegou a ser na região de Alphaville onde… Read more »

André

Muito bom o seu comentário, Antonio M.
Sds a todos.

Observador

Senhores, Simplesmente não posso acreditar que os participantes deste Blog acreditem nas meias-verdades desta revistinha chapa-branca que não vale o papel de sua impressão. Vamos manter o espírito crítico. É só mais um ataque da esquerda raivosa (PT) contra a esquerda festiva (PSDB). Acho engraçado que a turma está no poder há mais de oito anos e continua reclamando da “herança maldita” do Governo FHC. Sobre o assunto específico, eu fiz um comentário no início do ano, conforme abaixo: Observador disse: 26 de fevereiro de 2011 às 3:17 Não é bem assim… Primeiro, preciso dizer que não sou tucano e… Read more »

Soyuz

Satélites de telecomunicações militares e civis são diferentes. Redes de telecomunicações civis e militares também são diferentes. Mas quais seriam estas diferenças? Nos anos de 1980, um satélite típico de telecomunicações era o HS 376, (Plataforma dos primeiros Brasilsat da Embratel), uma espaçonave de cerca de 700Kg por 900W de potencia elétrica disponível a bordo. Na segunda metade da ultima década um satélite típico de telecomunicações era , uma espaçonave de cerca de 6000 kg por 16.000 W de potencia elétrica disponível a bordo. Em 25 anos a massa de um satélite cresceu quase 9 vezes e a potencia elétrica… Read more »

Giordani RS

Mas o que esperar de uma naçaõ governada por uma pseudoelite que ensina “que nóis tem os livro”…