John Boyd, o piloto de caça que mudou a arte do combate aéreo
A foto acima mostra os dois caças que foram projetados segundo as ideias de um piloto chamado John Boyd. Não é à toa que o F-16 e o F-18 tornaram-se excelentes aviões de combate e ainda são considerados “benchmark” para outros projetos.
Durante os anos 1950, John Boyd era muito conhecido na aviação de caça nos EUA. Seu apelido era “Forty-Second Boyd” ou “Boyd Quarenta Segundos”, porque ele desafiava outros pilotos em combates aéreos de 40 segundos contra o seu Sabre F-100, oferecendo US$ 40 caso fosse derrotado.
Como instrutor da Fighter Weapons School (FWS), Boyd lutou contra pilotos da USAF, dos Marines e da US Navy e contra pilotos de outros países, que recebiam treinamento pelo Defense Assistance Pact. Mas nunca foi vencido.
Boyd começava os combates dando vantagem aos seus oponentes, que iniciavam em sua posição 6h. Começado o combate, Boyd conseguia “frear” seu F-100 no ar, aplicando a manobra que ele batizou de “flat-plating the bird”, obrigando o oponente a ultrapassá-lo (overshoot), finalizando o desafiante com uma rajada certeira e com “guns, guns, guns” no rádio. O mito do “Forty-Second Boyd” irritou por muito tempo os pilotos de caça.
Na Coreia
Boyd começou tarde na Guerra da Coreia, onde só conseguiu avariar um MiG-15 em combate. Mas ele era considerado o melhor no seu esquadrão e nos voos durante o conflito, aprendeu a razão da vantagem do F-86 sobre o MiG-15.
Os pilotos americanos dominaram os céus da Coreia: a “kill rate” nos últimos meses da guerra chegou a 14:1 a favor do F-86 e no final 792 MiGs foram abatidos, para 78 jatos F-86 Sabres. A tática dos pilotos americanos na Coreia era basicamente a do P-38 na Segunda Gerra, ou seja, eles mergulhavam sobre as formações de caças inimigas e evitavam entrar em “dogfight” com os MiG.
John Boyd posteriormente debruçou-se sobre a questão dos Sabre versus MiG-15, pois ficou perplexo pelo fato de que no papel o MiG-15 era superior ao F-86. Então qual a razão do F-86 ter sido tão superior na prática? Boyd reconheceu que o “canopy” em bolha do Sabre dava uma melhor consciência situacional (SA – Situation Awareness) aos pilotos americanos e os controles totalmente hidráulicos lhes permitiam uma transição de manobras ofensivas para defensivas mais rápida que os pilotos soviéticos.
Uma capacidade de observação melhor e uma agilidade maior foram as chaves para o sucesso dos pilotos de Sabre.
Estudo Ataque Aéreo
Durante os anos 1950 os pilotos de bombardeiro da Segunda Guerra Mundial estavam comandando a USAF e a Força não tinha espaço para pilotos de caça. A Força atingiu o status independente em 1947 e estava centrada no conceito de bombardeiro estratégico.
A defesa nacional americana era baseada na doutrina de Eisenhower de “retaliação maciça”, com aeronaves e bombas atômicas. A USAF recebeu a maior porção do orçamento do Pentágono em 1961 e o Comando Aéreo Estratégico chefiado pelo general Curtis LeMay recebeu a maior parte da verba da USAF.
A missão primária da aviação de caça naquela época era a interceptação de bombardeiros inimigos e o lançamento de armas nucleares táticas. Todo mundo no governo dos EUA acreditava que a próxima guerra seria nuclear.
Da Coreia, John Boyd foi transferido para a Base Aérea de Nellis, que era o lugar mais movimentado nessa época na USAF, apesar da preferência da Força por bombardeiros estratégicos.
A porção ar-ar do currículo do 3597th Flying Training Squadron não tinha quase nada. Não existia nem um manual de táticas e o treinamento era focado em tiro com canhão contra alvos rebocados por outras aeronaves.
Boyd foi aceito como aluno no curso de três meses da Fighter Weapons School. A FWS foi criada em 1949 em Nellis e foi predecessora da U.S. Navy Fighter Weapons School, mais conhecida como “Top Gun”. A escola da Marinha foi criada 20 anos depois, por causa dos resultados da Guerra do Vietnã.
Em fevereiro de 1956, na newsletter da Fighter Weapons School, Boyd publicou um dos seus mais raros escritos. o título era: “A Proposed Plan for Fighter Vs. Fighter Training”. Boyd escreveu sobre diferentes manobras táticas e como manter o nariz do avião sobre o alvo usando os pedais num “dogfight”.
O ponto mais importante que Boyd estava tentando mostrar era um novo modo de pensar o combate aéreo: os pilotos não deveriam se concentrar apenas no movimento, mas também nos efeitos da velocidade e nas contramedidas que o inimigo faria quando a manobra estivesse completa.
Em meados dos anos 1950, a Fighter Weapons School tinha três divisões: a mais prestigiada “Operações e Treinamento”, “Pesquisa e Desenvolvimento” e a menos desejada divisão “Acadêmica”. O comandante da FWS Vernon “Sprad” Spradling colocou Boyd como chefe da divisão Acadêmica, mas só depois que Boyd teve garantias de que poderia “afinar” a parte de tática do curriculum.
No final da década de 1950, Boyd escolheu ingressar no Air Force Institute of Technology (AFIT), um programa de bolsa de estudos da USAF. Ele pegou o curso de engenharia do Georgia Institute of Technology e decidiu escrever seu manual de tática antes de deixar a Fighter Weapons School.
No começo de 1960, Boyd terminou o estudo de 150 páginas chamado “Aerial Attack Study” que tornou-se o manual oficial de tática da USAF no mesmo ano. Clique aqui para baixar o manual original em PDF.
Boyd revolucionou as manobras básicas de combate aéreo compilando todas as manobras e contra-manobras num único manual. Somando-se às descrições técnicas das manobras, Boyd explicou o significado tático da manobra para os pilotos novatos.
Isso tudo aconteceu quando a aviação de caça na USAF era uma espécie de bebê do SAC (Strategic Air Command) e quando os generais achavam que o “dogfight” tinha acabado.
Em uma década, o “Aerial Attack Study” tornou-se o manual de forças aéreas do mundo todo. Ele mudou para sempre o modo como combate aéreo seria travado.
Estudo Energia-Manobrabilidade
Boyd tinha 34 anos de idade quando começou seus estudos no Georgia Institute of Technology no outono de 1960. No ano seguinte John F. Kennedy tornou-se o presidente dos EUA e Robert McNamara o secretário da Defesa, que ativou os planos para a fabricação de um novo caça tático para a US Navy e para a Força Aérea e o general Curtis LeMay tornou-se o Air Force Chief of Staff.
O SAC tomou conta da USAF, ferindo a aviação de caça, mas isto serviu como fundamento para uma das maiores realizações de Boyd.
John Boyd estudou engenharia mecânica, que incluía termodinâmica, o estudo da energia. A segunda leia da termodinâmica (a lei da entropia) é especialmente interessante pois postula que num sistema fechado a desordem aumenta.
No inverno de 1962, Boyd numa conversa com um colega de classe Charles E. Cooper sobre as leis da termodinâmica sobre conservação e dissipação de energia, imaginou que elas poderiam ser aplicadas às táticas dos caças.
Para Boyd, não era mais a velocidade nem a potência o que habilitava um piloto a manobrar melhor que o adversário. Era o nível de energia!
Se Boyd pudesse analisar o “dogfight” em termos de energia, ele poderia desenvolver equações para a performance de um caça
Kennedy e McNamara
Quando Boyd graduou-se no Georgia Institute of Technology foi transferido para a Base Aérea de Eglin, que era o lugar onde a USAF testava suas novas armas.
O presidente John F. Kennedy chegou à conclusão de que a doutrina de “retaliação maciça” aumentava a possibilidade de uma guerra convencional. Por isso ele decidiu que a América necessitava de uma abordagem mais balanceada para a guerra. Substituiu a doutrina de “retaliação maciça” pela “resposta flexível” e colocou a administração Kennedy em rota de colisão com os “generais bombardeiros” liderados por LeMay.
O secretário da Defesa Robert McNamara cancelou o programa do F-105 e obrigou a USAF a comprar o F-4 Phantom que tinha sido desenvolvido para a US Navy. A USAF então acabou ativando seu programa para um novo caça denominado F-X.
Boyd tinha sido promovido a major e durante seu tempo livre desenvolveu a teoria da energia, que agora ele chamava de “theory of excess power”. As pessoas começaram a chamá-lo de “Mad Major” e alguns achavam que ele não batia muito bem da cabeça.
Em Eglin, Boyd conheceu Tom Christie, cujo trabalho era livrar a USAF totalmente do Exército, pois a Força Aérea ainda usava as tabelas de bombardeiro do US Army. A tarefa de Christie era desenvolver novas tabelas.
Tom Christie compreendeu as ideias de Boyd com relação à energia cinética e energia potencial. O objetivo de Boyd era transformar o envelope de performance de um caça num gráfico. O que impressionou Christie foi o entusiasmo de Boyd, que encarava sua ideia como uma missão que ele tinha que realizar.
Boyd mudou o nome de sua teoria para “Energy-Maneuverability” (Energia- Manobrabilidade). Ele começou o estudo com duas curvas de perseguição: quantos Gs seriam necessários para corrigir um ângulo de tiro e quanto a performance da aeronave seria degradada com isso?
Boyd precisava de um bocado de horas de computador para provar sua tese, mas ele era apenas um major e não poderia ter acessos aos computadores de Eglin. Foi aí que Tom Christie entrou para ajudar.
Eles desenvolveram as equações de Boyd usando o pequeno computador Wang de Christie e depois usaram um mainframe IBM 704 de Englin com os códigos de Christie, para usar o tempo valioso do computador de grande porte. Na verdade eles roubaram tempo de computação da USAF, pois o projeto de Teoria E-M não tinha um código de autorização oficial.
O núcleo da teoria E-M de Boyd era a razão potência e arrasto. Boyd queria saber quão rápido um piloto poderia ganhar energia quando ele empurrava a manete de um avião para potência máxima. Boyd queria normalizar a informação para que cada aeronave pudesse ser comparada, não importando seu peso.
Isto porque Boyd não queria comparar a energia total, mas sim a energia específica, que é a energia total dividida pelo peso. A mudança no nível de energia poderia ser estudada na base da diferença entre a potência disponível dos motores e o arrasto da aeronave.
A equação simples de Boyd para a energia específica em excesso (Ps) é potência (T) menos o arrasto (D) sobre o peso (W), multiplicado pela velocidade (V). Este é o cerne da teoria E-M que mudou o design e as táticas dos caças para sempre:
O secretário da Defesa McNamara decidiu comprar o caça F-111 tanto para a USAF como para a US Navy. Esta aeronave era um mamute de 38,5 toneladas de peso e que usava tecnologia de geometria variável para aumentar e diminuir o enflechamento das asas em voo.
Em 1962, Boyd encontrou-se com o engenheiro da General Dynamics responsável pelo F-111, Harry Hillaker. Boyd reclamou com Hillaker que o F-111 tinha pouca potência e que o mecanismo de geometria variável era muito complicado para ser usado em voo e ainda era sujeito à rachaduras e fadiga.
Boyd já tinha feito alguns cálculos E-M do F-111 e sabia que a USAF estava prestes a cometer um erro, se adquirisse o F-111.
Boyd e Hillaker concordaram que eles iriam desenvolver um caça menor e mais manobrável. Observar no gráfico abaixo, que o F-16 supera em taxa de curva (graus/seg) o F-4 e o MiG-21 em todas as velocidades, à 11.000m de altitude. Isso foi conseguido graças à teoria de Boyd.
Continua em próximo post.