Simuladores: Poder Aéreo ‘voa’ Super Hornet ‘na ponta dos dedos’ – parte 1

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Experimentamos o simulador do Super Hornet e as novas capacidades que a tela única, sensível ao toque, deverá oferecer para o caça norte-americano produzido pela Boeing – um dos concorrentes ao programa F-X2 da FAB

 

Onze e meia da manhã de sexta-feira, 20 de abril de 2012. Passando pelo meio de uma multidão de estudantes de engenharia que se inscreviam num evento de iniciação científica da Escola Politécnica da USP (Universidade de São Paulo), chego ao fundo de um galpão, após atravessar por um labirinto de divisórias e bâneres dos diversos programas de estudo. É lá que está o simulador de voo do F/A-18 Super Hornet, trazido pela Boeing para exposição à comunidade acadêmica da maior universidade do Brasil.

Bem ao lado, está a visão mais familiar de pessoas engravatadas que se costuma encontrar em eventos corporativos,  próximos à presidente da Boeing no Brasil, Donna Hrinak. Autoridades da Universidade, um ou outro jornalista e alguns estudantes cercam a executiva, todos espremidos num canto do galpão. Cheguei meia hora atrasado, e naquelas condições a conversa que planejava ter com Hrinak seria mais disputada e desconfortável do que eu previa, e certamente menos longa e abrangente. A assessora de imprensa, que gentilmente me guiou da entrada do galpão até o simulador, pergunta: quer voar? Penso durante um segundo, enquanto rememoro os eventos das duas horas anteriores.

 

 

Ainda eram nove e meia da manhã quando liguei tardiamente o computador, naquela sexta-feira. A última checagem de e-mails tinha sido na noite anterior, às 19h, quando também desliguei o celular para comparecer a um evento com  espetáculos de música e dança turca – ótimo show, mas que, junto com a leitura de madrugada de textos de meu curso de pós-graduação, me fizeram acordar mais tarde que o normal, naquela sexta-feira. Ou seja, a mensagem mandada às 19h30 pela assessoria de imprensa da Boeing, convidando para um evento na Escola Politécnica da USP às 11h da manhã do dia seguinte, só foi vista em meio aos últimos goles de café daquela manhã, enquanto também ligava o celular. Começou então a correria para preparar câmera fotográfica, carregar baterias, materiais diversos, atravessar a cidade e tentar chegar a tempo.

No caminho, em meio ao trânsito pesado, já anotava uma série de perguntas a Hrinak, pensando nas dúvidas mais frequentes de leitores do Poder Aéreo sobre a proposta do Super Hornet da Boeing para o programa F-X2, a aproximação da empresa (que recentemente anunciou a implantação de um centro de pesquisas no Brasil) com a comunidade acadêmica, entre outras.

Estava com essas questões frescas na mente quando finalmente cheguei ao galpão e a assessora, às 11h30, me perguntou se queria voar. Apontava para o simulador vazio, logo à esquerda, cuja grande tela do posto dianteiro parecia dizer “me toque”. À minha direita, a aglomeração de pessoas em volta de Hrinak. A abertura do simulador para os estudantes e público da USP seria só às 14h, e todas as atenções naquele momento ainda estavam com a presidente da Boeing no País (e ex-embaixadora dos EUA no Brasil entre 2002 e 2004), já quase de saída, assim como os diretores de departamentos da Universidade e demais executivos da Boeing.

Pensei comigo mesmo: o simulador só está aqui hoje e, para não ter que “furar” filas que estressam e apressam seus operadores, a oportunidade é só nesta manhã. Já a presença de Donna Hrinak no Brasil se configura como uma relação de longo prazo, segundo a própria executiva. Não precisei de mais de um segundo para decidir. As perguntas a Hrinak ficaram para uma outra ocasião, ainda a ser marcada, e o simulador foi só “meu” por mais de meia hora.

Fui apresentado ao executivo responsável, na Boeing, pelo desenvolvimento de negócios internacionais de programas de armas, Rob Figge, que deixou o simulador à minha inteira disposição e me levou a John Keeven, gerente de programas navais de simuladores de voo da empresa. Antes de me ajudar a subir no assento, já esperava que John me perguntasse sobre minha experiência de voo, para logo receber a resposta de que a maior parte se resume a muitas e muitas horas de combates simulados “voando” caças da Segunda Guerra Mundial.

Não me surpreendeu sua réplica de que esta seria uma experiência de “perder velhos hábitos”, mas em troca eu o surpreendi dizendo que o que menos me interessava, naquele momento, era fazer acrobacias com o Super Hornet. Já bem instalado na cabine espaçosa, disse que meu maior interesse era entender os recursos do imenso display, que tomava conta de quase todo o painel  à minha frente. Um sorriso do tamanho da grande tela se abriu no rosto do engenheiro, que tem justamente aquele sistema como um de seus objetos de trabalho.

“Fico extremamente feliz em saber isso”, disse John. Manteve o voo da aeronave em pausa e começou a me dar uma verdadeira aula das funções do sistema LAD (large area display – tela de grande área). Começamos pelos ajustes do HUD (Head Up Display – visor ao nível dos olhos), que no simulador é projetado na grande tela semicircular (180º) onde também é mostrado o “ambiente externo” do voo. Mas a projeção, para quem está sentado no assento, simula perfeitamente a transparência de um HUD posicionado à frente.

Como pode ser visto na foto acima, o ajuste das funções do HUD é feito na própria tela, dispensando o tradicional UFCP (Up Front Control Panel – painel de controle frontal), um console repleto de botões e bem proeminente, logo abaixo do HUD, e que ocupa um espaço considerável nos painéis digitais “convencionais”.  O UFCP é mostrado de forma “virtual”e somente quando necessário, e o ajuste é feito tocando nos “botões” virtuais (delineados em verde e com fundo preto na foto acima) tocando a tela com os dedos (touchscreen). Assim, o display de grande área pode ocupar todo o espaço do painel, e o HUD fica colocado de forma praticamente contínua, imediatamente acima, sem ter o UFCP ocupando o valioso espaço intermediário.

No alto do display, uma série de  “botões” virtuais retangulares dá acesso às mudanças nas telas virtuais menores que podem ser mostradas. Na foto acima, bem no centro, podemos ver um desses “botões” com a sigla “UFC”, indicando o acionamento do controle do HUD. A marca comercial “HP” da tela grande, gravada na moldura logo acima, obviamente chamou minha atenção, ao que John aproveitou para dizer se tratar de um monitor provisório, apenas para efeito de demonstração. A versão final está sendo desenvolvida e terá, em sua “moldura”, toda aquela série de botões reais (físicos) de controle das funções que normalmente se vê em telas menores. No caso, servirão como “backup” para uma eventual falha na capacidade “touchscreen”. A esse respeito, uma das vantagens da tela única, substituindo várias menores, é a ampliação do espaço útil total,  dado que cada tela menor no sistema “convencional” tem sua própria moldura coberta de botões de acionamento, sem falar no UFCP. Agora, a moldura é uma só, onde serão instalados todos os botões de acionamento de backup necessários.

Falando em “backup”, a imagem acima (ampliação de uma foto tirada do lado de fora da cabine), mostra onde será instalada a instrumentação de reserva para o caso de uma falha total da tela e de seus sistemas. Trata-se do console onde se vê um pequeno display azul, visto na foto entre o manche e a logomarca do Poder Aéreo. Esse console reunirá os mostradores que permitem uma capacidade “bring back” (voo de volta à base) no caso de uma falha do tipo. Respondendo a uma pergunta minha, John disse que o sistema que trará os dados dos sensores para o pequeno conjunto de mostradores, por segurança, será totalmente independente do sistema da tela única.

Pergunto também quando deverá voar um Super Hornet equipado com a tela definitiva. A resposta é: no ano que vem.

Embora não possa ainda precisar se será mais para meados ou o final do ano, John disse que esse sistema está entre as maiores prioridades de novos desenvolvimentos do chamado “international roadmap” (plano de incorporação de melhorias na aeronave) do Super Hornet. Ele divide o topo dessa hierarquia com uma nova versão, mais potente, dos motores GE F-414 e o casulo externo (pod) furtivo de instalação de armas. John não estava autorizado a dizer de forma mais detalhada qual dessas três novidades ficava em primeiro, segundo e terceiro lugares. Mas podemos supor que a nova tela, seus sistemas e softwares, até mesmo pelo prazo indicado dos testes em voo, deve ser a primeira ou a segunda das prioridades.

A foto acima mostra um padrão rotineiro de divisão das “subtelas” virtuais no espaço oferecido pelo grande display. Clicando na imagem para ampliar, vê-se nos “botões virtuais” do alto, em verde, as siglas dos sistemas mostrados (vale lembrar que todas as fotos desta matéria podem ser clicadas para ampliar).

Podemos ver ao centro um grande mapa em 2D mostrando a situação tática geral, no padrão hoje em voga – na matéria de amanhã, vamos mostrar mais detalhes desse mesmo mapa na versão 3D. No alto, à direita, um exemplo de imagem do terreno gerada pelo radar no modo SAR (Synthetic Aperture Radar – radar de abertura sintética) enquanto, no canto superior esquerdo e inferior direito, mostram-se duas vistas (no plano horizontal e vertical) dos alvos aéreos que estão sendo acompanhados. No canto inferior esquerdo, pode-se ver uma imagem gerada pelo sensor infravermelho (FLIR) carregado em um casulo (pod) externo.

Falando em cargas externas, o caça estava bem “recheado” delas. Um clique na tela mudou a imagem superior esquerda para mostrar o que o caça simulado carregava, como pode ser visto na foto abaixo.

Contei nada menos que seis mísseis BVR (além do alcance visual) AMRAAM em pilones sob as asas (com lançadores simples nos externos e duplos nos intermediários), dois mísseis WVR (dentro do alcance visual) AIM9L Sidewinder nos trilhos das pontas das asas, quatro bombas Mk83 nos cabides internos duplos sob as asas, além de designador laser / FLIR na estação esquerda da fuselagem e um NFLIR (de navegação) na direita. Se não me engano, também é mostrada a presença de um tanque central externo de 400 galões (embora o número 400 também possa indicar a quantidade de munição de 20mm do canhão do caça, indicado pelo aparecimento do termo “gun” nessa subtela, quando se aciona o sistema de combate). Não é à toa que, naquele momento em que saímos da “pausa” da simulação e comecei efetivamente a “voar” o caça, senti que ele estava um pouco lento nas acelerações e manobras.

Mas as impressões desse “voo” ficam para a segunda parte desta matéria  que publicaremos amanhã, junto com muitos detalhes da operação da tela única do Super Hornet, seu desenvolvimento e suas possibilidades. Não perca!

(clique aqui para acessar a segunda parte)

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