Parafuso chato invertido de P-47

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Do efetivo do 2º Esquadrão Pif-Paf da Base Aérea de Santa Cruz, com 50 horas de vôo no P-47 Thunderbolt, considerava-me conhecedor de todos os seu segredos.
Ao meio dia de 14 de abril de 1948, no P-47 4141, iniciei, a partir de 30.000 pés, picada para ganhar velocidade para uma Curva de Immmelman.

Adquirida a velocidade, veio a puxada para executar a manobra. O sol estava a pino o que me ofuscou a linha do horizonte. Desvirei, ainda com o nariz alto, o que provocou a entrada em parafuso.

Por estar sem as 8 metralhadoras, portanto mais leve, a subida até 30.000 pés para realizar manobras e acrobacias a grande altitude, foi rápida, tendo gasto pouco combustível do tanque auxiliar. Com tanque auxiliar quase cheio, o centro de gravidade deslocado, não era aconselhável executar acrobacias, recomendação essa que só tivemos conhecimento após o acidente que estamos relatando.

Já em parafuso, achei que seria barbada retornar ao vôo normal. Estava enganado. Fiz todos os procedimentos para tirar do parafuso, sem resultado. Atochei a manete dos gases e, então, houve uma inversão brusca no sentido do parafuso, o que resultou uma forte batida da minha testa no canopy. Naquela época usávamos um capacete de lona, aonde a máscara de oxigênio se prendia.

Com a batida, apaguei. Nessa altura, com a manete para frente, o P-47 entrou num parafuso chato invertido. O sangue voltou logo para a cabeça o que provocou, em poucos segundos, a visão vermelha. Antes, porém, pude ver no altímetro que estava cruzando 10.000 pés, altura determinada para abandonar o caça, caso não conseguisse sair do parafuso.

Nem com o auxílio das pernas consegui segurar o manche. Os paloniers (pedais), em movimentos rápidos, iam a fundo e voltavam para trás.

Não havendo mais possibilidade de sair do parafuso chato, levei a mão à alavanca de emergência do canopy, tendo o mesmo imediatamente sido ejetado pela força centrífuga. Com muito esforço, usando os dois braços para trazê-los à barriga e abrir o cinto de segurança, fui ejetado da cadeira pela mesma força centrífuga. Achei que seria pego pela empenagem, mas felizmente não o fui.

Como o meu corpo girava bastante, não puxei logo a argola de abertura do pára-quedas. Abri os braços, o P-47, em parafuso com o motor acelerado, passou diversas vezes por mim. Sorte não ter aberto logo o pára-quedas. Quando parei de girar e sentindo que o P-47 já estava mais longe, abri o pára-quedas, aproximadamente a 5.000 pés.

Fiz uma inspeção para ver os estragos que teria sofrido. Sangue ofuscando parte da visão, corte no pescoço e, à primeira vista, sem os pés, no que foi logo observado com satisfação que somente tinha perdido os sapatos.

Olho para baixo e vejo o P-47 ainda em parafuso atingir o solo, num laranjal em Sepetiba. Vejo a torre da Radiobrás bem abaixo de mim.

“Glisso” com o pára-quedas, ora para um lado, ora para o outro, para desviar da torre e do lodo da Baía de Sepetiba, até tocar o solo em um outro laranjal a uns 500 metros do local em que caiu o P-47.

A emoção foi tão grande de estar vivo que levou-me a beijar o chão. O ten. Barbosa, mais conhecido como “Boquinha”, grande amigo, no SAR (Servico de Busca e Salvamento) Santa Cruz, saiu em uma moto Indian para me achar. O terreno era difícil para moto, o que resultou em um desastroso tombo.

Quando chegamos à Base, disse-lhe: “eu salto de pára-quedas e você que se quebra, seu desastrado”. Abraços dos amigos da querida Base de Santra Cruz. Daí por diante passei a chamar o Thunderbolt de “Senhor”; havia perdido, por algum tempo, a intimidade com o P-47, aeronave que tenho orgulho de ter voado mais de 800 horas.

Cel.Av.Ref. João Luiz Moreira da Fonseca
Piloto de Caça – Turma de 1947

FONTE: APRA-PC – Associação Brasileira dos Pilotos de Caça

NOTA DO EDITOR: você pode ler dezenas de outras histórias como essa nos volumes da “ESTÓRIA INFORMAL DA AVIAÇÃO DE CAÇA”, vendidos pela ABRA-PC. Compre aqui.

O primeiro volume já está esgotado, restando os seguintes:

  • “ESTÓRIA INFORMAL DA AVIAÇÃO DE CAÇA
    – VOLUME No 2”
  • “ESTÓRIA INFORMAL DA AVIAÇÃO DE CAÇA
    – VOLUME No 3”
  • “ESTÓRIA INFORMAL DA AVIAÇÃO DE CAÇA – VOLUME No 4”  (O volume no 4 trata somente de textos relativos à formação de Pilotos de Caça no Brasil)
  • “CABO AREINHA de 1973 a 1978”
  • “UM VÔO NA HISTÓRIA – DEPOIMENTO DA VIDA DE NERO MOURA”

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Joker

Show!

Cláudio

É… o Caça virou touro bravo !!! kekekekeke

Essas são histórias de quem foi um dia a FAB.

Orion_paris

Hi all,

I’m really sorry for the off topic but according to Timesnow (India) Rafale and EF are the choice of IAF after technical evaluation:

http://www.timesnow.tv/New-fighters-for-Indian-Air-Force/videoshow/4351234.cms

“After exhaustive trials of six fighter jets, Indian Air Force (IAF) has made its choice clear to the Government on the kind of fighter jets needed. Frontrunners for the force are French fighter Dassault Rafale and the Eurofighter Typhoon built by the European consortium”

Also comments on livefist :

http://livefist.blogspot.com/

It seems quite serious, just wait and see.

MatheusTS

Show mesmo!!!
Que velocidade alcansou o P47??

Deivid

Muito bom!!!! me enteressei pelo livro!! pena que meu DIA-A-DIA esta tão corrido!

Darkman

Esse relato é demais !!! Impressionante !!!

Abs.

Raptor

Magnífico relato!

Parabéns ao autor.

Abs.

STEEL

Muito bom esse livro. Já vi a venda no Mercado Livre. Sds