‘Ataque’ ao STF: a opinião de quem ‘não’ estava lá
Especialistas não entram em consenso sobre a conduta do piloto do caça, mas concordam que ele foi imprudente ao usar velocidade excessiva em uma área urbana
Ana Pompeu e Rosana Hessel
O avião que provocou a quebra das vidraças da fachada do Supremo Tribunal Federal (STF) e assustou as pessoas que assistiam à cerimônia de troca da bandeira nacional é um caça Mirage F 2000 da Força Aérea Brasileira (FAB). Ele já participou de outras solenidades do tipo na Praça dos Três Poderes, mas essa foi a primeira vez que causou tamanho estrago. A Aeronáutica ainda não apresentou uma explicação para o que aconteceu e afirmou que deve apurar os detalhes a partir de hoje. A sensação dos presentes era de que a aeronave teria passado baixo demais e que isso teria ocasionado o problema.
Entre os especialistas ouvidos pelo Correio, não há consenso se o caça teria ultrapassado a barreira do som. Mas tanto físicos quanto aviadores concordam que, se o piloto o tiver feito, houve imprudência. A influência da altitude em que a aeronave estava ao sobrevoar a Praça dos Três Poderes no acidente também é um ponto de discordância. Ninguém sabe precisar a velocidade atingida pelo piloto, mas não há dúvidas, entre os técnicos, de que ele alcançou uma velocidade arriscada, já que estava entre edificações e em um local de aglomeração de pessoas.
Coordenador de física de um colégio de Brasília, Marcus Vinícius Almeida explica que uma onda de choque é criada a partir de qualquer movimento, como uma corrida. O problema teria sido a altura com que o caça passou, não dando espaço suficiente para que a energia gerada perdesse força e chegasse ao STF sem causar estragos. “Quanto mais rápido o corpo estiver, mais forte essa onda fica. Em função da distância que estava do prédio, ele criou uma força capaz de quebrar os vidros. Provavelmente, o piloto sabia do risco de ultrapassar a barreira do som e devia estar em uma velocidade menor, mas não o suficiente para a energia se dissipar”, detalhou o professor. Segundo ele, um fenômeno desses pode afetar o tímpano das pessoas ou provocar uma taquicardia (aceleração dos batimentos cardíacos), dependendo da força que tiver.
Os pilotos dos Mirage 2000 que destruíram os vidros do STF deverão sofrer uma reprimenda daquelas. Essa é a aposta do especialista em aviação Ernesto Klotzel. Na avaliação do engenheiro aeronáutico, pelo estrago feito na Praça dos Três Poderes, é bem provável que as aeronaves tenham atingido a velocidade do som (que é medida em Mach). Como ela varia de acordo com a temperatura ambiente e a altitude (podendo ser atingida entre 1.171 mil km/h e 2.245 km/h), quanto mais baixo o avião voar, maior será a velocidade necessária para que a barreira do som seja rompida.
“Um avião supersônico (que tem velocidade superior à do som), seja comercial ou militar, não pode atingir a barreira do som sobre o continente, em qualquer altitude, devido ao distúrbio que provoca com o deslocamento do ar, além do barulho. Ele pode destelhar uma casa com facilidade. Isso é proibido em qualquer lugar do mundo. Essas aeronaves só podem romper a velocidade do som acima do nível do mar”, comentou Klotzel, lembrando que essa regra é válida há décadas, antes mesmo de o jato Concorde — único supersônico comercial existente até hoje — deixar de operar em 2003. Para o especialista, faltou prudência dos pilotos dos jatos que romperam o silêncio de uma manhã tranquila em Brasília. “O medidor de Mach está bem em frente aos pilotos, no painel, e, portanto, eles deveriam ter sido mais prudentes no caso de realmente ter extrapolado a velocidade permitida”, comentou.
Já o comandante Adair Geraldo Ribeiro, diretor do curso de aviação civil das Faculdades Icesp, afirma que o que aconteceu ontem se deu pela própria característica do avião. “O Mirage pode voar até 2,2 vezes a velocidade do som. Ali, ele não ultrapassou essa barreira, mas, por ter passado baixo, a onda de choque provocou os estouros”, ponderou. “Ele estava em uma altura segura e não colocou ninguém em risco. Isso eu digo com segurança. Esses pilotos são bem treinados. Mas como passou um pouco mais baixo, teve o deslocamento da passagem de ar.”
Físico
O professor de física da Universidade de Brasília (UnB) Paulo Brito também aposta no conhecimento do piloto para fazer a sua avaliação. “Acredito que seria muito complicado um piloto ser imprudente a esse ponto de romper a barreira do som perto de prédios. Isso não se faz. Passar em alta velocidade é só em grandes altitudes ou locais desabitados”, disse. Inicialmente, Brito imaginou que uma diferença de pressão entre o ar em torno do avião e a área interna do prédio teria ocasionado o estilhaçamento das vidraças do Supremo. “É difícil dizer sem saber detalhes da situação, mas é preciso ultrapassar a barreira do som para que a onda de choque provoque esse acúmulo de energia a ponto de quebrar vidraças dessa forma”, completou.
“Ali, ele não ultrapassou essa barreira, mas, por ter passado baixo, a onda de choque provocou os estouros”
Adair Ribeiro, diretor de um curso de aviação civil
“é preciso ultrapassar a barreira do som para que a onda de choque provoque esse acúmulo de energia a ponto de quebrar vidraças dessa forma”
Paulo Brito, professor de física da UnB
FONTE: Correio Braziliense, via Notimp
NOTA DO EDITOR: demonstração de Força é uma técnica largamente empregada pela coalizão como ato de deterrência quando uma aeronave é empregada para pegar o inimigo de surpresa através do voo baixo e rápido exatamente sobre as suas cabeças, normalmente com pós-combustor. (*)
(*) Definição empregada pela OTAN no Afeganistão