O céu não pode esperar
Reformulação do programa espacial busca criar ritmo vigoroso de lançamento de satélites
Fabrício Marques
A reestruturação do programa espacial brasileiro entrou na agenda do país. A configuração atual do programa, em que a Agência Espacial Brasileira (AEB), com sede em Brasília, coordena estratégias e repassa verbas para as vertentes civil e militar do programa, vai sofrer um redesenho – e a hipótese mais provável é a fusão da AEB com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), de São José dos Campos, ou pelo menos com parte de sua estrutura. A constatação de que a AEB se converteu numa instância de caráter burocrático, desprovida de bons quadros técnicos e com pouca ascendência sobre as prioridades dos órgãos que coordena, dá impulso à proposta de mudança, que, no entanto, ostenta ambições muito mais amplas. Entre elas destacam-se o aumento do volume de recursos do programa, fortes investimentos na renovação de recursos humanos, um calendário de lançamentos vigoroso, capaz de colocar no espaço, se possível com foguetes nacionais, uma coleção de satélites talhados para cumprir missões de interesse da sociedade, do governo e da comunidade científica, e um efetivo envolvimento da indústria brasileira na busca de soluções inovadoras e no fornecimento de sistemas. “Se hoje lançamos um satélite a cada quatro anos, queremos passar a lançar entre um e dois por ano, pois a sociedade precisa disso”, diz Marco Antonio Raupp, presidente da AEB, que coordena as discussões e deverá apresentar uma proposta neste mês. “O essencial é que a sociedade consiga vislumbrar as utilidades do programa em vários setores, do controle ambiental à segurança pública. Assim é mais fácil brigar por financiamento.”
Uma das metas é duplicar o orçamento do programa, que foi de R$ 326 milhões em 2010. A necessidade é de pelo menos R$ 500 milhões anuais em investimentos no programa de satélites do Inpe, vinculado ao Ministério da Ciência e Tecnologia, e de R$ 200 milhões no desenvolvimento de foguetes pelo Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA), ligado à pasta da Defesa. O diretor-geral do Inpe, Gilberto Câmara, lembra que a cifra é modesta quando comparada ao investimento de países do bloco dos Brics. “Para competir com o programa da Índia, deveríamos multiplicar nosso orçamento por cinco e, no caso da China, por sete. Nosso programa não tem finalidades bélicas, como o da Índia, nem é instrumento de afirmação nacional, como na China, mas dobrar o volume de recursos é essencial para fornecer serviços de que o país necessita”, afirma.
O freio de arrumação busca ampliar a escala do programa. O Inpe, que ao longo de sua história conseguiu fabricar e levar ao espaço cinco satélites, tem uma série de projetos em desenvolvimento, alguns com parceria internacional, e quer lançar 14 satélites até 2020. O primeiro deles é o Cbers-3, satélite de monitoramento terrestre resultante de uma parceria com a China que já dura 23 anos. Uma de suas câmeras fará imagens da Amazônia a cada cinco dias, com uma resolução de cerca de 70 metros, em vez dos 260 metros da câmera do antecessor Cbers-2B, que parou de funcionar em maio de 2010. O Cbers-3 deve ir ao espaço em 2012, depois de amargar um atraso de cinco anos devido a restrições dos Estados Unidos ao fornecimento de componentes eletrônicos. Outros dois satélites da família estão previstos no acordo com a China. Além deles, o Inpe desenvolve a Plataforma Multimissão, talhada para levar ao espaço cargas de vários tipos com até 500 quilos (kg). Satélites de pequeno porte propõem-se a monitorar as queimadas na Amazônia (Amazônia-1 e 2) e os oceanos (Sabiá-1 e 2, em parceria com a Argentina) e cumprir missões científicas, como estudar o espectro do solo e da vegetação (Flora Hiperespectral), a emissão de raios X (Lattes-1), o clima espacial (CLE-1) e a astrofísica (AST-1 e 2).
No campo do desenvolvimento de veículos lançadores, a cargo do DCTA, também há vários projetos em curso. A explosão, em agosto de 2003, do Veículo Lançador de Satélites (VLS-1), na base de Alcântara, que matou 21 engenheiros e técnicos, evidenciou as dificuldades do Brasil de dominar a tecnologia de utilização de combustíveis sólidos. O VLS ainda está nos planos do DCTA, mas há outros foguetes em estudo, com tecnologia mais simplificada, e o Inpe conta com eles para levar seus satélites de menor porte ao espaço. É o caso do Veículo Lançador de Microssatélites (VLM-1), capaz de levar satélites com até 100 kg de peso, como o de clima espacial CLE-1. Também está em desenvolvimento o VLS Alfa, versão do VLS-1, com três estágios e emprego de propulsor líquido, em substituição aos propulsores sólidos do terceiro e quarto estágios. A ambição do DCTA é desenvolver uma nova família de foguetes, capaz de colocar em órbita, até 2022, satélites do porte do Satélite Geoestacionário Brasileiro (SGB), de quatro toneladas, que irá interligar os sistemas de defesa em todo o território brasileiro. Em um artigo publicado neste ano, o coronel Avandelino Santana Junior, chefe da Divisão de Propulsão do Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE), disse que um dos pressupostos para o programa é a cooperação entre o Brasil e um país com competência na área espacial, especialmente no desenvolvimento da tecnologia de propulsão líquida.
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FONTE: FAPESP
NOTA DO EDITOR: infelizmente, para algumas autoridades do Brasil, “o céu pode esperar”. Para estes, nós dedicamos o som do Meat Loaf abaixo.