Por que os Starfighter alemães caíam tanto?
Antes de mais nada esta afirmação não é 100% verdadeira como veremos a seguir. O F-104G enfrentou diversos problemas nos primeiros sete anos de sua carreira na Luftwaffe, mas os outros 20 foram tranquilos.
A Alemanha escolhe o F-104
A Alemanha Ocidental optou por uma versão modernizada do Lockheed F-104 Starfighter para equipar sua Força Aérea em 1958. O Starfighter substituiu os modelos F-84 Thunderjet e F-86 Sabre (aqueles que a FAB tanto queria).
Antes de optar pelo Starfighter a Alemanha também avaliou o Dassault Mirage III, o Sud Trident III, o Northrop N-156F, o Grumman F11F-1F, o Republic F105, o Convair F-102 e F-106, British Sauders-Roe SR.177 e o English Electric P-1B. Mas acabou optanto por uma versão bastante modificada do interceptador Mach 2 da USAF.
Ocorre que quando o mesmo entrou em operação no ano de 1964, sucessivos acidentes começaram a ocorrer. As taxas eram alarmantes. Até o fim de 1964 um total de 35 aviões haviam sido perdidos. Outros 25 foram perdidos no ano seguinte e até o final de 1966 a conta já somava quase 70 perdas. Mas o pior de tudo é que em mais da metade dos casos o piloto perdeu a vida.
O caso foi a público e os jornais mais sensacionalistas começaram a apelidar a aeronave de “caixão voador” e “fabricante de viúvas”. Mas por que o F-104G caía tanto?
Comparativos
Analisando a taxa de perdas somente no ano de 1965 temos uma relação de 87.7 acidentes para cada 100.000 horas de voo. Este número era o dobro dos valores encontrados para outros usuários europeus do mesmo avião. A compraração fica mais gritante quando estes mesmos números são colocados ao lado da taxa de atrito da USAF (32.6 acidentes para cada 100.000 horas de voo), que voava aeronaves semelhantes, porém mais simples.
Mesmo assim, o F-104 não era exatamente uma aeronave para principiantes e, comparado com taxas de atrito de outros aviões de sua época (F-4 Phantom II-18,3; F-106 Delta Dart-15,6; F-111-9,6) ele era uma aeronave que merecia cuidados especiais.
As investigações mais criteriosas começaram em 1966, perante uma pressão popular crescente e jornais ávidos por notícias ruins. O primeiro relatório do general Werner Panitzki, entregue ao Comitê de Defesa do Bundestag, apontou a necessidade de uma série de melhoras nas condições de treinamentos do pessoal técnico.
Naquela época os pilotos alemães tornavam-se pilotos de Starfighter com apenas 300 horas de voo em outros aviões a jato. Na Holanda e no Canadá, por exemplo, isto só ocorria após o piloto atingir 500 horas de voo em outros jatos.
Deve-se somar a isso o fato dos pilotos alemães terem sido treinados na Base Aérea de Luke, localizada no árido estado do Arizona, onde reinava Sol e céu azul. Já na Alemanha …
Um dia típico sobre o árido Arizona, onde os pilotos alemães aprendiam a voar o F-104. O clima na Europa era muito mais desfavorável, exigindo muito dos novos pilotos. Todos os F-104G estacionados na Base Aérea de Luke pertenciam à Alemanha, mas voavam com as cores da USAF (FOTO: US DoD)
Era preciso mais
As razões apontadas no relatório do general Panitzki não agradaram a opinião pública, que questionava a Luftwaffe por utilizar uma aeronave não totalmente desenvolvida e adquirirda em grande quantidade. A pressão forçou a passagem do general para a reserva.
Estudos mais detalhados mostraram posteriormente que os acidentes aconteciam tanto em função de erros humanos como de falhas de equipamentos (para todos os efeitos são os “humanos” que projetam e fabricam os equipamentos).
Além da melhora no treinamento e na experiência dos pilotos, a Luftwaffe teve que modificar alguns “procedimentos de solo”, onde as equipes manutenção também não tinham a experiência necessária.
Toda a sofisticação tecnológica que permitiu ao F-104G tornar-se um caça de emprego multiplo também cobrou seu preço. O sistema de navegação inercial LN-3 da Litton não era, exatamente, o equipamento mais adequado ao clima alemão. Por falta de infraestrutura, muitas aeronaves ficavam estacionadas fora dos hangares e sofriam muito com o rigor do inverno naquele país. Avaliações de pré-voo, feitas após uma noite muito fria, demonstraram que muitos sistemas eletrônicos (incluindo o INS) simplesmente não funcionavam.
Mas a culpa não era só do equipamento. A média de 15 horas de voo de F-104 por mês por piloto na Alemanha era considerada baixa e não permitia que o mesmo adquirisse experiência e confiança na aeronave e nos equipamentos. Isto refletiu-se no emprego do INS LN-3. Os relatórios da Luftwaffe demonstraram que existia uma taxa de desvio de 2,7 milhas náuticas a cada hora de voo. Para os pilotos norte-americanos esta taxa era de apenas 1,5 milha náutica.
O motores J79 (uma versão modificada do mesmo motor empregado nos jatos Phantom II) também receberam parte da culpa. Seu funcionamento errático foi causa determinante em vários acidentes.
Um ponto interessante desta questão toda foi a insistência da Lockheed por assentos ejetáveis de fabricação própria. A Luftwaffe sempre preferiu os assentos britânicos Martin-Baker. Não era apenas uma questão de preferência, mas sim de confiabilidade. Quando a Alemanha substituiu (‘retrofit’) os assentos originais dos F-84 e dos F-86 pelo modelo britânico, ela pôde comprovar a qualidade deste último. Mas a Lockheed recusou-os e o C-2 (fabricado pela própria Lockheed) entrou como parte do contrato inicial.
Os assentos da Martim-Baker, quando comparados ao C-2, respondiam de forma mais rápida, e isto era fundamental no caso do F-104G. Como a aeronave original havia sido extensivamente modificada, recebendo peso extra, a razão de descida aumentou muito e em caso de falha no motor em baixas altitudes tornava-se vital uma ejeção rápida. A substituição dos C-2 pelos GQ-7(A) só ocorreu a partir de 1967, e acabou por melhorar a espectativa de sobrevivência do piloto. A Itáila seguiu a mesma linha da Alemanha.
A volta ao normal
As mudanças foram implantadas gradualmente e os resultados positivos foram colhidos com o passar do tempo. A taxas de atrito foram diminuindo até chegarem a 11,7 em 1969. A Alemanha pagou um alto preço pelo aprendizado. No entanto, os outro usuários de F-104 beneficiaram-se das duras lições alemãs.
Independendemente disso, o estrago perante o público já havia sido feito. Os mesmos periódicos que massacravam o avião, não chegaram a publicar com o mesmo alarde a redução da taxa de atrito em 1980, que chegou a 10, a mais baixa de todos os usuários do F-104 na OTAN. Estes números mantiveram-se baixos pela maior parte da história operacional do F-104 na Alemanha.
O último dos Starfighter alemães voou em outubro de 1987, depois do modelo completar 27 anos em atividade. Dos 770 aviões recebidos pela Luftwaffe, 178 foram perdidos em acidentes. Nunca mais a reputação do avião foi recuperada.
NOTA DO EDITOR: foram utilizadas diversas publicações para reunir os dados mostrados acima.
Comentários poderão ser feitos diretamente no post em aberto com o título “Fabricante de viúvas?”
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