O reequipamento da Força Aérea Brasileira
Opinião de um piloto de caça no ano 2000, mas que continua bem atual
Quando discutimos o reequipamento da Força Aérea a conversa flui por duas vertentes, e muitas vezes atenua as questões de fundo que envolvem esse tema, particularmente no que diz respeito ao vetor de superioridade aérea/defesa aérea.
Uma delas é a que diz que devemos desenvolver os nossos próprios aviões para aproveitar a capacidade tecnológica que já possuímos ou para desenvolvê-la mais ainda e darmos carga de trabalho à jovem indústria aeronáutica brasileira. Essa vertente é ainda carregada de um viés nacionalista e alega questões de soberania.
A outra, um pouco mais pragmática, é a que diz que não há mais tempo para desenvolvermos nada, pelo menos nesse momento, devido ao estado de obsolescência do nosso material aéreo. E, também, não acreditam que a nossa competência atual, na área tecnológica, seja capaz de materializar o atual estado da arte em matéria de vetor aéreo de alta performance.
As duas se baseiam em premissas semelhantes mas com leituras diferentes. Ambas acreditam que a compra pura e simples nos deixa na dependência das políticas dos países vendedores e a mercê de um mercado muito incerto.
A corrente que preconiza o desenvolvimento de projeto próprio de aeronaves de combate de alta performance, que podemos chamar de desenvolvimentista, acredita que as barreiras que serão impostas pelos países do G-7 liderados pelos Estados Unidos sejam grandes e permanentes, mas não são intransponíveis, ou incontornáveis.
E se jactam disso com a concretização do Veículo Lançador de Satélites (VLS). Mas não lembram que este projeto vem consumindo esforços há mais de vinte anos e está sendo lançado no final desse século já com tecnologia de domínio comum, longe de ser a última palavra das tecnologias que incorpora.
Mas também é de se reconhecer que poderá cumprir a função para a qual foi concebido. Entretanto, a capacidade da Força Aérea cumprir a sua função constitucional de defender a pátria não seria colocada em risco independentemente do seu sucesso ou não. O país, como um todo, certamente ganhou com a concretização desse empreendimento, mas a Força Aérea continuou com as mesmas demandas que tinha quando o primeiro traço foi dado na prancheta do projeto VLS. Podemos deduzir que conquistas no campo das ciências e tecnologias não andam, necessariamente, pari passu com as necessidades de defesa. Aquelas são estratégicas, de longo alcance, projetos de Estado, e essas são imediatas e permanentes.
Outro fato que conspira contra o desenvolvimento de um projeto próprio é a nova concepção de emprego do avião como plataforma de armas. A aeronave de combate, enquanto pilotada por um ser humano, parece que atingiu limites definitivos. Nada mais pode ser feito em sua perfomance que não ultrapasse os limites físicos e fisiológicos dos pilotos. As tecnologias que hoje podem ser incorporadas a qualquer plataforma em uso atualmente é que fazem a diferença.
Mudou-se o conceito de quantos aviões são necessários para destruir um determinado alvo para quantos um único avião é capaz de destruir. Quer dizer, a “roda” já está inventada. Como fazer o melhor uso dela é onde está o problema. É por isso que não existe embargo para a venda de praticamente qualquer tipo de aeronave no mundo, exceto as de tecnologia “stealth” que em termos de perfomance, não diferem das demais.
Outros aspectos que também merecem ser levados em conta são o da inserção internacional do país e a viabilidade econômica de um projeto de desenvolvimento militar autônomo. O Brasil vive um continente pacífico em termos de ameaças externas e o equilíbrio militar dessa região do mundo é desejado pelos países de cúpula mundial que farão de tudo para bloquear qualquer pretensão maior em termos militares. Este quadro, em verdade, pode estar servindo também de cortina para encobrir outro, que é o de manter o mercado latino-americano de armas reservado para as indústrias dessas potências mundiais.
Se esse bloqueio não for alcançado de maneira direta, certamente o será pela via econômica, ou por embargos específicos a produtos brasileiros de toda natureza (e isso não sabemos se o pais está em condições de suportar neste momento), ou impedindo que os produtos militares brasileiros encontrem colocação significativa em algum lugar do mundo. Mesmo que nada disso acontecesse, estaríamos competindo num mercado cada vez mais saturado e altamente competitivo, sem nenhuma vantagem comparativa. E o desenvolvimento de qualquer projeto, somente para as forças armadas brasileiras, seria extremamente caro.
A corrente pragmática preconiza a compra direta de tudo o que, necesitamos com duas alegações.
A primeira é a de que o desenvolvimento de uma plataforma moderna, se decidida hoje, manteria a Força Aérea por pelo menos uns cinco a dez anos sem renovar os seus aviões de combate, não considerando os imprevistos das fases de negociações políticas, obtenção de recursos e de implantação do projeto no acervo.
A segunda é a de que a energia que gastaríamos para “reinventar a roda” poderia para fazer aqui o que não nos vendem, isto é, que se compre o que nos vendem e que desenvolvamos o que não nos vendem. Aliás esse raciocínio acompanhou todo o desenvolvimento do VLS onde até a “roda” nos obrigaram a reinventar. Esta corrente também se refere ao passado recente e alega o medo de, novamente, ficarmos ancorados num projeto cujo prazo de conclusão não temos controle, e assistirmos mais uma vez a rarefação dos parcos recursos que poderiam estar sendo direcionados para a manutenção dos níveis de estoque de suprimento ou para a renovação/atualização de equipamentos.
Outro conflito, que tem assolado a questão do reequipamento, é a chamada crise da decisão. Há os que dizem que a Força Aérea nunca conseguiu comprar o que ela realmente precisa, que nenhum estudo sobre o assunto que tenha sido concluído pelo Estado-Maior foi concretizando vis-a-vis às necessidades estratégicas extraídas de uma concepção de emprego do Poder Aéreo, que sempre foram compradas aeronaves atreladas a uma disponibilidade orçamentária ou a um critério político, etc. E há os que dizem que muitas boas oportunidades foram perdidas pela lentidão das decisões ou a ausência delas.
Toda essa discussão acontece sem que se perceba que ela será interminável, pois a solução dessa questão está fora da Instituição, ou não lhe pertence. Por melhor que sejam os estudos elaborados para a escolha de um vetor e por maior que seja o consenso em torno desse, a compra sempre estará submissa à vontade do poder político e, enquanto este não considerar a defesa como um tema prioritário, os recursos financeiros que sobrarem de outras demandas nacionais é que serão carreados para a defesa. O que não é um fato surpreendente, porque as Forças Armadas são aquilo que a Nação pode ter. Os políticos não têm como concordar com a existência de um poder militar dissociado de outras realidades sociais do pais.
Talvez os militares tenham falhado nesse diálogo com o Poder Político. Talvez tenha-lhe faltado o poder de convencimento para dizer que é mais caro para a Nação a manutenção de uma sucata ineficiente, do que a compra de poucos mas modernos equipamentos. Talvez tenham caído na tentação de condicionar a existência da Força Armada aos equipamentos que deva possuir e não a uma consistente concepção estratégica de defesa.
Brigadeiro do Ar Delano Teixeira Menezes
Piloto de Caça – Turma 1975
FONTE: Site da ABRA-PC – Associação Brasileira de Pilotos de Caça / FOTO: Arquivo de Aparecido Camazano Alamino
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E vale a pena comprar material caro de manter?
Numa coisa eu concordo….. a discussão é interminável…. ao menos no que conserne à FAB. Falta ao poder político se convencer que o poder econômico só não basta. No entanto, a meu ver, o poder político brasileiro é formado por pessoas totalmente despreparadas, em todos os sentidos, pois o que se vê são pessoas eleitas para perpetuar seus próprios interesses ou de um grupo específico. Falta-nos muito…. mas muito mesmo….. para que se dê a devida importância ao setor de Defesa neste país. Mormente o que se vê, são meras compras de oportunidade, geralmente sucatas, salvo isto ou aquilo de… Read more »
Bela opinião essa, embasada, equilibrada… e atual. Podemos identificar praticamente todas essas correntes, em blogs, fóruns, revistas especializadas, etc. E isso foi escrito em 2000. Em 2000! 10 anos depois continua tudo igual. Impressionante.
Políticos. Um mal necessário. : P
[]’s
Caros amigos Excelente texto uma posição critica equilibrada ponderada e extremamente sensata do brigadeiro Delano um texto bem dentro da realidade atual na quase totalidade do seu bojo muito embora tenha sido transcrito de um original de 10 anos atras Só coloco uma divergencia quanto ao mesmo mas divergencia esta que na época era fato desconhecido do autor o ilustrissimo brigadeiro Delano e não tinha como ser diferente tal fato inclusive Caros amigos na época da confecção do texto o país não tinha meios para a realização plena de nenhuma das vertentes apresentadas Mas hoje temos essa caracteristica peculiar ou… Read more »
Voltamos de novo aos nossos queridinhos políticos.
Mas o problema não é só eles, está faltando determinação e coragem dos militares para lutar uma “guerra ” nos bastidores.
Deveriam todos eles ler Queime antes de Ler de autoria do ex-diretor da Cia Stansfield Turner.
Em resumo ele explica que com relação ao problema, não basta saber, tomar conhecimento, obter a informação e apresentar ” relatórios” , tem que ir lá nos caras e formar a opnião, impor-se.
Primeiro comentário que vejo de um militar, que tem coragem de admitir que a força que defende errou e erra, e não só os políticos…..
Eu vejo três causa simultâneas para a penúria das FA:
-Políticos que não ligam a mínima para a questão de defesa;
-Militares que não lutam por melhorias;
-O problema do pagamento de pensões às filhas dos militares (verdadeiro desperdício de dinheiro público).
Os políticos são a metade do problema. Quem usa o dinheiro é a FAB e não os políticos. Está na hora da FAB acordar para a vida e ver que não dá para sustentar um mar de gente com uma filosofia dos anos 50. Também precisam acordar para a vida e fazer um planejamento de compras de materiais mais realista. Numa força aérea com EC-725, Blakhawks e Mi-35 já dá para ver que o pessoal ainda está sonhando. Quando é que vão reagir? Precisam sair cama e colocar os pés no chão e agir.
Senhores, não sou intelectual, apesar de ter passado dos 45, sequer tenho o superior, ainda. Mas observem como nosso raciocínio é linear, num mundo exponencial. Passem uma tarde conversando com a alta cúpula militar brasileira e depois verifiquem o quanto de nada os senhores levarão para casa. De fato, não é difícil imaginar um piloto de caça, no Brasil, aproveitar o tempo de deslocamento até o teatro de operações para dar uma olhadinha no extrato bancário e meditar sobre suas despesas e seus sonhos. Como mudar isso, se o que enfiam na cabeça deles na academia tem, pelo menos, dez… Read more »
Meus amigos.
Sem dúvida um texto bem equilibrado. Porém uma citação, embora de 10 anos atrás, parece interessante.”Que se compre o que nos vendem e que desenvolvamos o que não nos vendem”.
O Estado de Israel, decidiu-se por essa política quando sofreu embargo de aquisição de material bélico por parte dos países do G-7.
Sds.
Mas Israel recebia dos EUA milhões e milhões todos os dias. Assim até a Bolívia seria referência. O Brasil ainda não tem uma economia para isso.
Luis, disse tudo!
Concluo que este ex-piloto de caça, de certa forma, critica a própria força! me parece sensato, embasado.
Infelizmente, assim que as coisas funcionam por aqui, tudo na discussão, com embasamento ou não, mas com pouca ou nenhuma conclusão !!!
Não sei se sou meio apressado ou se as coisas realmente andam a passos de tartaruga. Já li inúmeras veses sobre os programas de modernização das FFAAs e fico com a sensação de que pouca coisa anda acontecendo. É isso mesmo? Cadê o FX-2? Cadê os Escoltas? Cadê as fragatas? E os NAEs? E as modernizações dos meios aéreos tanto da FAB quanto da MB?
vou na linha do luis e do Charles T. na verdade a força ainda não aprendeu a “usar” a democracia. mas como se usa a democracia? esse sistema funciona como uma via de 2 sentidos, as empresas investem no financiamento de campanhas políticas.financiamento porque quando o candidato se torna um “legislador”,um político, ele recorre a essa mesma para implementar a sua governancia e as obras necessarias. podemos ver isso com clareza em alguns governos, como por exemplo o ultimo presidente dos EUA,George W bush, eleito pelas industrias bélicas,petroquimicas e empreiteiras. O vice era dick cheney, presidente da helliburton uma grande… Read more »
Mais do mesmo.
como tem gente pessimista ave,ate´esse piloto avante brasil.