Rafale: MD indiano diz que negociação conjunta com Brasil é impossível

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Segundo reportagem do site ‘Aviation Week’, seria impossível envolver o Brasil nas negociações indianas, que também poderão ser bem mais longas que o esperado – já segundo o jornal indiano ‘Financial Express’, essas negociações também prometem ser difíceis – a pergunda do Poder Aéreo é: com os possíveis atrasos, haveria chances de outro país que não a Índia ser o primeiro a assinar, de fato, uma encomenda do caça?

 

Matéria publicada no site Aviation Week na sexta-feira, 13 de abril, diz que as negociações do contrato do Rafale da Dassault na Índia prometem ser mais longas que o esperado. E também diz que especulações sobre uma possível negociação conjunta da Índia com o Brasil, relacionada ao Rafale, seriam infundadas.

Vamos começar pela questão das negociações indianas: segundo o Aviation Week, elas estariam praticamente paradas desde fevereiro, levando até a uma piada relativa às peculiaridades do sistema indiano de aquisição: “a única coisa pior do que perder seria ganhar”. E para a Dassault, segundo o site, parece que a realidade não está muito longe disso.

A reportagem diz que, desde o anúncio do Rafale como oferta de menor valor no programa MMRCA (avião de combate multitarefa de porte médio), que visa a aquisição de 126 caças, houve muito mais declarações do que ações. Foi em 31 de janeiro deste ano que o caça francês foi selecionado pelos indianos para negociações, em detrimento do Typhoon do consórcio Eurofighter. Mas as conversações estariam paradas desde o fim de fevereiro, devido a inquéritos que investivam alegações de manipulação do processo.

Após semanas de incertezas, o Ministro da Defesa do país, A.K. Antony, revelou na semana passada que o programa só iria avançar após todas as investigações terminarem e o ministério se mostrar satisfeito de que o processo de seleção foi idôneo.

Segundo o ministro A.K. Antony, “há pelo menos sete a oito níveis de investigação e processos a mais antes do contrato MMRCA ser assinado. (…) No momento, um inquérito está em andamento. Apenas após recebermos o relatório do inquérito, estudá-lo e ficarmos satisfeitos em relação a todos os processos terem sido seguidos infalivelmente, então o esforço de aquisição seguirá para o próximo nível.” (nota do editor: essas novas revelações do MD indiano contrastam com outras que diziam que as conversações continuavam, em paralelo com as investigações – o que teria que aguardar o final da investigação era a entrega do processo para o Ministério das Finanças. Já a matéria da Aviation Week parece trazer um fato novo, de que o processo estaria parado dentro do próprio Ministério da Defesa, o que pode ser comprovado ou não por mais declarações do ministro).

O inquérito está sendo realizado devido a uma carta recebida pelo ministro, menos de um mês após a escolha do Rafale, pelo parlamentar  M. V. Mysura Reddy do comittê de defesa, solicitando uma investigação no processo de seleção.

Inicialmente, autoridades indicaram que a questão do favorecimento ao Rafale apenas resultaria numa resposta sumária para satisfazer as preocupações do legislador, mas talvez o processo caminhe para algo mais extenso. Formalmente, as negociações entre a Dassault e o Governo Indiano já começaram, mas, segundo a reportagem, os negociadores dos dois lados não teriam se encontrado nenhuma vez sequer devido à investigação relacionada ao pedido do parlamentar, de acordo com autoridades próximas aos procedimentos.

Segundo uma fonte da Dassault, a empresa está esperando para ver se pode ajudar com informações: “Trabalhamos com a Força Aérea e a Defesa Indiana por anos, e estamos confiantes de que entregamos todas as informações necessárias, e estamos totalmente complacentes com o processo de seleção. O Rafale foi selecionado porque é o melhor avião, apoiado pelo melhor pacote industrial.” Só que, segundo a matéria da Aviation Week, os atrasos estão começando a preocupar o cliente, especialmente o comandante da Força Aérea Indiana, o marechal do ar Norman Browne.

Sobre as especulações de uma negociação conjunta com o Brasil

O Governo Indiano extinguiu as especulações de que a Índia e o Brasil, em conjunto, iriam negociar com a Dassault um preço melhor em comum para o Rafale. Segundo o ministro da Defesa Antony, “isso é impossível e não pode acontecer nunca.” O Brasil deve fazer uma escolha entre três concorrentes ao seu programa F-X2, o Rafale da francesa Dassault, o F/A-18E/F da norte-americana Boeing e o Gripen da sueca Saab.  Logo após a seleção do Rafale pela Índia, uma visita ao país do ministro da Defesa do Brasil, Celso Amorim, levantou especulações de que uma parceria estava em curso, mas isso foi desmentido como uma mera coincidência.

A empresa mais ansiosa para ver as negociações do MMRCA saírem dos trilhos é o consórcio Eurofighter, que na reta final perdeu a disputa para a francesa Dassault (nota do editor: vale lembrar que a reportagem da Aviation Week tem a colaboração de um articulista em Londres, Robert Wall, e a proposta do Typhoon é apoiada fortemente pelo Governo Britânico). Uma autoridade do consórcio disse durante a recente feira de defesa indiana Defexpo: “Como L2 (o ofertante da segunda oferta de menor valor), nós levamos a sério a nossa responsabilidade. Há uma grande preocupação de que a Força Aérea Indiana não deveria sofrer de nenhuma forma devido a atrasos. Eles precisam de suas aeronaves o quanto antes.”

Mas nem tudo está parado, segundo a reportagem: a empresa aeronáutica estatal indiana HAL (Hindustan Aeronautics), que vai produzir sob licença 108 das aeronaves vencedoras do programa MMRCA, requisitou ofertas para uma nova instalação de projeto e fabricação em Bangalore, para a nova linha de produção.

As negociações prometem ser duras, segundo jornal indiano

O Financial Express, do grupo Indian Express, publicou neste sábado (14 de abril) um artigo assinado por Huma Siddiqui, dizendo que as negociações prometem ser duras para a Dassault. Isso porque os negociadores indianos, tendo em vista o alto custo desse contrato, procurarão garantias contratuais firmes, tendo em mente também de que a encomenda é um caso de “vida ou morte” para o Rafale, buscando extrair o máximo de benefícios da empresa. A encomenda indiana reforça muito o peso da Dassault no mercado de caças mundial, porém, a empresa já viu diversas possibilidades de exportação escaparem por entre os dedos, diz o jornal.

O processo de negociação, segundo as normas estabelecidas na competição indianas, promete ser longo e árduo para os dois lados. O programa vem com um conjunto de condições que o vencedor precisa cumprir, e as negociações incluem a configuração da aeronave, custos precisos, entrega de offsets (compensações) e transferência de tecnologias.

O contrato final só deverá ser assinado no próximo ano fiscal, e nada está acertado até que a assinatura seja realmente colocada no papel. A Dassault já sofreu um revés em novembro do ano passado, quando uma encomenda esperada há muito para os Emirados Árabes Unidos (EAU), envolvendo 60 aeronaves, foi perdida “nos acréscimos do segundo tempo”. Na ocasião, o príncipe Sheikh Mohammed bin Zayed, comandante supremo das Forças Armadas dos EAU, disse que as condições do contrato eram “impraticáveis e não competitivas”.

Segundo o Financial Express, recentemente o caça francês perdeu na Suíça uma concorrência para o Gripen, da sueca Saab. Antes disso, sofreu derrotas em concorrências na Holanda e Coreia do Sul (2002), Singapura (2005), Arábia Saudita (2006) e Marrocos (2007). Por anos, a Dassault também vem tentando estabelecer uma “cabeça de ponte” no Brasil, incluindo um esforço de lobby de alto nível, por parte do presidente francês Nicolas Sarkozy. O grande avanço conquistado com a seleção indiana atraiu a atenção brasileira, e recentes notícias do Brasil indicam que o país está “bastante inclinado” a escolher o Rafale para reequipar sua Força Aérea, ao invés dos concorrentes F/A-18 Super Hornet da Boeing e Gripen da Saab. Uma fonte brasileira disse à Reuters que “o acordo da Índia mudou tudo. Com a decisão indiana, é muito provável que o Rafale seja o vencedor aqui.”

Críticas mudando de foco no país de origem

A Dassault também passava por críticas na França, parte delas relacionadas ao alto custo da aeronave, mas estas pararam após a seleção indiana. Porém, agora as críticas mudaram de foco. Para entender: de acordo com uma recente revisão do Senado Francês a respeito do orçamento de defesa de 2012 do país, o programa total do Rafale para a França compreende 286 aeronaves, das quais 180 são encomendas firmes.  Incluindo os custos de desenvolvimento, o valor total do programa está em 43,56 bilhões de euros. Dividindo-se o custo total pelo número de aeronaves, o Senado calculou o preço de cada Rafale em 152,3 milhões de euros, o que na moeda indiana equivale hoje a  Rs 990 crore.

A partir daí, a seleção do Rafale como a oferta de menor valor na Índia foi o estopim para um novo debate na França: se a empresa ofereceu seus caças à Índia com um grande desconto para conseguir um sucesso de exportação desesperadamente perseguido, quem vai financiar a diferença de preço? O contribuinte francês? Se uma reportagem do periódico satírico francês de centro-esquerda “Le Canard” pode ser levada a sério, a França espera recuperar o baixo custo vendendo, a preço cheio, vários adendos, como bombas, mísseis e foguetes para o Rafale. (nota do editor: quando do anúncio da vitória do Rafale na Índia, o site RFI destacou que a manchete do satírico “Le Canard” remeteu a uma situação que hoje, às vésperas das eleições francesas, foi direto ao ponto: ” L’Inde sur le point d’acheter 126 Rafale, mais Sarko reste sur un siège éjectable !” – A Índia está prestes a comprar 126 Rafale, mas Sarkozy continua no assento ejetável).

Na Índia, segundo o Financial Times, isso levanta questões sobre o tipo de aeronave que os franceses ofereceram e o que está incluído no pacote. E os negociadores indianos deverão olhar todos os detalhes do contrato para evitar pagar a mais pelo caça. A recente compra de 500 mísseis MICA da MBDA e a modernização de meia-vida da frota indiana de caças franceses Dassault Mirage já vêm sendo criticadas devido aos altos custos. Os negociadores também deverão prestar atenção aos detalhes de transferência de tecnologia e de implementação dos offsets (compensações) ligados ao setor de defesa, o que somaria aproximadamente 5 bilhões de dólares em investimento na Índia – transferências de tecnologia costumam ser algo que não excita fabricantes de armas.

O que se espera, segundo o jornal indiano, é que os negociadores do país tenham em mente a grande importância desse contrato para o fabricante, para extrair dele o máximo de benefícios para a Índia.

A hora de perguntar aos leitores do Poder Aéreo

Com todas essas complicações descritas acima, que segundo as duas publicações podem atrasar a assinatura do contrato indiano, perguntamos ao leitor do Poder Aéreo: será que o Rafale poderá encontrar um outro cliente externo que assine antes uma encomenda definitiva? Não se tem ouvido muitas novidades dos Emirados Árabes Unidos mas, aqui no Brasil, o ministro da Defesa espera que uma decisão do Programa F-X2 seja tomada ainda neste semestre. Na hipótese dessa decisão ser pelo Rafale (que diversas vezes nos últimos anos foi apontado como o favorito aqui, por autoridades do Governo Brasileiro), será que as negociações de um contrato (que envolve bem menos aeronaves) poderia ser mais rápida que na Índia?

Na nossa opinião, se já foi dito que a escolha do Rafale pela Índia aumentou muito as chances do caça no Brasil, também pode-se dizer algo no sentido oposto: nesse contexto de dificuldades na Índia, uma escolha do Rafale pelo Brasil, nos próximos meses, poderia ajudar na assinatura definitiva do contrato indiano, cujo valor é muito maior.

FONTES: Aviation Week e Financial Express (tradução, adaptação e edição: Poder Aéreo)

FOTOS: Força Aérea Francesa (Armée de l’air)

Colaborou: Maurício R

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