Malvinas 35 anos: por que as bombas não explodiram? (PARTE 1)
por Guilherme Poggio
Há 35 anos argentinos e britânicos se enfrentaram na gélidas águas do Atlântico Sul para disputar a posse das ilhas Malvinas (Falklands, como se referem os britânicos). Foi durante esse conflito que a Força Aérea Argentina (FAA – Fuerza Aérea Argentina) entrou pela primeira vez em combate contra um inimigo externo. O batismo de fogo ocorreu no dia 1º de maio de 1982. O texto a seguir resgata a história daquela que foi a missão mais importante da FAA: atacar e destruir os navios da Força-Tarefa britânica. Pega de surpresa, a FAA cumpriu as missões a ela delegadas, mesmo sem possuir o devido treinamento, sem os vetores adequados e sem os armamentos próprios para a missão. Esta é uma história de superação, rápida adaptação e engenhosidade. No final, os resultados foram muito além do que se esperava inicialmente. Porém, não foram suficientes para mudar o rumo da guerra.
Introdução
No início de junho de 1944 os Aliados apressavam-se para desencadear a Operação Overlord, o desembarque anfíbio na Normandia, que prometia mudar o rumo da história da Segunda Guerra Mundial. Ao largo da costa da Baía de Lyme, no Canal da Mancha, o HMS Boadicea (H65) um veterano contratorpedeiro da classe B lançado ao mar em 1930, escoltava um comboio de navios mercantes. No dia 13 de junho o comboio foi vítima da aviação alemã. Dois torpedos lançados por Bombardeiros Junkers Ju-88 acertaram o Boadicea. Com a explosão do paiol de munição o navio britânico rapidamente afundou.
O Boadicea foi o último navio da Royal Navy perdido para ação aérea inimiga naquele conflito. Porém, considerando o emprego de artefatos de queda livre (“bombas burras”), a última perda britânica para a aviação inimiga foi o HMS Panther, um contratorpedeiro da classe P. O navio foi atingido por bombas lançadas por bombardeiros de mergulho alemães Junkers Ju 87 “Stuka” durante a campanha do Dodecaneso, no Mar Egeu, em nove de outubro de 1943.
Deste então a guerra aeronaval passou por mudanças profundas. Quarenta anos depois o emprego de aviões para o lançamento de bombas de queda livre contra escoltas dotadas de sistema de vigilância aérea e mísseis guiados já não era mais considerado uma opção de ataque aeronaval, caso não saturasse o sistema de defesa do navio a ser atacado. Em 1982 os argentinos mostraram que velhas armas e novas táticas podiam ser conjugadas para surpreender a Royal Navy. E ela voltaria a perder navios de guerra para artefatos de queda livre.
Surpreendidos
Todo o planejamento da ação militar para a retomada das ilhas Malvinas foi feito de forma sigilosa pelo alto comando da Marinha Argentina, tendo como idealizador o almirante Anaya, comandante daquela força. Em fins de 1981 o governo militar argentino considerou a possibilidade de retomar as ilhas Malvinas através de uma solução militar caso as negociações diplomáticas fracassassem. Essa opção foi discutida com o presidente Leopoldo Galtieri.
Ocorre que nesta mesma época o Comando Aéreo Estratégico (CAE) da Força Aérea Argentina (FAA) havia concluído a atualização do planejamento estratégico da Força. Tal planejamento não contemplava uma ação bélica contra os britânicos para a retomada das ilhas Falklands/Malvinas. O comandante da Força Aérea Argentina, brigadeiro Basilio Lami Dozo, foi o último dos três comandantes a tomar conhecimento da existência do plano militar, sendo informado do plano dois dias antes do final do ano de 1981.
Jamais passou pela cabeça dos estrategistas da Força Aérea Argentina envolverem-se num conflito com o Reino Unido tendo como palco a disputa das ilhas Falklands/Malvinas. E havia duas razões fortes para isso, sendo uma de caráter legal e outra de caráter geopolítico.
Do ponto de vista legal a Resolução 1/69, emitida pelo chefe do Estado-Maior conjunto das Forças Armadas argentinas, aparou algumas arestas entre as três forças e definiu melhor as atribuições de cada uma delas. Com base nessa resolução, no final daquele ano de 1969 foi promulgada a Lei nº 18.416, que determinava as competências específicas de cada Força.
Desta maneira a Marinha tinha atribuição específica sobre o mar jurisdicional argentino e sobre a costa do país. Para isto caberia a ela obter todo e qualquer meio, incluindo meios aeronavais embarcados ou não. Em relação às operações navais a FAA deveria executar somente o apoio indireto sem que para isso tivesse que obter meios específicos se não aqueles mesmos empregados em ações aeroterrestres.
Sendo assim, a FAA encontrava-se, em abril de 1982, sem os meios e sem as doutrinas necessárias para desenvolver a guerra aeronaval. Nenhum dos pilotos da FAA havia lançado ao menos um simples artefato sobre o mar. A maioria deles quando o fez pela primeira vez, o fez em combate.
Em relação à questão geopolítica a FAA estava moldada para enfrentar um inimigo continental no Cone Sul. Seus meios, suas táticas e seus adestramentos estavam todos voltados para um eventual conflito fronteiriço, em especial com o Chile, onde em 1978 ambos os países quase entraram em combate. Até mesmo os aeródromos de desdobramento argentinos haviam sido definidos com base numa hipotética batalha contra o vizinho andino.