Do T-6 ao T-37
Por Gustavo Adolfo Franco Ferreira ( fotos de Arquivo de Aparecido Camazano Alamino)
O primeiro registro de meu interesse pessoal pela Aviação ocorre no inverno de 1950 ou 51, no jardim da casa nº 12 da Av. Duque de Caxias, na Vila Militar, ao lado quartel da 1ª D.I. Logo no raiar do Sol, havia um P-47 voando muito alto, fazendo o que, depois, soube serem sucessivos “loopings”. O fato não passou desapercebido à argúcia de meu Pai, então Tenente-Coronel do Exército.
Os registros seguintes passam pela obtenção de farta coleção de livros da época da II Grande Guerra, e pela convivência mais estreita com meu Velho, nas várias tarefas que realizou. Perdi dois anos escolares enquanto Ele serviu na Embaixada em Washington D.C.; e depois, sem nenhuma vergonha, mais um em São Paulo, quando convivi, no Colégio Estadual de São Paulo, com minha companheira de mais de meio século.
Sete anos no CMRJ e mais três na Escola de Aeronáutica. Soldado pronto em 1959, pela Arma de Cavalaria. Sou praça na Força Aérea de 22 de fevereiro de 1963; matriculado sob o nº 63.186, numa turma de 187, onde o último, o 63.187 era Cordero, Pedro Villalaz, panamenho e precursor da Força Aérea deles.
No dia do Aspirantado, 20 de dezembro de 1965, meu Velho Pai me deu os conselhos que nortearam minha curta carreira na FAB e toda a minha vida nela e fora dela. Um destes foi que procurasse interessar-me por coisas não cobiçadas, de maneira ser “cabeça de sardinha”, não “rabo de baleia” (A expressão que Ele usou não foi esta, mas não cabe neste “site”). Outro ensinamento foi o de aprender e ensinar, sempre! Obedeci.
Depois o estágio em Fortaleza, do qual fui desligado após tê-lo completado, adorei a classificação no Destacamento Precursor da Escola de Aeronáutica, em Pirassununga. Eu ia ensinar a voar no T-6, “a máquina que separa os homens dos meninos!” Chegando lá, perguntei: “- o que ninguém gosta?” E era o Link Trainer. Fui para o Link, depois chamado de Treinamento Simulado.
O T-37 na FAB
Talvez o uso dos T-37C tenha começado em agosto de 1965, no Destacamento Precursor da Escola de Aeronáutica (DPEAer) em Pirassununga. O Cmt do DPEAer era o Cel. Junot Fernandes Monteiro. A música de escárnio dos cadetes era:
Cadete voa T-6,
A Escola não tem solução.
A hélice é cheia de mossas, na asa tem corrosão!
Se fizer acrobacia,
O motor pode parar.
Na reversão da cobrinha, a asa vai se soltar!
Coronel na sua sala,
Tenente dando instrução.
Coronel vai para o Rio,. Tenente vai p’r’o caixão
Mas é que bom FDP quer medalha e promoção!
Já haviam morrido o Cap. Coutinho e o Ten. Libardi por separação das asas. As hélices já estavam quebrando na estação 42”, com perda total das aeronaves. João Jorge Bertoldo Glazer (então tenente) já tinha pousado um T-6 fora-de-campo, sem um pedaço enorme de uma das pás e com a mão direita aberta em uma única chaga produzida pela vibração. Numa sexta-feira qualquer, o Comandante do Corpo de Cadetes (Cmt CC) informou que a presença ao FeBeAPi (Festival de Besteira que Assola Pirassununga) daquele dia era obrigatória. Estávamos sendo visitados pelo Comandante da Força Aérea Italiana. A reunião foi na única sala de instrução existente no DPEAer.
O assunto em voga era a substituição dos T-6 como avião de treinamento avançado e o militar estrangeiro esmerou-se em apresentar o AeroMacchi 326, então em introdução na academia deles. Muitos anos depois, seria usado no Brasil como o Xavante. Disseram que o Brigadeiro Oswaldo Ballousier (então diretor da DM – Diretoria de Material antecessora da DIRMA) não havia gostado do avião. Há fato jocoso ocorrido neste “FeBeAPi” que não cabe neste relato. Os emissários de Ballousier saíram procurando um substituto do T-6 pelo mundo afora. Franceses ofereceram o Fouga Magister; americanos, os T-37. Com apropriada razão, a escolha recaiu sobre o T-37C, principalmente devido à sua autonomia quando equipado com “tip-tank”. O aviãozinho já era usado pela USAF, como treinamento primário. O apelido dele era “Cessna’s Joke”. Valia US$ 250,000.00 cada um. Compraram 40.
Andei por Fortaleza, no ano de 66, de volta ao DPEAer, agora como instrutor, em 1967. Esta classificação para servir na Escola – desprezada por quase todos os colegas de turma que fomos para lá, a mim me serviu como uma luva: Atendia, de ponta a ponta, o segundo mais importante conselho que meu Pai me dera no dia do Aspirantado: Nunca diga “vá” ao teu Soldado; diga sempre “venha”. Há um detalhe que vou usar à frente: Também trabalhava na Seção de Link Trainer (depois nomeada de treinamento simulado).
Já em 1968 uma equipe de aviadores foi para Williams AFB em Phoenix, AZ treinar no avião. Enquanto isto, outra equipe – da qual fazia parte brilhante o SO JORGE DOS SANTOS BOA-VISTA (escrito em caixa alta!!!) – foi para Wichita, KA fazer a COMFIREM T-37 (Comissão de Fiscalização e Recebimento de Material). Os cinco primeiros aviões foram trazidos por este grupo, acompanhando um C-115. Foi quando chegaram que eu conheci o T-37.
Os instrutores foram adaptados ao tipo (CPI – Curso de Padronização de Instrutores) e seis Cadetes foram escolhidos para serem “cobaias” na nova instrução que se inaugurava. Não me lembro o resultado, só me lembro que a instrução deles só era dada pelo grupo de instrutores inicial. Em 1969, na turma que se auto-denomina “É p’ra Leão”, a instrução foi iniciada no tipo. O avião não difere em nada dos outros: manetes à frente, sobe; manetes no meio, voa manetes atrás, desce. Mas tem um vício nojento: Não sai de parafuso!
Eu guardei na memória alguns episódios…
A adaptação ao tipo era muito fácil. Judimar das Chagas adaptava ao então Ten. Paulo Fernando de Santa Clara Ramos quando colidiram com um urubu no painel direito do pára-brisa. A ave subiu pelo nariz do avião, quebrou o painel, colidiu com o capacete do Chagas e foi se alojar –em duas partes- na parte traseira do cockpit.
Chagas não via mais nada, e Santa só tinha ouvido o barulho do impacto sem saber o que era! Depois Santa informa que ouviu 3 estouros e, olhou para o lado e não tinha mais instrutor a bordo. O avião era o # 2 de um elemento na curva base para aproximação da pista 01. Atribui-se a Santa a mensagem: “O instrutor abandonou a aeronave. Vou pousar! Foi um “Deus nos acuda!” Boa-Vista (que ainda estava em Wichita) teve que ejetar um assento para descobrir o que era necessário para consertar o avião que ainda estava muito bom.
José Araken Leão dos Santos dava instrução de “2P de traslado” para o Maj. Remy. Ao mesmo tempo, eu dava o mesmo tipo de instrução ao Maj. Monteiro. Era o primeiro voo de cada um deles e se fazia demonstração de parafuso. Pois bem! No segundo parafuso que eu fiz, o avião não saiu e nós descemos rodando de 25.000 pés até 5.000 pés, três quilômetros a Oeste de Casa Branca. Este episódio exige muito mais descrição do que cabe neste relato. A história curta é que eu desmaiei por hiper-ventilação e só acordei quando o Maj. Monteiro desligou meu suprimento de oxigênio. “- Pousa esta jaca que eu não sei pousar!!!” O evento havia sido transmitido via rádio e diversos oficiais esperavam pelo pouso. Ainda na pista viu-se, no QDM 360, dois pára-quedas abrindo; Leão e Remy tinham ejetado. A investigação comprovou que o meu avião (0882) estava com cabos de comando de profundor frouxos e que, dos vinte e poucos do pátio, somente dois tinham a tensão correta naqueles cabos.
A cachorrada vadia que existia no Campo Fontenelle desapareceu completamente com a chegada dos T-37. Resolvido o mistério com a medição da freqüência do ruído da turbina (muito alta) insuportável aos cães.
Certa feita eu voei de YS para RJ, visual. Em Barra do Pirai havia uma cobertura 8/8 que exigia voo por instrumento. Um Varig na saída estava ocupando a freqüência. Sobre Barra do Pirai, chegávamos dois aviões; um T-37 e um Dart Herald da Sadia. Quando o Varig calou, o Dart entrou imediatamente e foi mandado descer, com risco de colisão, cruzando o meu nível (ele vinha no 130 e eu estava no 115). Eu tinha o Dart no visual, e desviei muito longe. Depois que ele passou, chamei o controle que me deu uma desculpa esfarrapada. O piloto do Dart riu na freqüência. Eu praguejei contra ele: Você vai se lascar. Cerca de dez minutos depois, já sobre o galeão velho, o controle me mandou arremeter do pouso em RJ “por aeronave acidentada na pista”. Quem era? Perguntei. O Dart Herald. Fui para 118.1 e falei com a TWR RJ perguntando quanto tempo ia demorar. A resposta, depois de consultar o Dart com os pneus estourados, era mais do que eu podia esperar. Ao arremeter sobre o Dart Herald, na proa do Pão de Açúcar, ele ouviu: “Eu não disse…” Por muitos anos pilotos da Transbrasil contaram que aquele comandante vivia me caçando pelas aerovias. Graças a Deus, nunca me encontrou!
Em 18 de agosto de 1970, houve algo que deixou uma marca profunda: o treinamento simulado havia quebrado um recorde qualquer. O Comandante da época, Osório Medeiro Cavalcanti, convidou e transportou meus Pais a Pirassununga para assistirem a comemoração que seria realizada lá mesmo no salão dos treinadores. Meu Pai precisava voltar no mesmo dia. Depois do evento, o Cel. Osório chamou-me a um canto e me deu um T-37 para eu levar meu próprio Pai ao Rio. No equipamento, haviam preparado um macacão com o nome dele, a tampa da viseira tinha o cocar do General. Esta eu não esqueço jamais!
O avião era exageradamente iluminado e tinha a capacidade de fazer acrobacia por instrumentos. Alguns IN em voo noturno faziam a seguinte arte: ganhavam velocidade com tudo apagado e entravam em um looping normal. Ao passar pelo dorso acendiam tudo de uma vez só! No dia seguinte, o Comandante só fazia receber informação de disco-voador na área.
Com a criação do CFPM (Centro de formação de pilotos militares) mais T-37 foram adquiridos e a Academia passou a se interessar mais pela formação acadêmica do pessoal. Nesta altura, ainda tenente e com função de tenente-coronel, foi melhor pedir as contas. Mas isto já é outra história.
FOTOS: Arquivo de Aparecido Camazano Alamino
Mata o Velho, mata!!!!!!
Franco,
Parabéns pela iniciativa de apresentar aqui suas experiências.
Aguardamos ansiosos os próximos capítulos.
Abraços,
Justin
Saudoso e divertido relato pessoal, que sem dúvida só vem enriquecer a história da Força Aérea Brasileira. Penso que nessa época a melhor escolha de substituição dos T-6 para a FAB, seria os Beechcraft T-34.Um fato interessante na história dos T-37 na USAF, é que depois de uns quatro ou cinco anos de serviço como treinador básico, os americanos cometaram um erro inusitado, o treinamento dos cadetes seria totalmente em aviões a jato, começando no T-37. Devido ao alto custo, esse processo mais tarde foi abandonado.Até mesmo o T-34 seria recolado na instrução básica, e o treinamento primário feito pelo… Read more »
Roberto F Santana.
Que bom revê-lo! Não lhe vejo desde os tempos de “desafios”.
Grato pela referência atenciosa a meu texto.
Franco Ferreira
O prazer é todo meu.
Mandei um desafio dos “quentes” para o Galante, acho que sairá amanhã.
Meu caro Franco,respeitosamente lhe “roubo” esse espaço, que merecidamente é reservado em sua homenagem, e gostaria de complementar meu comentário,
Acabei esquecendo de citar o clássico treinador a jato T-33.
Sobre o estranho método “all jet trainer”, acho que a Suécia ainda adota esse absurdo.Creio que o Galante, que esteve a felicidade de visitar a Escandinávia, deva saber se isso ainda é feito por lá.
Jose araken Leão dos Santos foi meu colega no ultimo ano do cientifico, no então Instituto de educação cons.Rodrigues Alv es, em guaratinguetá…gente boa e amigão…a ultima vez que conversei com ele estava em Recife…aqui em Guará na EEAer tinha muito T-6, B-25,etc…e todos voavam, e muito…bons tempos…parabens ao autor da materia…muito boa mesmo
manoel disse:
26 de fevereiro de 2011 às 20:08
Manoel;
José Araken Leão dos Santos fez brilhante carreira na FAB. Depois de servir em Recife comandou a Base Aérea de Fortaleza.
Transferido para a Reserva Remunerada passou a trabalhar para o Ministério da Defesa. Nunca deixou de procurar pelos amigos da caserna.
Em 2005, emitiu uma mensagem coletiva que dizia de seu afastamento das mensagem de e-mail, devido a tratamento médico a que se submeteria. Não voltou.
Faleceu em Brasília, em junho de 2005.
Compartilho consigo boas lembranças deste amigo.
Franco Ferreira
Roberto F Santana disse:
26 de fevereiro de 2011 às 19:29
“Mandei um desafio dos “quentes” para o Galante, acho que sairá amanhã.”
Assim não vale!!!!! É covardia! Trata-se, efetivamente, de informação privilegiada!!!
Vamos ver se tem desafio.
Forte abraço. Franco Ferreira
Mandei mas não vou me meter na disputa!
Vou ficar de fora olhando e falo quando alguém acertar.
Assim vale!!!!!!! Se sair, vou tentar!!!
O Fouga como T-24, chegou a servir na Fumaça, pq não vingou???
Senhores,
Qual o destino dos nossos T-37?
Abs.
Segundo a Wikipédia, 30 foram p/ a Coréia do Sul e 12 seriam vendidos ao Paraguai, mas estes os americanos vetaram.
Beleza Mauricio R. Cheguei a pensar que estavam pela América do Sul, Chile e Uruguai por exemplo.
Abraços
Mauricio R., alguma informação sobre o destino dos AT-33 da FAB também? FAB brasileira e não boliviana, hehe..
“…alguma informação sobre o destino dos AT-33 da FAB…”
Infelizmente não encontrei nada, detalhando o seu destino.
Mauricio R. disse: 27 de fevereiro de 2011 às 0:28 “O Fouga como T-24, chegou a servir na Fumaça, pq não vingou???” Alguns (http://www.aviastar.org/air/france/aerospatiale_magister.php) foram adquiridos em permuta com os remanescentes Morane-Saulnier Paris (http://www.aviastar.org/air/france/morane_ms-760.php) então existentes. Na época diziam que não tinha nem a autonomia nem o excesso de torque disponível nem a aceleração necessários para ser usado em substituição aos T-6 que, nesta época, soltavam as asas ou as hélices em voo. Também só podiam operar em pistas preparadas, tornando-se, por isto, imprestáveis para finalidade que lhe daria a fumaça. Por serem muito poucos – cerca de dez –… Read more »
ivanildotavares disse: 27 de fevereiro de 2011 às 1:20 “Mauricio R., alguma informação sobre o destino dos AT-33 da FAB também? FAB brasileira e não boliviana, hehe..” O Musal (http://www.musal.aer.mil.br/) tem, pelo menos, um. Há diversos espalhados em portões-das-armas de bases aéreas Alguns estão espetados em postes. E outros foram distribuídos a entidades privadas, com a específica condição de não serem reconduzidos ao voo. Sobre o T-33, o MUSAL dia: “LOCKHEED T-33A “Shooting Star” O LOCKHEED T-33A é um avião para dois tripulantes, destinado ao treinamento de pilotos para o LOCKHEED F-80C, além do combate aéreo e bombardeio. Voou pela… Read more »
Justin Case disse:
26 de fevereiro de 2011 às 18:26
“Franco, / Parabéns pela iniciativa de apresentar aqui suas experiências. / Aguardamos ansiosos os próximos capítulos. / Abraços, / Justin”
Prezado “Just in Case”
Lamentavelmente devo contrariá-lo: Não adotei “… a iniciativa de apresentar aqui suas [minhas] experiências”. Atendi a um pedido do editor do “site” com a única coisa que tinha sobre os T-37, a memória de uma fase. Não haverá “próximos capítulos” se não houver novos pedidos.
Forte abraço – Franco Ferreira
Prezado Galante;
Veja que coincidência: O avião 0882, mencionado no texto está nas fotos que lhe mandou o Cel. Camazano.
Franco Ferreira
Excelente relato. Parabéns ao Franco pelo ótimo texto.
Gostei da puxada de saco que o Coronel deu no General.
Caro Franco Ferreira,
Parabéns por ter compartilhado conosco experiências pessoais de grande brio. É o somatório das experiências por que passaram e passam todos os nossos valentes pilotos que dão a grandeza da Força Aérea Brasileira.
Obrigado também pela resposta da pergunta feita por mim ao Mauricio R. e o envio do link do Musal.
Forte abraço
Ivanildotavares é GUPPY
Um belo post de um experiência comprovada.
Esperamos mas alguns post.
Abs.
Excelente Matéria. Obrigado por compartilhar as suas experiências conosco.
então meu amigo Araken ja faleceu…noticia triste…eu vivo me cobrando , mas a vida corrida e a idade foram me fazendo perder contato com tanta gente…acho que muitos aqui tb sentem isso..paciencia…uma oração especial pra êle, que Deus o tenha…